Lisboa — Os pedidos de emigração feitos por brasileiros entre outubro de 2022, mês das eleições presidenciais, e fevereiro deste ano aumentaram 50% ante outubro de 2021 e fevereiro do ano passado. O pico ocorreu em janeiro último, quando houve um salto de 93,7%, segundo levantamento realizado pela D4U Immigration, especializada no assunto. Os destinos mais procurados são Estados Unidos, principalmente, Portugal e Itália. “O movimento migratório vem crescendo há três anos, mas nunca vimos números tão expressivos como agora, especialmente em janeiro”, diz Eduarda Costa, diretora Comercial da empresa.
Ela conta que, com a vitória de um partido de esquerda no Brasil, assim como em outros países da América Latina, a política passou a ser um tema preponderante para brasileiros optarem pela emigração. “Normalmente, são os fatores socioeconômicos os que mais pesam na hora de as pessoas decidirem por mudarem de país. Neste momento, porém, as questões políticas também estão influenciando”, afirma. Nos EUA, os destinos de brasileiros têm sido, especialmente, os estados do Texas e da Flórida, com governos de direita e discurso de liberdade econômica. “Essa é uma grande preocupação, a liberdade econômica”, assinala.
A executiva não tem dúvidas de que esse movimento vai continuar, mas alerta que é preciso ter muito cuidado na hora de emigrar. Há pessoas, sobretudo as mais jovens, que alimentam sonhos e apostam que, chegando ao destino, tudo correrá como o desejado. “Não é assim. Sem um bom planejamento, o risco de dar errado é grande”, ressalta. O primeiro passo para se evitar frustrações é entender o porquê do desejo de deixar o Brasil para viver no exterior. Depois, é definir o que se pretende fazer no novo país, se vai trabalhar, por exemplo, e com o quê. A seguir, vem a pergunta fundamental: há reserva financeira para cobrir as despesas lá fora? São muitos os gastos: moradia, alimentação, saúde, educação, transporte, telefonia.
É necessário acrescentar à lista questões como língua, câmbio — se a renda continuar a ser gerada no Brasil—, tributária e cultural, além do clima, pois Estados Unidos e Europa são regiões muito frias. “Tudo isso deve ser colocado na balança. É preciso ter os pés no chão e estar bem assessorado”, acrescenta Eduarda, que faz outro alerta: “Se possível, é recomendável buscar auxílio psicológico. Normalmente, as pessoas estão migrando em família, mas, às vezes, nem todos os membros estão alinhados com o projeto. Então, é muito importante uma ajuda emocional ao longo do processo."
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Perfis diferentes
Segundo a diretora da D4U, há diferenças claras entre os grupos de brasileiros que emigram. No caso daqueles que optam por morar nos Estados Unidos, a busca é pelo mercado de trabalho. São pessoas economicamente ativas, que querem reconhecimento financeiro e profissional por meio de remuneração. “São enfermeiros, que, no Brasil, ganham R$ 3 mil por mês e, nos EUA, podem receber até US$ 100 mil (R$ 520 mil) por ano, contadores, que também podem ganhar US$ 100 mil anuais, e médicos, cujos salários beiram os US$ 400 mil (R$ 2,1 milhões) ao ano”, detalha.
Essas pessoas sabem, porém, que, ao mesmo tempo em que terão salários maiores, serão obrigadas a arcar com muitas outras despesas, em especial, na área de saúde. “As questões sociais, para quem vai para os Estados Unidos, sobretudo em relação à segurança, são muito colocadas na balança. Existem alguns programas, dependendo do estado para onde se vai, que dão subsídios governamentais para a saúde. Mas é claro que não é o Sistema Único de Saúde (SUS). Lá, sempre haverá o copagamento das despesas”, afirma Eduarda. Em compensação, as famílias têm à disposição escolas públicas gratuitas de qualidade. “Sei de pessoas que deixaram de pagar R$ 10 mil por mês em colégios de São Paulo”, emenda.
Entre os que preferem migrar para a Europa, mais especificamente para Portugal, estão aposentados, trabalhadores prestes a deixarem o mercado de trabalho e pessoas que querem fazer um investimento, por meio da compra de um imóvel, por exemplo, para obterem autorização de residência e viver de renda oriunda do Brasil. “Caracteristicamente, é um público mais velho, que não busca, muitas vezes, recolocação profissional, salários”, diz a executiva. “Outro ponto que a gente observa é que, na imigração para os Estados Unidos, existe uma necessidade de qualificação mínima. Portugal é muito menos exigente nesse sentido”, frisa, lembrando que, na Europa, todo o processo migratório é conduzido em parceria com a Lexidy, com forte presença na França, na Espanha, na Grécia e na Itália, além do território luso.
Eduarda ressalta que, mesmo com o crescimento do número de brasileiros dispostos a migrarem para Portugal, é preciso explicitar que o país europeu vive uma crise econômica, com disparada da inflação e alta desenfreada dos preços dos aluguéis. Não por acaso, aqueles que não se planejaram são as maiores vítimas das circunstâncias. Há relatos de pessoas sem ter onde morar, alguns passando fome. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) ajudou 1.050 brasileiros em condições precárias a retornarem para o Brasil em janeiro. A previsão é de que cerca de 8 mil cruzem de volta o Atlântico ao longo do ano.
Até R$ 100 mil de custo
O fato de os problemas enfrentados por brasileiros em Portugal serem mais frequentes que nos Estados Unidos tem a ver, na avaliação da diretora da D4U, com as regras para o sistema de imigração. “Entrar nos EUA, mesmo que a turismo, requer um visto, as pessoas passam por um crivo, têm de comprovar vínculos no Brasil, que têm renda. Há uma avaliação prévia”, diz. Para Portugal, é só ter um passaporte válido e viajar. “É o que a gente chama de permanência estendida, além do tempo que poderia permanecer. Ficam no país de maneira irregular, e sem planejamento”, compara. Ela frisa que será importante observar melhor o desenrolar de 2023 para ver se o movimento dos brasileiros é de volta para o Brasil ou de ida para outros países.
Nos Estados Unidos, apesar de o custo de vida também ter subido com força, o mercado de trabalho está fortíssimo, com a taxa de desemprego próxima dos 3%, considerado erro estatístico. “A demanda por mão de obra está incessante em áreas como de saúde, contabilidade, administração, gerenciamento de projetos, tecnologia da informação. O país está precisando, e as pessoas estão percebendo isso”, ressalta Eduarda.
Há outra vantagem: como os norte-americanos não querem arcar com os elevados custos dos estudos, não vão até o mestrado. Assim, o governo tem facilitado a concessão de vistos de residência definitiva (green card) para profissionais altamente qualificados. Isso vale, por exemplo, para quem tem bacharelado e mais de cinco anos de experiência na área que atua e aqueles com mestrado concluído. Nesses casos, há o visto EB2-NIW. É preciso, contudo, ter muita paciência, pois a conclusão do processo pode levar até dois anos.
Durante esse período de espera, complementa a diretora da D4U, o índice de frustração, ou seja, daqueles que desistem de levar a imigração para os Estados Unidos adiante, é inferior a 1%. “Quem opta por migrar para os EUA está decidido, até porque faz um investimento, que pode chegar a R$ 100 mil, incluindo todas as taxas”, explica. No caso de Portugal, os custos ficam perto de 10 mil euros, ou R$ 55 mil. “As pessoas precisam ter consciência de que mudar de vida, mudar para outro país, requer muito pé no chão. A emigração pode ser para qualquer um, mas desde que se planeje antes. A gente encoraja um processo consciente”, afirma.
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