O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou a freira Adelaide Gonçalves Dantas pelos crimes de homicídio, tortura, falsidade ideológica, exercício ilegal da medicina e maus-tratos.
Ela é acusada de matar 10 internos entre maio e dezembro de 2021 nas Obras Assistenciais São Vicente de Paulo, conhecidas como “Vila Vicentina”, em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas.
Outros 14 ex-funcionários também foram denunciados, dentre os crimes, por tortura contra, pelo menos, 41 pessoas que viviam na Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI).
Na lista dos denunciados estão: o médico responsável, auxiliares de enfermagem, o presidente da instituição, o advogado e o tesoureiro.
Eles e a freira foram afastados das funções em abril do ano passado, quando foram iniciadas as investigações. Na época, a instituição acolhia 81 internos.
O caso só veio à tona, após funcionários, recém-contratados, denunciarem os crimes à Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG).
Havia relatos de idosos amordaçados, além de banhos coletivos e gelados. Alguns, eram mantidos em cárcere privado em ambientes com grades e cadeados. Eles também eram submetidos a violência psicológica e ameaças de castigos.
Todos os indiciados pela Polícia Civil foram denunciados pela promotora Graziela Gonçalves Rodrigues. Foram afastados os crimes de constrangimento ilegal, cárcere privado e ameaça, por entender serem crimes meio para efetivação tanto dos maus-tratos quanto dos delitos de tortura.
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As mortes
De acordo com a denúncia, as mortes ocorreram em decorrência de omissão. Há relatos, por exemplo, de uma idosa morta, pela freira, por “asfixia”. “Na medida que se negou atendimento médico-hospitalar à vítima após sufocamento mecânico em razão de engasgo alimentar sofrido por ela”, detalha Graziela na denúncia. Adelaide não permitia que os serviços de urgência e emergência fossem acionados.
Um idoso foi mantido amarrado nos últimos dias de vida. As medicações costumeiras foram suspensas por determinação da freira. “Tendo ele sido acometido por estado febril intermitente nos cinco dias que antecederam a sua morte, com intenso sofrimento”, consta na denúncia.
A mortes elencadas ocorreram no período da pandemia da COVID-19. Testes não foram realizados para detectar a doença e nenhuma medida preventiva foi adotada para evitar que o vírus se propagasse entre os idosos.
“Abusivas e cruéis”
A promotora alega que “além do completo descumprimento das normas que regem o acolhimento institucional de longa permanência para pessoas idosas, foram criadas rotinas inadequadas, abusivas e cruéis, com consequente submissão dos residentes a situações desumanas, degradantes e de extremo constrangimento”.
Com formação acadêmica em enfermagem, Adelaide foi contratada como responsável-técnica em 2015. De acordo com a promotoria, com o passar do tempo a situação foi ficando “calamitosa” sob a gerência da freira.
“Passou-se a adotar um regime mais severo para os residentes que “dessem mais trabalho” (sendo essa uma das ameaças cotidianas, inclusive), havendo demonstração no caderno inquisitório de que, pelo menos, 41 dos idosos acolhidos pela ILPI foram trancafiados em cômodos denominados “enfermarias”, relata a denúncia.
Em situações como estas, eles eram obrigados a fazer as necessidades básicas em baldes.
Os maus-tratos e tortura foram constatados pela perícia médica. Exames apontaram, por exemplo, lesões nos idosos. Panos eram utilizados, indevidamente, para amarrá-los.
A promotora aponta ainda que os crimes foram praticados pelos denunciados sob direção e comando de Adelaide. Em alguns casos, privando os idosos de alimentos e cuidados indispensáveis, “quando estavam obrigados a fazê-los”. Há relatos ainda de declarações falsas com a finalidade de “alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.
A freira também exerceu a profissão de médica se autorização legal, além de curandeirismo, prescrevendo, ministrando e aplicando, habitualmente, substâncias sem qualquer finalidade curativa. Ela detinha, inclusive, o receituário e também o carimbo médico.
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Prisões
A promotora não pediu a prisão de nenhum dos envolvidos porque, segundo ela, no curso do processo trata-se de “medida de exceção”, devendo ocorrer em situações específicas concretamente demonstradas.
Entretanto, ela pediu que os denunciados sejam impedidos de se aproximar das vítimas e familiares, além de não poderem deixar a cidade, assim como, se apresentar sempre que intimados.
A reportagem do jornal Estado de Minas tentou contato com a freira, porém, ela não foi localizada.
Desinterdição
A Vila Vicentina ficou interditada de abril do ano passado até o dia 10 de janeiro deste ano pela Vigilância Sanitária. Com o afastamento dos envolvidos, uma comissão interventora assumiu. No final do ano passado, foi nomeada uma nova diretoria.
A decisão do órgão sanitário levou em consideração o cumprimento das medidas solicitadas. “Dos 17 itens que levaram à interdição da instituição, 15 foram totalmente cumpridos, e dois foram cumpridos parcialmente. Diante disso, vimos que foi resolvida a questão do elevado risco sanitário”, informou a diretora de Vigilância em Saúde, Érika Camargos.
Atualmente a instituição está com 62 moradores com diferentes níveis de dependência. Para atendê-los, o local conta atualmente com seis funcionários no serviço da alimentação, oito na limpeza e 17 cuidadores de idosos, com mais quatro em processo de admissão.
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