Motoristas desesperados acenavam, ao ver nossa reportagem, e gritavam pedindo ajuda. Muitos queriam falar, mas a tarefa se tornava impossível diante do movimento de carretas, caminhões, motos e carros procurando os pontos menos piores no que restou da pista da BR-265, ou até mesmo a forma menos danosa de passar dentro dos buracos. Com tantos veículos, escolher “a melhor cratera” é uma decisão que precisa ser tomada numa fração de segundo. Um carro quebrado ali e o transtorno seria ainda maior.
Tomo a liberdade de não seguir a ordem cronológica para abrir esta reportagem com a cena que me deparei enquanto nossa equipe tentava passar pelo Km 343 da BR-265, cerca de 2 quilômetros após a saída de Lavras, município localizado entre as Regiões Sul e Oeste de Minas Gerais, em direção a São João del-Rei, que fica no Campo das Vertentes. Mas, antes de prosseguir, voltemos à sequência dos fatos.
Após percorrer os 519km entre Belo Horizonte e Vitória (ES), mostrando as condições das BRs 381 e 262 que ligam as capitais mineira e capixaba no mês passado, o Estado de Minas recebeu diversos pedidos de leitores para que outras rodovias em estado crítico fossem visitadas. E, entre esses pedidos, a BR-265, que liga os municípios de Lavras e São João del-Rei.
Com a condição precária de um longo trecho da BR-265 entre Lavras, no Sul de Minas, e São João del-Rei, no Campo das Vertentes, é comum relato de prejuízos causados por buracos e problemas que surgem a cada quilômetro da rodovia. “A tensão é o tempo inteiro. Os carros vêm cortando, dançando, fazendo zigue-zague na pista. Porque são muitos buracos mesmo.
Um atrás do outro.” Esse relato é da comerciante Cassia Pereira, que estourou dois pneus de seu carro ao passar por um buraco enquanto fazia o caminho de apenas 30 km entre Perdões e Lavras.
“Com certeza é uns R$ 1 mil que vou gastar agora de pneus. Complicado”, lamentou. Segundo ela, o problema é antigo na BR-265, mas piorou de um ano para cá, principalmente com o período chuvoso. Quando a encontramos, no Km 359, havia uma hora que estava na beira da estrada esperando a seguradora rebocar o automóvel.
Nos Kms 352 e 351 da BR-265, já no perímetro urbano de Lavras, as crateras em quase toda a pista em diversos pontos da estrada estavam tomadas pela água. Não há sinalização no local e o que indica que há buracos gigantes são pneus e galhos de árvores colocados pelos próprios motoristas que utilizam a via. Apesar dos esforços, no período noturno a falta de sinalização reflexiva pode se tornar uma armadilha para os motoristas.
Durante o trajeto, motoristas que passavam pela reportagem gritavam e acenavam pedindo ajuda, ao mesmo tempo que tentavam desviar dos buracos. “Ajuda a gente, pelo amor de Deus”, gritou o passageiro de uma motocicleta.
A cada quilômetro percorrido, a situação piora e o número de buracos aumenta, junto com a presença de veículos de grande porte. A poeira levantada também é muita, o que dificulta a visão do motorista. E, quando se chega ao ponto mais crítico do trajeto, o conceito de rodovia se perde em meio a crateras que são maiores que o acostamento, que o asfalto e que os próprios veículos.
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Lama e poças de água
O local citado fica no Km 343 da BR-265, o mesmo que aparece no início da reportagem. Lama, enormes poças de água e um trânsito muito intenso de carros, motocicletas, ônibus, caminhões, carretas e até uma ambulância criam um cenário que jamais imaginamos ver. Os veículos gerenciam o trânsito por conta própria, ou melhor, por conta dos buracos, e nenhum órgão oficial está presente no local. O número de motoristas pedindo ajuda aumenta e um acidente grave parece iminente quando as carretas precisam passar nas canaletas inclinadas.
O almoxarife Antônio Marcos, morador de Lavras, estava no trecho caótico e cobrou uma solução dos governantes. “É perigoso. A gente quer ver os governadores olharem para a gente. A situação dos motoristas está complicada. É ver se alguém pode estar nos ajudando”, disse.
Uma outra motorista que passava pelo local, que se identificou como Andressa, afirmou que estava de férias, indo para Tiradentes, município do Campo das Vertentes, e que se surpreendeu com o estado da rodovia. “Me falaram que estava ruim, mas eu achei que dava para passar”, falou.
Desvio improvisado fora da pista
Carretas e carros precisam sair da pista para passar e alguns dos buracos são impossíveis de desviar. Alguns deles já ocupam, literalmente, toda a extensão da pista, de um lado a outro. Nos quilômetros à frente, há pista. Na BR-265 isso é um privilégio. Apesar disso, os grandes buracos ainda são comuns.
Mas o trecho anterior é tão inacreditável que é quase reconfortante voltar às crateras. Além disso, na rodovia, duas pontes que passam sobre o Rio Grande, uma na divisa entre Nazareno e Itutinga, e a outra na altura do Km 341, estão em situação precária. O guarda-corpo de ambas as estruturas está quebrado em diversos pontos, com risco de queda de veículos.
Na altura do Km 335, próximo ao município de Itumirim, encontramos Cristiano Nunes Gonçalves, vendedor, próximo ao seu carro, com as duas rodas do lado esquerdo totalmente removidas. O problema, como é comum na BR-265, foram os buracos. O homem teve seus pneus e rodas danificados por crateras às 23h de 31 de janeiro e já estava a mais de 12 horas na estrada aguardando o conserto.
"Dormimos no chão, no frio"
Segundo Cristiano, ele saiu com seus colegas de Miguelópolis, em São Paulo, rumo a São João del-Rei, a trabalho, e o problema enfrentado fez com que ele e seus companheiros tivessem que passar a noite dormindo ao relento, na beira da rodovia.
“Nós dormimos por aqui mesmo, esticamos o colchão e dormimos no chão, no frio, chuviscando, por causa de uma estrada cheia de buracos”, contou. “A pista está um caos, um problema, de fora a fora, uma pouca vergonha mesmo”, desabafou. “É muito sofrimento, a gente fica muito sentido. Antes arrumar uma pista dessa, por um pedágio, que a gente paga”, completou.
Cristiano contou que faz o trajeto de quatro em quatro meses. “Não pode continuar desse jeito, não. Vai acontecer um acidente muito grave e muita gente vai chorar com a perda de alguns familiares”, alertou o vendedor.
"A estrada não suporta mais"
No Km 312, em Itutinga, paramos numa borracharia onde um caminhoneiro trocava pneus de seu veículo. Júlio César Campos, que faz uma rota entre o Paraná e Conselheiro Lafaiete, na região mineira da Serra da Mantiqueira, era mais uma vítima dos buracos da BR-265.
“Fui passar num buraco, devagarzinho, e ele (o pneu) explodiu. Conforme você vai andando, pegando buracos, vai descolando o pneu. Chega uma hora que explode mesmo”, explicou. O caminhoneiro cobrou do poder público uma solução. “Não tem governador, não tem ninguém que tome providências. Não são do bolso dele o dinheiro para comprar pneus. E é caro, R$ 3.500 cada pneu desses”, falou.
Walcir Pires é o borracheiro que trocou o pneu do caminhão de Júlio César. Trabalhando há três anos no local, afirmou que as estradas sempre foram perigosas no local, mas que a situação vem piorando por causa das chuvas. Segundo ele, são tantos carros estragados por dia que não consegue calcular uma média. “Não tenho nem ideia, mas é bastante”, disse.
"Espero que alguém tome atitude"
Apesar do número de estragos causados pela estrada trazerem um aumento na clientela do borracheiro, ele torce por melhorias. “Não é só pelo serviço, mas pela família da gente que roda na estrada. Tem que ter uma manutenção, está muito crítica. Não tem jeito de andar à toa na rodovia. É só na precisão. Espero que alguém tome atitude e conserte a estrada”, falou.
Para Walcir, a rodovia não comporta o fluxo atual de veículos. “Pelo movimento de tem de carretas, bitrens, nove eixos, é caminhão demais. A estrada não suporta isso mais.” No Km 306, a conclusão vem na placa “Todos somos vítimas da BR-265”.
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Mais tranquilo
Já a partir do Km 299, na altura do município de Nazareno, a estrada melhora bastante em comparação com os trechos anteriores. Os cerca de 50km finais até a chegada em São João del-Rei são tranquilos. Apesar disso, toda a estrada é pouco sinalizada e as marcações na pista estão apagadas em muitos trechos. Há muitos remendos em buracos.
Uma leitora afirmou nas redes sociais que “a 265 está até pior que essas”. Já outra disse: “BR-265 de Lavras até São João del-Rei não tem mais asfalto, só buracos”.
Nos dias 1º e 2 de fevereiro, a reportagem percorreu os 238 quilômetros que ligam Belo Horizonte a Lavras, pela BR-381, e os 93 quilômetros entre Lavras e São João del-Rei, pela BR-265. Encontramos um misto de destruição, abandono, descaso e revolta. Buracos que ocupam toda a extensão da pista, crateras de quase quatro metros de profundidade, sinalização precária e carros e carretas estragados.
Início da viagem
Após sair de Belo Horizonte, pegamos a Rodovia Fernão Dias, denominação que a BR-381 recebe no trecho entre as regiões metropolitanas de Belo Horizonte e São Paulo. Privatizada, a estrada gerida pela concessionária Arteris é duplicada e muito bem sinalizada em toda a sua extensão, mas apresenta desgaste desde a saída de Betim, na Região Metropolitana de BH.
O pior ponto encontrado na Fernão Dias fica no Km 570 da 381, próximo a Piracema. No local, a situação da estrada piora bastante, com trechos de remendo de buracos e asfalto desnivelado. Cones foram colocados por cerca de 4km, deixando apenas uma pista transitável para os veículos. No Km 571 pudemos ver homens trabalhando na pista, cortando o mato do canteiro central.
Pedágios no caminho
Entre BH e Lavras, passamos por três praças de pedágio. A tarifa básica para veículos de passeio é de R$ 2,70. Para motociclistas, o valor é R$ 1,35. Motoristas de caminhões, caminhões-trator e caminhões-trator com semirreboque de até três eixos pagam R$ 8,10. O preço aumenta de acordo com a quantidade de eixos. Os pedágios do trecho ficam no Km 546, em Itatiaiuçu; no Km 596, em Carmópolis de Minas; e no Km 659, em Santo Antônio do Amparo.
Uma situação surpreendente é que logo após a saída de qualquer uma das praças de pedágio, não é preciso andar mais que 500 metros para se deparar com diversos buracos. Fato irônico, visto que o valor pago pelos motoristas tem como objetivo a conservação da rodovia.
Atenção aos riscos
É difícil encontrar uma palavra que defina os primeiros 60 km da BR-265, a partir de Lavras, a não ser caos. Logo nos primeiros metros da rodovia, após o acesso a Lavras, já é clara a diferença em relação a Rodovia Fernão Dias.
Apesar de duplicado até a entrada do perímetro urbano da cidade, o trecho tem muito mato alto no acostamento e canteiro central. Grandes crateras começam a aparecer já no primeiro quilômetro e os carros precisam desviar bruscamente, trocando de pista, ou diminuir muito a velocidade para evitá-las. Às vezes, é necessário que o motorista ande no limite da pista, que não possui acostamento, para desviar dos buracos.
Num espaço de dois quilômetros, cinco crateras que ocupavam uma pista inteira e diversos buracos puderam ser vistos. Uma dessas deformações possuía nada menos que 7,18 metros de comprimento. No Km 359, em Lavras, parte da pista do lado direito cedeu, no sentido São João del-Rei, o que formou uma cratera de 6,15 metros de largura por 3,5 metros de profundidade.
Mesmo com uma deformação tão grande e o trânsito intenso no local, principalmente de veículos pesados, a sinalização é precária, assim como no restante da estrada.
"Tá precário, horrível"
No Km 358 paramos em uma oficina que fica à beira da estrada, onde conversamos com a loneira Ísis do Nascimento. Segundo ela, carros estragados por causa dos buracos é algo rotineiro no local. A mulher contou que, em certo dia, 12 carros tiveram problemas nos pneus causados pela estrada em apenas uma manhã. “Tá precário, horrível, não tem como rodar. Tem um ano que a gente está aqui e sempre foi ruim, mas agora, com as chuvas, está piorando”, disse Ísis.
Ela conta que jamais viu alguma obra voltada a tapar os buracos da pista. Também relatou ter visto um acidente causado por um carro que bateu em um caminhão ao tentar desviar de uma cratera. “Todo dia é insegurança, fico morrendo de medo”, afirmou.
Planos e promessas, mas nada de obras
Enquanto motoristas enfrentam riscos e têm prejuízos, governo e órgãos responsáveis pela conservação das rodovias não mostram urgência na busca de solução para o trecho precário da BR-265 entre Lavras e São João del- Rei.
Procurado pela reportagem do Estado de Minas, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) afirmou que há planos para a revitalização do trecho para “o mais breve possível”. “O Dnit informa que foi publicada situação de emergência para a BR-265/MG. Neste momento, está sendo finalizada a contratação emergencial de manutenção do trecho para dar sequência aos serviços de tapa-buraco o mais breve possível.”
O EM também procurou o Ministério da Infraestrutura, que informou haver obras previstas para seis segmentos da BR-265, dentro do Plano de 100 Dias de ações prioritárias elaborado pelo Ministério dos Transportes.
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