Jornal Correio Braziliense

Saúde pública

Em quatro anos, mortes por malária em indígenas mais do que dobraram

Dados obtidos pelo Correio mostram um avanço da doença em indígenas. Esta semana, o governo decretou situação de emergência nas terras ianomâmis

Ao longo dos quatro anos da gestão de Jair Bolsonaro (PL), as mortes de indígenas provocadas pela malária mais do que dobraram em todo o país. É o que mostram dados obtidos pelo Correio Braziliense por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). De acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculado ao Ministério da Saúde, foram registradas 41 mortes entre 2019 e 2022 provocadas pela malária. Só em 2020, foram 15. Entre 2013 e 2018, os seis anos anteriores ao início do governo Bolsonaro, foram registradas 21 mortes pela doença. Até então, o ano com mais óbitos pela malária tinha sido 2018, com seis indígenas mortos.

Nesta semana, o Ministério da Saúde revelou que só em 2022, pelo menos 99 crianças entre um e quatros anos do povo ianomâmi morreram devido ao avanço do garimpo ilegal na região. As causas da mortes variam entre desnutrição, malária e pneumonia. Segundo os dados obtidos pelo Correio, a desnutrição matou 345 indígenas em quatro anos, quase 100 a mais do que nos quatro anos anteriores. Em 2021, foram 107 mortes entre indígenas — só pela desnutrição.

Os dados fizeram com que o Ministério da Saúde decretasse situação de emergência na saúde pública em território ianomâmi. A Terra Indígena fica entre Roraima e Amazonas e é a maior do país. A região é alvo constante de garimpo ilegal. De acordo com o professor Nelcioney Souza Araújo, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), duas palavras resumem a situação: “descaso governamental e conivência".

Ele lembra que representantes dos ianomâmis enviaram vários ofícios ao governo relatando o que estava acontecendo, mas nada foi feito. Segundo levantamento do The Intercept Brasil, ao menos 21 pedidos de ajuda a povos ianomâmis foram ignorados pelo governo federal. “O garimpo está sem controle na T.I (Terra Indígena) Yanomami. Mais de 30 mil garimpeiros estão na área. O que ocasiona doenças e mortes para estes indígenas, pois as fontes de seus recursos alimentares vem dos rios e das florestas e isso, o garimpo está destruindo. Todas as autoridades sabiam dessa realidade e não agiram. Descaso”, afirma o professor.

Segundo ele, se o governo não decretasse situação de emergência agora haveria um “extermínio em massas desses indígenas”. “As principais ações devem ser centradas no fechamento dos garimpos e no monitoramento da TI. E, mais importante, punição para as autoridades que foram coniventes com essa tragédia”, enfatiza.

Malária: um grave problema

Um estudo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Fiocruz apontou que oito em cada dez crianças com menos de cinco anos têm desnutrição crônica dentro da Terra Indígena Yanomami. Nesta terça-feira (24/1), a Secretaria Municipal de Saúde de Boa Vista divulgou a informação que 47 crianças ianomâmis estão internadas no Hospital da Criança da cidade. As principais doenças responsáveis pelas internações são diarreia, doença gastrointestinal aguda, desnutrição grave, pneumonia, malária e acidentes com cobras.

A malária é transmitida ao ser humano, na maioria das vezes, pelo mosquito do gênero Anopheles Infectados. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, 99% dos casos de transmissão da doença se concentraram na Região Amazônica, considerada uma área endêmica no país.

A situação tem se agravado devido ao crescimento do garimpo ilegal na região. O desmatamento ajuda o mosquito a se proliferar mais. Dados do Mapbiomas indicam que o garimpo ilegal em terras indígenas aumentou 632% de 2010 a 2021. A estimativa é que hoje tenha em torno de 20 mil garimpeiros na terra indígena que tem cerca de 28 mil indígenas. 

Na segunda-feira passada, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) revogou uma medida da gestão Bolsonaro que liberava a extração de madeira em terras indígenas, inclusive por não indígenas. A medida tinha sido publicada em dezembro do ano passado e tinha sido muito criticada por entidades ambientais.

Em nota divulgada nesta segunda-feira (23/1), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma que os impactos do garimpo ilegal na saúde do povo ianômami foi denunciada diversas vezes. “Não é uma situação revelada agora; foi denunciada inúmeras vezes por organizações indígenas e aliados. Entre novembro de 2018 e dezembro de 2022, houve até seis decisões judiciais, nas diversas instâncias do Poder Judiciário, condenando ao Estado a tomar as medidas urgentes necessárias”, diz o texto.

Já o xamã e liderança yanomami Davi Kopenawa afirmou no sábado (21/1) que as medidas tomadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram “o socorro” que os ianomâmis pediam. “Foi o socorro que nós pedimos e que ele nos prometeu. Ele já havia me falado que me ajudaria a salvar meu povo", disse o presidente da Hutukara Associação Yanomami ao ISA.

O Correio tenta contato com o ex-presidente Jair Bolsonaro para tratar sobre o tema. O espaço segue aberto para manifestações. 

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