Jornal Correio Braziliense

Direitos humanos

Representantes de minorias estão esperançosos com atuação do novo MDH

Ativistas dizem que trabalho não será fácil, mas veem com entusiasmo compromissos assumidos pela pasta

Os compromissos com grupos minoritários assumidos durante a posse de Silvio Almeida no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania foram recebidos com otimismo por membros da sociedade civil e ativistas, mas o diagnóstico é unânime: o trabalho não será fácil. Com o mote de reconstrução, representatividade e transversalidade no trabalho com outras pastas do novo governo, Direitos Humanos e Cidadania enfrenta hoje diversos retrocessos herdados dos últimos quatro anos de Damares Alves como ministra.

No caso das pessoas com deficiência, o exemplo, o Instituto Olga Kos divulgou o relatório do Índice de Inclusão para Pessoas com Deficiência apontando que menos de 20% de crianças PCD se encontram matriculadas no ensino regular. A desigualdade é tamanha que, no ensino superior e técnico, a marca não chega a 1%. No levantamento foi apurado, ainda, que 70% desconhecem a legislação voltada para pessoas com deficiência.

Para Danilo Braz, vice-presidente da Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF), rever políticas descontinuadas é a primeira etapa de trabalho a ser feito neste novo governo, "para só assim começar a traçar novas estratégias que possibilitem uma vida mais digna a todos aqueles que têm algum tipo de deficiência".

"A demanda 'carro-chefe' para colocar em prática na nova gestão seria a instituição de políticas públicas voltadas à integração e reintegração da pessoa com deficiência no mercado de trabalho de maneira eficaz", argumenta Braz. "Porque, apesar de termos legislações que tratam do tema, ainda existe muito tabu na contratação de PCDs, principalmente no que diz a respeito da mão de obra especializada e ocupação de cargos superiores."

Outro grupo afetado pelos desmontes é o das crianças e adolescentes. Em 2020, por exemplo, Damares Alves declarou que uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que permite visita íntima a menores em unidades socioeducativas era uma medida de "financiamento de motel com dinheiro público".

Renato Godoy, gerente de relações governamentais do Instituto Alana, que advoga pelos direitos de crianças e adolescentes, destaca os ataques ao Conanda como um dos retrocessos a serem resolvidos. "Houve inúmeros retrocessos durante a gestão de Damares Alves e do ex-presidente Jair Bolsonaro", afirma. "Eu destacaria em primeiro lugar o ataque à participação social nas construções de políticas públicas para crianças e adolescentes. Esse ataque se deu, sobretudo, visando diminuir o papel do Conanda."

Orçamento

Outro ponto destacado pelo instituto, que foi consultado pelo governo de transição na formulação do diagnóstico apresentado em dezembro passado, foi a perda orçamentária de políticas públicas voltadas à crianças e adolescentes. "Vimos que há um processo muito grande de deterioração orçamentária que implicou, inclusive, a paralisia, e quase descontinuidade, de alguns programas, como por exemplo o Disque 100, que atende denúncias relacionadas à violência contra crianças e adolescentes", observa.

Ainda sobre os temas que envolvem a juventude brasileira, Godoy ressalta a satisfação com a menção aos órfãos da covid-19 no discurso de Silvio Almeida. "Entendemos que há um grande número de crianças e adolescentes que ficaram órfãos, inclusive há uma necessidade muito grande de elaboração de pesquisas e indicadores para entender a magnitude desse público e, ao mesmo tempo, buscar uma forma de amparar essas crianças e adolescentes que, além de perderem afetivamente o pai e a mãe, perdem completamente as condições materiais de sobrevivência", argumenta o gestor.

Godoy acredita que, com a promessa de cooperação entre ministérios garantida pelo ministro ao assumir o cargo, a fome e a desnutrição infantil serão tratadas de forma séria. "Entendemos que há algumas políticas em curso, com bons sinais de que isso deve de fato ser combatido pelo novo governo, como o novo Bolsa Família com R$ 150 por criança."

Memória e verdade

Silvio Almeida firmou, ainda, o compromisso com o "pleno funcionamento" de ferramentas como o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à tortura, revogando atos que tentaram impedir a atuação destas instituições. Democracia, memória e verdade foram conceitos muito mencionados durante a solenidade de posse.

José Carlos Moreira da Silva Filho, sócio-fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e membro do Conselho Diretor da Coalizão Brasil por Verdade, Memória, Justiça, Reparação e Democracia, afirma que os valores são muito pertinentes à pasta assumida por Almeida.

"Para que todas essas questões sejam realmente enfrentadas, elas precisam ser primeiramente reconhecidas. Então daí vem a ideia da verdade. A verdade sobre as violências, sobre as violações. Se a sociedade não se depara com o que aconteceu, não reconhece, há uma tendência muito forte de simplesmente negar que tenha acontecido e de continuar agindo e organizando a sociedade num sentido que não procure evitar que aquilo se repita. Esse é o grande mote da memória", explica.

De acordo com o jurista, para a melhora generalizada da sociedade é necessário um reconhecimento de erros. "Tem que olhar para tudo que foi feito de errado, tomar consciência disso e mudar para que não se repita. Se isso for feito, o futuro será mais promissor, independentemente das opções de futuro, que são várias em uma sociedade plural. E essas opções todas tem que ser respeitadas, desde que se respeite o básico, que é a humanidade e a pluralidade de todos."

Reconhecer e estabelecer os perpetradores atuais da liberdade de todos foi outro ponto comemorado pelo especialista. "Imagino que o ministro queira trabalhar essa questão de forma coesa, unificada, envolvendo não só a questão da ditadura civil militar, mas toda a história do Brasil, que é permeada por vários tipos de violações que não foram devidamente enfrentadas", aponta. "Enquanto o país não lidar com as suas injustiças históricas e com seu legado de violência, que é fruto dessas injustiças históricas, nós não vamos conseguir avançar de fato."

Por fim, ele também comemorou a escolha de Nilmário Miranda para a Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade, mas revelou sua preocupação inicial. "O que me preocupa um pouco é perceber que não há uma estrutura ainda. Pelo menos, eu não percebi isso até aqui. Claro, ainda está muito no início, mas é preciso avançar para que esses ideais, essas intenções manifestadas pelo ministro possam de fato ser alcançadas. A Comissão de Anistia, por exemplo, precisa ter uma estrutura visível dentro do órgão e tem que retornar", finaliza.

Representatividade nos espaços de poder

A composição do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania também foi enxergada como fonte de esperança. De Silvio Almeida aos escolhidos para as secretarias especiais, o entendimento generalizado é de que questões historicamente reivindicadas terão mais voz nesta nova fase.

"É importante garantir a diversidade dentro do espaço de poder. E mais do que garantir a diversidade, ter pessoas negras e mulheres em determinados espaços é garantir essas pessoas em um espaço de mando", pondera Cristiana Luz, coordenadora do Movimento Negro Unificado no DF. "É o ministério que tem maior número de negros no primeiro e no segundo escalões, que tem a maior quantidade de mulheres negras na gestão."

Cristiana vai além e acredita que a população negra do país precisa adentrar discussões que ultrapassem a racial, tendo em vista a expressiva proporção da população negra no país. "A gente entende que a pauta racial precisa ser central em todos os ministérios. E, para que isso aconteça, não adianta ter só um ministério. É preciso ter pessoas capacitadas em outros lugares. Temos pessoas negras com toda a capacidade para estar na economia, no planejamento, na política de assistência social, de saúde, para dialogar políticas com outros grupos."

Comemoração

Ocupar espaços com aqueles que vivem as questões e dificuldades debatidas foi motivo de comemoração para diversos setores da sociedade. "Eu vejo que o novo ministro buscou na escolha de seus secretários não apenas conhecimento técnico, mas também representatividade para assumir o cargo", opina Bruno Braz. "Nada melhor do que colocar uma pessoa com deficiência para assumir a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, como foi a escolha da Anna Paula Feminella, que além de ser PCD, já atua nessa área durante anos. Da mesma forma com Sammy Larrat na Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA ."

"Vemos com grande otimismo a nomeação para a Secretaria Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes do Dr. Ariel de Castro Alves, que é um histórico militante dos direitos das crianças e adolescentes", comemora Renato Godoy.

Para a população negra, a escolha de Silvio Almeida e as sinalizações que o ministro deu em discurso de uma ação cooperativa com áreas como economia e segurança pública, além de atenção à redução de desigualdades socioeconômicas, são algumas das razões para otimismo.

"Nos últimos anos, mesmo com todos os avanços das políticas sociais e públicas, não houve uma diminuição da desigualdade racial. E quando eu quero dizer desigualdade racial é isso: quais são os grupos que não estão acessando as políticas públicas? Quais são os grupos que não estão tendo seus direitos garantidos? Quem é que está morrendo pela mão do estado?", questiona Cristiana Luz. "Queremos participar, ser protagonistas. Como pensar na diminuição da desigualdade racial e social, tendo em mente que a maior parte da população é negra, sem a participação da população negra?"

A coordenadora do Movimento Negro Unificado reconhece que é preciso, além de mais de uma pasta que pense nos direitos humanos, orçamento capaz de promover políticas para melhorar a vida da população e garantir direitos. "É prioritário ter orçamento para esses ministérios, porque não basta só ter um ministério, colocar o nome", observa Cristiana Luz.