Nos últimos trinta anos, a trajetória de Pedro Emiliano Garcia, 61 anos, se confunde com o caminho que levou à catástrofe humanitária que atinge hoje os Yanomami. Em julho de 1993, ele liderou um grupo de 20 garimpeiros ilegais que mataram ao menos 16 indígenas - três adolescentes, dois idosos, quatro crianças e um bebê, esfaqueado, entre eles -, no que ficou conhecido como o Massacre de Haximu.
Três anos depois, ele e quatro comparsas foram condenados por genocídio. Ao lado de outra chacina, a da Boca do Capacete, no Amazonas, contra os Tikunas, em 1988, são os dois primeiros casos julgados por esse tipo de crime no Brasil.
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Hoje, com uma tornozeleira eletrônica, Pedro Prancheta (como é chamado), aguarda em liberdade uma decisão da Justiça que pode levá-lo novamente para a cadeia, desta vez por até oito anos. Ele é acusado de chefiar um garimpo ilegal em terras Yanomami e de fornecer o auxílio logístico às operações. Em julho de 2020, 27 anos após o massacre, foi preso com dois quilos de ouro em sua casa, em Boa Vista.
Assim como na década de 1990, em 2020, quando Prancheta foi preso, o Território Indígena Yanomami sofria as consequências agudas da presença de mais de 20 mil garimpeiros ilegais em suas terras. Uma situação de total descontrole que culminou com centenas de mortes e no resgate de outras centenas por equipes do Ministério da Saúde em condições críticas de saúde e fome.
Emergência
Desde o dia 20 deste mês, foi decretado estado de emergência e a Polícia Federal passou a investigar as causas desse desastre humanitário que, segundo juristas ouvidos pelo Estadão, pode ser classificada como genocídio e levar à responsabilização de autoridades da Funai, Ministério da Saúde e, em última instância, do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Nas redes sociais, Bolsonaro disse que a emergência na saúde Yanomami é uma "farsa da esquerda" e que a saúde indígena foi uma das prioridades da sua gestão.
"Já alertamos há muitos anos sobre essa crise humanitária e de saúde", afirmou a liderança Yanomami Dário Kopenawa, segundo quem o governo federal na gestão Bolsonaro abandonou a população indígena.
Investigação
Para o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, que conduziu o caso da Boca do Capacete e participou das investigações de Haximu, a crise humanitária atual mostra que em trinta anos pouco foi feito para evitar que a população indígena ficasse refém dos garimpeiros da ausência do Estado. "Não é uma questão de ontem, vem dos anos 90, 2000, 2010. Pouco aconteceu para que as mesmas situações se repitam", afirma.
A chacina de quase trinta anos atrás teve origem no contato entre indígenas e garimpeiros que ao chegar no território passaram a levar presentes como comida e roupas. Na manhã de 23 de julho, o grupo de garimpeiros liderado por Prancheta invadiu a aldeia e matou a tiros e golpes de facão ao menos 16 Yanomami. Apesar de o número de mortos nunca ter ficado claro, estimativas da época indicavam que até 70 indígenas podem ter sido mortos, a maioria mulheres e crianças.
"Se hoje, após a decisão do STF (que ratificou a condenação), as pessoas se tornaram mais conscientes das circunstâncias (de um crime de genocídio), quando fizemos a denúncia em 1993 colegas do Ministério Público perguntavam: 'Genocídio, como pode uma coisa dessas?'", afirma o jurista e ex-vice procurador-geral da República Luciano Mariz Maia. "Foi preciso fazer um trabalho delicado de apresentação das informações."
A diferença hoje é que a possibilidade de a crise humanitária dos Yanomami ser considerada um genocídio tem como agente de supostos crime não os garimpeiros (que incorrem em outras práticas), mas o próprio Estado brasileiro e seus representantes.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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