Saúde pública

Em quatro anos, mortes por malária em indígenas mais do que dobraram

Dados obtidos pelo Correio mostram um avanço da doença em indígenas. Esta semana, o governo decretou situação de emergência nas terras ianomâmis

Thays Martins
postado em 26/01/2023 19:22 / atualizado em 26/01/2023 19:22
 (crédito:  sumaum/Divulgação)
(crédito: sumaum/Divulgação)

Ao longo dos quatro anos da gestão de Jair Bolsonaro (PL), as mortes de indígenas provocadas pela malária mais do que dobraram em todo o país. É o que mostram dados obtidos pelo Correio Braziliense por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). De acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculado ao Ministério da Saúde, foram registradas 41 mortes entre 2019 e 2022 provocadas pela malária. Só em 2020, foram 15. Entre 2013 e 2018, os seis anos anteriores ao início do governo Bolsonaro, foram registradas 21 mortes pela doença. Até então, o ano com mais óbitos pela malária tinha sido 2018, com seis indígenas mortos.

Nesta semana, o Ministério da Saúde revelou que só em 2022, pelo menos 99 crianças entre um e quatros anos do povo ianomâmi morreram devido ao avanço do garimpo ilegal na região. As causas da mortes variam entre desnutrição, malária e pneumonia. Segundo os dados obtidos pelo Correio, a desnutrição matou 345 indígenas em quatro anos, quase 100 a mais do que nos quatro anos anteriores. Em 2021, foram 107 mortes entre indígenas — só pela desnutrição.

Os dados fizeram com que o Ministério da Saúde decretasse situação de emergência na saúde pública em território ianomâmi. A Terra Indígena fica entre Roraima e Amazonas e é a maior do país. A região é alvo constante de garimpo ilegal. De acordo com o professor Nelcioney Souza Araújo, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), duas palavras resumem a situação: “descaso governamental e conivência".

Ele lembra que representantes dos ianomâmis enviaram vários ofícios ao governo relatando o que estava acontecendo, mas nada foi feito. Segundo levantamento do The Intercept Brasil, ao menos 21 pedidos de ajuda a povos ianomâmis foram ignorados pelo governo federal. “O garimpo está sem controle na T.I (Terra Indígena) Yanomami. Mais de 30 mil garimpeiros estão na área. O que ocasiona doenças e mortes para estes indígenas, pois as fontes de seus recursos alimentares vem dos rios e das florestas e isso, o garimpo está destruindo. Todas as autoridades sabiam dessa realidade e não agiram. Descaso”, afirma o professor.

Segundo ele, se o governo não decretasse situação de emergência agora haveria um “extermínio em massas desses indígenas”. “As principais ações devem ser centradas no fechamento dos garimpos e no monitoramento da TI. E, mais importante, punição para as autoridades que foram coniventes com essa tragédia”, enfatiza.

Malária: um grave problema

Um estudo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Fiocruz apontou que oito em cada dez crianças com menos de cinco anos têm desnutrição crônica dentro da Terra Indígena Yanomami. Nesta terça-feira (24/1), a Secretaria Municipal de Saúde de Boa Vista divulgou a informação que 47 crianças ianomâmis estão internadas no Hospital da Criança da cidade. As principais doenças responsáveis pelas internações são diarreia, doença gastrointestinal aguda, desnutrição grave, pneumonia, malária e acidentes com cobras.

A malária é transmitida ao ser humano, na maioria das vezes, pelo mosquito do gênero Anopheles Infectados. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, 99% dos casos de transmissão da doença se concentraram na Região Amazônica, considerada uma área endêmica no país.

A situação tem se agravado devido ao crescimento do garimpo ilegal na região. O desmatamento ajuda o mosquito a se proliferar mais. Dados do Mapbiomas indicam que o garimpo ilegal em terras indígenas aumentou 632% de 2010 a 2021. A estimativa é que hoje tenha em torno de 20 mil garimpeiros na terra indígena que tem cerca de 28 mil indígenas. 

Na segunda-feira passada, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) revogou uma medida da gestão Bolsonaro que liberava a extração de madeira em terras indígenas, inclusive por não indígenas. A medida tinha sido publicada em dezembro do ano passado e tinha sido muito criticada por entidades ambientais.

Em nota divulgada nesta segunda-feira (23/1), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma que os impactos do garimpo ilegal na saúde do povo ianômami foi denunciada diversas vezes. “Não é uma situação revelada agora; foi denunciada inúmeras vezes por organizações indígenas e aliados. Entre novembro de 2018 e dezembro de 2022, houve até seis decisões judiciais, nas diversas instâncias do Poder Judiciário, condenando ao Estado a tomar as medidas urgentes necessárias”, diz o texto.

Já o xamã e liderança yanomami Davi Kopenawa afirmou no sábado (21/1) que as medidas tomadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram “o socorro” que os ianomâmis pediam. “Foi o socorro que nós pedimos e que ele nos prometeu. Ele já havia me falado que me ajudaria a salvar meu povo", disse o presidente da Hutukara Associação Yanomami ao ISA.

O Correio tenta contato com o ex-presidente Jair Bolsonaro para tratar sobre o tema. O espaço segue aberto para manifestações. 

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