Entrevista | ubiratan cazetta | procurador da república

Presidente da ANPR diz que é preciso investigar negligência com indígenas

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, governo Bolsonaro promoveu o descaso com a política indigenista. Resultado: a fome e o abandono a que os ianomâmis foram submetidos

Marcos Braz*
postado em 25/01/2023 03:55
 (crédito: Mariana Lins/CB/D.A. Press )
(crédito: Mariana Lins/CB/D.A. Press )

Para o procurador regional da República e presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, o governo Bolsonaro institucionalizou o "descaso com a política indigenista", cujo resultado se vê com a fome e o abandono a que os ianomâmis estavam submetidos. Em entrevista ao CB.Poder — uma parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília —, afirmou que diversas instâncias criminais foram atingidas no episódio. "Você tem crimes ambientais, crimes contra a União e, certamente, sonegação fiscal. Então, você tem esta linha de investigação primeira da exploração ilegal", explicou. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O país está estarrecido com a situação dos ianomâmis. Dê um panorama da situação.

É um dos casos mais emblemáticos do descaso com a política indigenista no Brasil nos últimos anos. Tivemos uma situação clara de desmonte de toda a estrutura de saúde e de atenção. No caso dos ianomâmis, há um adicional: não faltou aviso. Não faltou informação à Funai, ao Ministério da Justiça e a todos os órgãos envolvidos do que ali ocorria. Tivemos atuações junto à Justiça Federal em primeiro grau, ao Tribunal Regional Federal da primeira região, junto ao Supremo (Tribunal Federal), sempre declarando que havia abandono na estrutura de saúde. Uma indicação muito precisa de que a presença de 20 mil pessoas fazendo exploração ilegal de minérios era um impacto importante, que levaria ao desequilíbrio ambiental, cultural e alimentar dessas pessoas. Podemos falar com clareza que houve descaso oficial que levou à morte de várias pessoas.

O desmonte da Funai contribuiu para isso?

Certamente. Impediu que as pessoas que tinham uma história de atuação com os ianomâmis e outros grupos fossem excluídas da área. A instituição passou por um período no qual a forma de gestão era a partir de processos disciplinares. Qualquer pessoa que fizesse alguma crítica à administração, recebia ameaças de instauração de processos e inquéritos.

Quais são os próximos passos?

Não estamos falando de pessoas que se lançam, ali, romanticamente, mas de uma mineração clandestina com investimentos altíssimos. Precisará de uma presença da força de segurança para não só cortar agora, mas evitar que as pessoas retornem. E como tem um investimento financeiro alto, e uma lucratividade alta a partir dessa exploração ilegal, a atuação dos financiadores, daqueles que adquirem o produto — toda essa cadeia de exploração precisa ser desmontada e responsabilizada. Isso é um processo que não se faz em um ou dois meses.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, sinalizou que há indícios de genocídio e determinou que a Polícia Federal abra um inquérito para apurar. O senhor consegue identificar quais crimes foram praticados na região?

Tem pelo menos três focos. Um: aqueles que estão lá estavam, estiveram e continuam fazendo essa exploração clandestina de minério. Tem um fluxo de pessoas, de minério extraído. Dois: crimes ambientais, contra a União. Tem sonegação fiscal, porque o ouro no Brasil deveria entrar no sistema financeiro, se tornar um ativo imobiliário. Mas tem uma terceira camada de investigação que não pode ser desprezada: as omissões dos agentes públicos. Tem que fazer a responsabilização de todos aqueles que deveriam ter agido e não agiram. Até que ponto a direção da Funai sabia e nada fez? Os relatos chegaram pelo caminho oficial, por ordens judiciais descumpridas. Isso tem que ser apurado.

*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi

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