Lisboa — O sistema de segurança de Portugal entrou em alerta. São cada vez mais evidentes os sinais de que brasileiros condenados no Brasil e fugitivos da Justiça estão se escondendo em território luso e que integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) já teriam montado bases do outro lado do Atlântico. Apenas entre a segunda quinzena de dezembro de 2022 e a primeira semana de janeiro deste ano, quatro criminosos, todos procurados pela Interpol, a polícia internacional, foram detidos em operações conjuntas entre a Polícia Judiciária e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Um recorde em período tão curto de tempo.
Os crimes pelos quais os brasileiros foram condenados vão de estupros de crianças a tráfico de drogas e de órgãos humanos. Não à toa, as autoridades portuguesas determinaram tolerância zero com os bandidos. Portugal vende a imagem de que é o sexto país mais seguro do mundo, e boa parte de sua economia gira em torno do turismo.
Qualquer sinal de insegurança pode afastar visitantes e derrubar as receitas que têm sido fundamentais para evitar uma recessão. A preocupação é tamanha, que todas as autoridades portuguesas procuradas pelo Correio preferiram se calar sobre o assunto. O certo, porém, é que Portugal corre para conter a criminalidade, que voltou a crescer, segundo estatísticas da Justiça, depois do tombo visto em 2020, auge da pandemia. Os números de 2022 ainda não estão fechados, mas quem vive nos grandes centros urbanos admite que a sensação de insegurança aumentou.
Especialista em imigração e direito internacional, o advogado Fábio Pimentel, do escritório Pimentel Aniceto Advogados, diz que, no caso das fugas de criminosos brasileiros para Portugal, o problema maior está na Justiça brasileira. Primeiro, ao não reter os passaportes dessas pessoas ainda durante o andamento do processo, depois, pela demora para incluir os nomes dos condenados no sistema da Interpol. "Por isso, é tão comum ver o desaparecimento de criminosos logo após a divulgação das sentenças. Eles têm tempo para executar as fugas", explica.
Trânsito livre
Foi o caso de Vítor Cabral Rocha, 28 anos, detido em 4 de janeiro. Ele deixou o Brasil em 2018, logo após a Justiça condená-lo a 20 anos de prisão. O pernambucano integrava uma quadrilha de tráfico de drogas, que matou Arnaldo César Nascimento da Silva, em Recife, no que seria um acerto de contas. O corpo da vítima foi jogado em um rio e encontrado três dias depois. O assassino estava vivendo tranquilamente, desde então, na casa da namorada, em Peniche. Ele chegou a trabalhar como salva-vidas no Algarve, uma das regiões mais caras do país europeu. Só entrou nas estatísticas das autoridades portuguesas depois que o nome dele foi inserido nos registos da Interpol.
Do lado de Portugal, afirma Pimentel, há facilidades para a entrada de estrangeiros no país e, mesmo que as pessoas estejam vivendo ilegalmente em terras lusitanas, não são deportadas facilmente. "Em relação aos Estados Unidos, a legislação portuguesa para imigrantes ilegais é mais branda. Tem ainda o fato de os fugitivos entrarem por um país da União Europeia e transitarem livremente de carro por outras nações do bloco, dificultando a captura", assinala. "Mas as prisões recentes de brasileiros mostram que as autoridades portuguesas da área de segurança estão agindo em cooperação internacional", acrescenta.
Condenado a 13 anos e seis meses de prisão por feminicídio em Governador Valadares, Minas Gerais, em 2009, um brasileiro de 34 anos, cujo nome é mantido em sigilo, foi preso em 6 de janeiro ao tentar se aproveitar das facilidades dadas aos estrangeiros pelo governo português. Ele procurou o SEF para regularizar sua situação no país. Ao cruzar as informações com os arquivos da Interpol, o órgão descobriu o passado criminoso. Foi montada, então, uma operação de captura. O assassino será extraditado em breve para o Brasil.
"Quando os sistemas de Justiça agem com rapidez, a possibilidade de criminosos ficarem impunes é muito menor. Brasil e Portugal foram aprimorando os acordos para detenção e extradição de condenados. O primeiro foi assinado em 1994. Outro, em 2006, bem mais amplo", detalha o advogado. Isso facilitou que uma mineira de 42 anos, condenada a seis anos de prisão por tortura de menores e presa em outubro do ano passado, tivesse a extradição aprovada pela Justiça portuguesa. O mesmo ocorrerá com um cearense de 40 anos, preso em dezembro por estupro de vulneráveis.
Esconderijo
Apontado pela Polícia Judiciária como um dos braços em Portugal do PCC, uma das maiores organizações criminosas do Brasil, o traficante Dilermando Lisboa Melo foi condenado no país europeu a 10 anos e meio de prisão, pena que acabou reduzida para oito anos. Ele foi pego com dois comparsas em Setúbal, com duas toneladas de cocaína espalhadas em cargas de açaí. O objetivo era distribuir a droga pela Europa. O advogado dele, Carlos Melo Alves, do escritório Melo Alves Advogados, diz que não tem como confirmar a ligação do cliente com a organização criminosa. "Não cabe a mim isso. A acusação é da polícia portuguesa", destaca.
O advogado ressalta que ainda não foi pedida a extradição do criminoso para o Brasil. "Não houve nenhuma manifestação nesse sentido", reforça ele, que representa outros brasileiros presos em Portugal também por tráfico de drogas e por diferentes delitos. Melo Alves afirma não ver com surpresa o fato de fugitivos da Justiça do Brasil estarem se escondendo em Portugal. "Isso sempre aconteceu. Não são só brasileiros. Mas os acordos internacionais estão funcionando de forma mais eficiente. Tempos atrás, era impossível pensar na prisão e na extradição dessas pessoas", emenda.
As acusações da Polícia Judiciária de que Dilermando tem conexões com o PCC estão fundamentadas. Antes da prisão dele, em julho do ano passado, o sistema de segurança encarcerou o português Ruben Oliveira, o Xuxas, 39 anos, braço-direito do brasileiro major Sérgio Carvalho, denominado o "Escobar brasileiro", também preso. Em dezembro passado, foi a vez de o brasileiro Leonardo Serro dos Santos, que tem nacionalidade portuguesa, ser preso nos Emirados Árabes Unidos sob a suspeita de fazer parte do PCC.
O traficante estava morando em Cascais, um dos locais mais caros de Portugal, onde os ricaços brasileiros se instalaram. Para tentar dar uma fachada de legalidade, Leonardo abriu duas empresas no país. Sem qualquer atividade comprovada, as firmas seriam usadas para lavagem de dinheiro, no entender dos investigadores. Não se sabe ainda se o brasileiro será extraditado para o Brasil ou para Portugal. Os países árabes não costumam ter acordos nesse sentido. E são rigorosíssimos com traficantes de drogas.
Diante de todas essas prisões, o advogado Fábio Pimentel alerta para o risco de se disseminar uma xenofobia em relação à comunidade brasileira que vive em Portugal. São mais de 252 mil pessoas registradas oficialmente no país europeu. "É preciso ter muito cuidado para não criminalizar a comunidade brasileira", enfatiza. "Delinquência existe em qualquer lugar. O importante é que os responsáveis por levar criminosos para a prisão estão agindo com eficiência, como mostram as recentes detenções de fugitivos da Justiça", conclui.
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