ATOS GOLPISTAS

"Comando ausente para prover segurança", diz secretário de segurança do MJ

Integrante da cúpula do Ministério da Justiça afirma que Anderson Torres desarticulou a Polícia Militar do DF dias antes dos ataques. E avisa: "Não é bom negócio atentar contra a democracia brasileira, porque tem consequências graves"

Denise Rothenburg
Marcos Braz*
postado em 13/01/2023 03:30
 (crédito:  Carlos Vieira/CB/D.A Press)
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

O secretário executivo de Segurança Pública do Ministério da Justiça (MJ), Tadeu Alencar, vê os atos terroristas que culminaram na depredação do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto como resultado da desarticulação da segurança pública promovida pelo ex-secretário do GDF Anderson Torres, que "promoveu uma desarticulação" da Secretaria de Segurança Pública ao trocar o comando da equipe de inteligência e de operações especiais logo após assumir o cargo, no dia 2.

Entre os exonerados estavam integrantes do grupo que vinha monitorando atos e manifestações golpistas. Em entrevista ao CB.Poder — parceria da TV Brasília com o Correio —, disse que as forças "funcionam de acordo com o comando que recebem ou não recebem". O secretário conversou com a jornalista Denise Rothenburg sobre o que aconteceu, o que está sendo feito e como evitar que novos atentados à democracia sejam deflagrados.

Ele analisou a diferença entre os esquemas de segurança do dia da invasão e da posse do presidente Lula (PT), em 1º de janeiro. "Basta mostrar todo o aparato, protocolo, planejamento de segurança que funcionou na posse do presidente Lula: foi a mesma polícia, os mesmos órgão de segurança que funcionaram ou não funcionaram no dia 8 de janeiro. As instituições eram as mesmas, mas com um comando diferente."

A violência envolvida no ataque ao prédio do Supremo Tribunal Federal chamou a atenção de Tadeu Alencar. "Chocou todo o mundo civilizado, o mundo democrático, que viu nessa tentativa de destruição das instituições de Estado uma selvageria, em especial, na Suprema Corte", disse. Ele acredita que a ação golpista reforçou a importância de o país ter as instituições funcionando, "principalmente aquelas encarregadas de prover a segurança pública".

Os atos foram classificados por Alencar como uma "clara tentativa de golpe de Estado". "Você vê claramente a tentativa de afastar o funcionamento das instituições democráticas. Felizmente, elas se fortaleceram nesse episódio."

O secretário executivo do MJ não acredita na presença de infiltrados nos atos. "Foi um ato pensado, não foi uma adesão espontânea. Foi algo premeditado. Em meia hora, eles conseguiram entrar nos três palácios, o que mostra que foi algo feito por profissionais e preparado de maneira muito planejada", disse.

Qual a garantia que os atos de violência do último domingo não se repetirão?

É muito importante entender que o que nós vivenciamos no domingo é uma coisa que chocou a sociedade brasileira inteira, chocou todo o mundo civilizado. O mundo democrático viu nessa tentativa de destruição das instituições do Estado, das instituições republicanas, uma selvageria, em especial, na Suprema Corte brasileira, que é a encarregada de zelar pela autoridade da Constituição. De fato, foi algo que mostra claramente a importância de ter as instituições funcionando, principalmente aquelas que são encarregadas de prover segurança pública.

É muito importante deixar claro que a atribuição de prover a segurança pública no Distrito Federal é das autoridades de segurança pública do Distrito Federal. As instituições têm todo um regramento, disciplina, pautados pelo princípio da hierarquia, e elas funcionam de acordo com o comando que recebem ou que não recebem. Basta mostrar que todo o aparato, protocolo, planejamento de segurança que funcionou no dia 1º de janeiro, na posse do presidente Lula, foi com a mesma polícia, os mesmos órgãos de segurança que não funcionaram no dia 8 de janeiro, dada selvageria a que as instituições de Estado foram vítimas. Exatamente para mostrar que as instituições são as mesmas, mas o comando era diferente.

Qual foi a consequência?

Isso fez toda a diferença, porque estava ausente um comando para prover essa segurança. Nós assistimos a uma vulnerabilidade dessas instituições, com um grau de agressividade, de tentativa de golpe de Estado. Na verdade, você vê claramente a intenção de afastar o funcionamento das instituições democráticas e, felizmente, elas se fortaleceram nesse episódio.

A diferença foi Anderson Torres, que não estava no país, e, agora, Ricardo Cappelli?

Ele (Torres) sequer estava ainda na fruição do seu período de férias, que começava no dia 9. Ele assume a secretaria em 2 de janeiro e, imediatamente, adota atos de substituição das principais peças dos órgãos de segurança do Distrito Federal e viaja, ou seja, ele promoveu ali uma desarticulação. Uma diferença importante que é preciso destacar é que foram as mesmas forças, ou seja, a instituição Polícia Militar, e as outras instituições de segurança não devem se sentir atingidas pela crítica de que o Brasil inteiro faz e que a intervenção (decretada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes) promoveu.

Essa é uma responsabilidade dos comandos, que deveriam ter atuado e, de forma negligente, gravemente negligente, eu diria até criminosamente, não agiram para evitar que fatos dessa extensão destruidora acontecessem. O governo federal — a intervenção vai até o 31 de janeiro — está alerta.

O senhor acha que a intervenção deve ser prorrogada

Naturalmente, é uma apreciação a ser feita pelo presidente da República. O ato de intervenção é um decreto presidencial. Essa avaliação deve ser feita dia a dia, porque nos cabe, a cada momento, ter essa essa reflexão sobre quais dobramentos devemos ter na intervenção e no futuro.

Acredita na possibilidade de uma federalização da PM do Distrito Federal?

Eu acho que isso não está em debate neste momento. Nós precisamos respeitar as opiniões, as mais variadas, no momento que causa a comoção que esse episódio causou. Neste momento, estamos focados em normalizar a vida no Distrito Federal e no país. A nossa tentativa não é de alterar o funcionamento das coisas que estão seguindo o seu caminho, mas de corrigir, como eu acho que foi corrigido pela intervenção, pelas decisões do Supremo Tribunal Federal, do ministro Alexandre de Moraes, que tem sido de uma coragem cívica exemplar, porque ninguém pode pensar que promover esse ato de grande agressão às instituições de Estado não terá consequência.

Por que a Força Nacional não agiu no domingo?

O que diz respeito à Força Nacional afeta diretamente a Secretaria Nacional de Segurança Pública. Nós temos um decreto presidencial que organiza a atuação da força. Ela não tem corpo próprio, depende de contingentes que são encaminhados pelos estados federativos para compor a Força Nacional.

Naquele momento, uma semana depois da posse do presidente, nós tínhamos ali 160 profissionais, e esses foram empregados integralmente. Evidentemente, com a proporção que esse movimento tomou, 120, 150 homens eram absolutamente insuficientes para fazer um adequado enfrentamento, porque o papel da Força Nacional — é importante que fique estabelecido — tem caráter suplementar. A primeira linha de prover a segurança pública é atribuição do Distrito Federal, a Força Nacional entra com a atuação suplementar.

Houve infiltrados ou não houve?

Quando a gente olha várias pesquisas que foram feitas de domingo até quarta-feira, todas elas detectam uma grande desaprovação da sociedade brasileira ao que aconteceu, da ordem de 90%. Isso mostra que, para a compreensão do cidadão comum, do cidadão médio, inclusive aquele que votou em Bolsonaro, está evidente que tudo isso aconteceu em razão de uma pregação continuada do ex-presidente da República de desacreditar as instituições.

Basta lembrar o 7 de Setembro de 2021, quando ele se dirigiu ao ministro da Suprema Corte naqueles termos que eu não tenho nem coragem de repetir aqui. Houve nos atos preparatórios, nos grupos de WhatsApp — pelo que a imprensa noticiou —, nos acampamentos, alguns (manifestantes) até apontando armas pesadas, dizendo que o presidente eleito não subiria a rampa, o que mostra que foi um ato pensado, não foi coisa de uma adesão espontânea. Em meia hora, eles conseguiram entrar nos três palácios, o que mostra que foi algo feito por profissionais e preparado de maneira muito planejada e muito profissionalizada.

Como estão as pessoas que foram presas? Quantas são? Quantas ainda restam? O senhor tem esses dados?

Eu tenho uma parte desses dados. Antes de falar dos dados, é importante dizer que o governo que atuou no Brasil por quatro anos e os seus fanáticos têm uma atuação mistificadora da opinião pública. Eles tentaram exatamente subverter a atuação dos órgãos que tinham o dever de agir com rigor com que agiram exatamente pra ninguém imaginar que pode atentar contra as instituições republicanas sem nenhuma consequência.

(Os presos) foram transferidos para Academia de Polícia Federal, foram recebidos lá com aparelho de Estado cumprindo o seu papel, fotografando, tomando os depoimentos, porque nós precisamos chegar nessa cadeia de responsabilidade de quem executou, de quem planejou, de quem financiou e de quem está na raiz dessa atuação criminosa. Tem 1.159 pessoas presas.

Deve estar hoje menor por conta de audiências de custódia que estão sendo realizadas. Com relação às condições em que essas pessoas foram ouvidas, elas têm um relatório, que me parece de absoluta isenção, feito pela Procuradoria-Geral da República. Seis procuradores foram fazer uma visita e atestaram a absoluta regularidade das condições em que essas pessoas estavam sendo ouvidas.

O senhor vislumbra alguma responsabilidade de Jair Bolsonaro?

Acho que, do ponto de vista político, é evidente essa responsabilização, porque ele sempre estimulou esse desafio aos Poderes da República. Sempre agiu dessa forma com relação à Justiça Eleitoral, com relação ao Supremo Tribunal Federal. Ainda esta semana, ele disse que o presidente Lula foi escolhido pelo TSE e pelo Supremo, que não houve eleições limpas.

Depois, apagou, porque Bolsonaro é isso, não é? Ele foge, ele apaga as manifestações. Mas, sobre essa responsabilização do ponto de vista jurídico, neste momento, acho que não há elementos ainda. Como as investigações estão só começando, é possível que, nessa cadeia de responsabilização, podem surgir provas objetivas que levem à responsabilização também jurídica do ex-presidente da República.

O senhor acha que nós estamos livres de atos de vandalismo e de terror no Brasil?

Nós não podemos relaxar enquanto agentes públicos que devem prover a tranquilidade e a segurança da população. A gente deve estar preparado de forma permanente porque o que vivenciamos nos obriga a isso. É como os Estados Unidos depois do 11 de Setembro. Vamos, obviamente, aperfeiçoar os mecanismos de atuação rápida do poder estatal. (Os golpistas) vão ver que não é um bom negócio atentar contra a democracia brasileira porque tem consequências. E consequências graves.

*Estagiário sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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