Rio de Janeiro - Com um peixe morto na mão, Júnior Pereira olha com tristeza para uma poça, onde costumava passar o rio Xingu, afluente do Amazonas, que secou por causa da gigantesca represa da hidrelétrica Belo Monte.
Pereira, um indígena Pupekuri, fala com pesar do impacto da hidrelétrica, a quarta maior do mundo, denunciada por moradores locais por destruir uma das regiões com maior biodiversidade do planeta e por forçá-los a abandonar seu modo de vida.
"Nossa cultura é viver do peixe e da água", diz Pereira, de 39 anos, usando um colar indígena tradicional e um boné vermelho.
Seu olhar se fixa na paisagem outrora alagada, transformada em um emaranhado de poças, onde os peixes ficam presos pelo desvio da vazão provocado pela usina de Belo Monte, no Pará, inaugurada em 2016.
"Nós perdemos totalmente a nossa cultura", afirma.
"Hoje mesmo, a gente é obrigado a comprar alimento na cidade".
"Como Deus deixou".
Ao longo de seus quase 2.000 km, a vazão do Xingu sobe e desce com a temporada de chuvas, criando amplos "igapós" ou selvas alagadas, que são cruciais para muitas espécies.
Também é vital para um número estimado em 25.000 indígenas, que vivem às suas margens.
Belo Monte desvia uma extensão de cerca de 100 km do Xingu, chamada Volta Grande, no município de Altamira, para abastecer a hidrelétrica com capacidade para produzir 11.233 megawatts, o que representa 6,2% da capacidade de geração elétrica total do Brasil.
Com construção estimada em 40 bilhões de reais, até 80% da vazão do rio é tomada por Belo Monte. Cientistas, ambientalistas e moradores denunciam o efeito catastrófico para este ecossistema único.
"A barragem quebrou o pulso de inundação. A montante [rio acima] do reservatório, essa região fica como se estivesse sempre na cheia, e a jusante [rio abaixo], fica como se estivesse sempre no período de seca", explica André Oliveira Sawakuchi, geocientista da Universidade de São Paulo.
Isso afeta as populações de peixes e tracajás, que dependem dos igapós para se alimentar e reproduzir, diz o especialista.
Sentado às margens das impressionantes cataratas do Jericoá, no Xingu, consideradas sagradas por seu povo, o líder indígena Giliarde Juruna descreve um choque de culturas.
"O progresso para nós é ter a natureza em pé, ter os animais, os rios da forma que Deus deixou", afirma Juruna, de 40 anos.
"O progresso para o homem branco é totalmente diferente porque ele acha que está fazendo um bem trazendo progresso, mas está destruindo a natureza, está causando um mal para ele mesmo", continua.
Lula sob a lupa
Belo Monte foi projetada nos anos 1970, mas só foi autorizada nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), que foi eleito em outubro para um terceiro mandato.
Com sua volta ao poder, em 1º de janeiro, os olhares voltam a se concentrar na polêmica usina.
É que muitos esperam que Lula cumpra sua promessa de fazer um trabalho melhor na proteção da Amazônia do que Jair Bolsonaro, cujo governo registrou recordes de desmatamento.
Apesar de ser defendida como uma fonte de energia limpa e motor de crescimento econômico, Belo Monte não cumpriu totalmente as expectativas.
De acordo com a companhia que opera a hidrelétrica, a Norte Energia, a usina produziu este ano uma média de 4.212 megawatts, menos da metade de sua capacidade.
E segundo um estudo recente publicado na revista Science Advances, as emissões de gases de efeito estufa triplicaram na região após a construção da barragem, principalmente devido ao metano liberado pela decomposição da floresta que jaz no fundo do reservatório.
Uma alternativa
Pesquisadores do grupo conservacionista Instituto Socioambiental (ISA), em colaboração com indígenas da etnia Juruna, decidiram em 2015 documentar o impacto e encontraram uma maneira de Belo Monte afetar menos a vazão do rio.
Denominado de plano "Piracema", em alusão ao período em que os peixes nadam rio acima para desovar, seus proponentes asseguram que exigiria apenas um ajuste relativamente pequeno ao uso atual da água por parte da represa para se adaptar às cheias e vazantes naturais do rio.
O Ibama decidirá em breve se a Norte Energia deverá adotar esse plano.
A empresa se recusou a comentar a proposta e informou em um comunicado enviado à AFP que "reconhece o hidrograma estabelecido no licenciamento ambiental da usina".
Para a bióloga Camila Ribas, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a decisão é crucial.
"Quando você altera completamente o ciclo de enchentes, as florestas vão morrer, com uma cadeia de impactos negativos que estão completamente interligados", afirma.
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