Pernambuco

Artista transforma papelão em obras de arte e mostra realidade das periferias

O contato do pernambucano Francisco Mesquita com as artes plásticas se deu como um "escape" para combater o princípio de uma depressão no início da pandemia

Samuel Calado
postado em 08/12/2022 16:26 / atualizado em 29/01/2023 14:50
 (crédito: Alana Mesquita / Cortesia )
(crédito: Alana Mesquita / Cortesia )

Folhas de papelão que teriam como destino o lixo ganham sentido e se transformam em obras de arte nas mãos do historiador Francisco Mesquita, 29 anos, que trocou as salas de aula para se dedicar à pintura. O artista plástico mora na comunidade do Alto do Monte, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife e tem se destacado por retratar a cor, a luta, as questões sociais e as vozes das periferias. Em fotos e vídeos publicados nas redes sociais, o artista compartilha o cotidiano no atelier improvisado na casa dos pais e surpreende com traços e cores vivas.

O atelier de Francisco Mesquita foi improvisado na casa dos pais dele, na comunidade do Alto do Monte, em Olinda.
O atelier de Francisco Mesquita foi improvisado na casa dos pais dele, na comunidade do Alto do Monte, em Olinda. (foto: Divulgação )

O contato de Francisco com a arte se deu como um “escape” para combater o princípio de uma depressão, desencadeada no início da pandemia. “Quando estourou a pandemia eu fui demitido e fiquei bem mal, com crise de ansiedade e início de depressão. Vi que precisava fazer algo para me sentir melhor e comecei a fazer retratos decalcados com grafite e pintura com café. Até então eu não tinha muita intimidade com a arte. Apesar de ser professor de história, eu nunca fui consumidor de artes plásticas e nem desenhava. Sabia o básico mas não aprofundava. De repente, me vi mergulhado e com fome de aprender mais. Isso me tornou vivo”.

Sem emprego e sem dinheiro no bolso, Francisco precisou alugar a casa que morava para voltar a viver com os pais. “As coisas começaram a apertar e eu precisei alugar para ter ao menos uma renda mensal. Me considero um privilegiado por ter uma casinha presenteada pelos meus pais. Eles me apoiaram e pediram para eu alugar a minha casa e me deram esse espaço para o atelier. Foi com esse apoio que eu comecei. Liso, porém empolgado”.

O papelão surgiu como uma alternativa viável diante dos altos custos com telas. ”Eu sentia vontade de ser um artista maior, mas não tinha muita grana para investir em material convencional como a tela. Vi o papelão como possibilidade. De início, tentei fazer molduras com ele, mas depois descobri que as folhas poderiam ser telas para mim. O que eu aprendi com o tempo foi a usar o que eu tinha. A gente entende isso desde criança e aprende a se reinventar. Eu entendo como uma razão de viver. Sem falar da questão da sustentabilidade. Sobre a questão da durabilidade, eu impermeabilizo ao máximo o material, usando até produtos antifúngicos”.


A realidade das periferias

O artista conta que suas telas não necessariamente trazem algo lúdico, mas aguçam no observador o olhar crítico e também político. “Elas mostram as mazelas, o trágico, o descaso e a violência que envolve a comunidade. É o que eu vivo. O sistema tem barreiras invisíveis que impedem a ascendência das minorias. Na comunidade tudo é mais intensificado. Se é um sofrimento para todos, nas comunidades os mais pobres sofrem muito mais”.

Francisco Mesquita começou a pintar para vencer o princípio de uma depressão.
Francisco Mesquita começou a pintar para vencer o princípio de uma depressão. (foto: Divulgação )

Outro ponto abordado nas obras de Francisco é a autoestima do povo preto e o combate à hipersexualização das pessoas pretas. “Primeiro eu costumo dizer que minhas maiores referências são mulheres. O corpo da mulher é o que mais recebe imposições, de padrões. Eu busco trabalhar muito essas questões. E no geral, é real a erotização da pele preta. Se eu postar uma foto no escuro sem camisa dizendo que vou morrer, alguém, ao invés de me acolher, vai me chamar de gostoso ou colocar um foguinho de emoji”.

 

Uma das maiores dificuldades de Francisco era precificar o trabalho produzido. “Foi bem difícil no começo. A gente tem dificuldade de cobrar por não perceber o valor do nosso esforço. Com o tempo eu fui pegando a coisa e fui ganhando. Hoje eu me considero artista plástico”. Nesse cenário, as redes sociais ajudaram Francisco a divulgar o trabalho. “É a nossa vitrine. No começo eu não tinha dinheiro nenhum para investir. As redes se mostraram como possibilidade viável para mostrar o meu trabalho. Hoje em dia eu consigo divulgar o meu trabalho e o conhecimento da minha arte”.

Projetos

Atualmente, o pernambucano desenvolve um projeto chamado “Retratos de afeto”, que seleciona pessoas da comunidade para serem retratadas em suas obras. Além disso, o artista tem se dedicado a produção de obras para compor uma exposição que irá falar sobre representatividade, empoderamento negro e questões sociais que permeiam as comunidades da Região Metropolitana do Recife. Ainda não há data definida para a divulgação do projeto. 

  • Francisco Mesquita utiliza papelão como tela para suas obras. Divulgação
  • Francisco Mesquita utiliza papelão como tela para suas obras. Divulgação
  • Francisco Mesquita utiliza papelão como tela para suas obras. Divulgação
  • Francisco Mesquita utiliza papelão como tela para suas obras. Divulgação
  • Francisco Mesquita utiliza papelão como tela para suas obras. Divulgação

 Reportagem: Samuel Calado

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