Legislação

Alienação parental: brechas na lei podem favorecer abusadores

Entidades questionam essas brechas e até mesmo a Organização das Nações Unidas entrou no debate

Um vídeo que viralizou na internet, e que foi compartilhado por famosos e influenciadores, reacendeu a discussão sobre a Lei de Alienação Parental (12.318/10) e as brechas no texto que podem ser usadas por pais ou mães mal-intencionados. Até mesmo a Organização das Nações Unidas (ONU) entrou no debate e fez um apelo para que a legislação seja alterada.

A gravação que abriu as discussões mostra o momento em que uma criança é buscada na escola para retornar à casa do pai, investigado por agressões sexuais contra a filha. A menina pede para não ser entregue ao homem, que acusa a mãe de induzi-la para que o rejeite — um caso clássico de alienação parental. Apesar de a psicóloga forense que analisou o caso ter confirmado os relatos, por meio de laudo, os abusos descritos pela criança, o juiz determinou que a guarda fosse dada ao pai por considerar a avaliação inconclusiva.

Para os peritos das Nações Unidas, a lei faz com que mães tenham medo de denunciar agressões sexuais contra os filhos. O problema, segundo a ONU, é que enquanto o processo criminal não é concluído e a agressão não é comprovada, o acusado pode manter contato e até ganhar a guarda da criança ou adolescente.

A lei que dispõe sobre alienação parental está em vigor desde 2010. Nos últimos anos, foram feitas diversas alterações no tema por conta das críticas de entidades da psicologia e de setores da sociedade civil. Apesar das mudanças, algumas entidades defendem a revogação total da lei.

No início deste mês, peritos em direitos humanos das Nações Unidas divulgaram um documento no qual afirmam que a lei permitiu que os pais acusados de violência doméstica e abusos contra os filhos "fizessem, com sucesso, falsas acusações contra as mães com as quais se encontrassem em disputas de custódia".

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) também solicitou à Câmara dos Deputados a revogação da lei. A entidade argumenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o dispositivo legal adequado para coibir abusos psicológicos. Por esse ponto de vista, a legislação sobre alienação parental seria dispensável.

Especialistas divergem

Na avaliação da advogada Renata Cysne, especialista em direito da família, revogar totalmente a lei seria uma atitude radical. Ela defende que a legislação é um instrumento que garante a convivência familiar. Em relação às brechas, a solução seria a capacitação e a ampliação dos profissionais que atuam nos processos.

"Deve haver, também, uma maior integração entre os processos que tramitam. Por exemplo: um juiz que julga um processo de alienação parental deve estar, de alguma forma, integrado ao juiz da vara de violência doméstica para aproveitar as provas e tomar uma decisão que evite que crianças e adolescentes sejam agredidas novamente", afirmou.

Já para a advogada especialista em direito da família Lara Roriz, a lei deveria, sim, ser revogada, pois o ECA dispõe de mecanismos legais para coibir o abuso psicológico contra menores. Ela aponta que, na prática, as normas sobre alienação parental podem ser usadas para devolver a criança a um possível agressor.

"Muitas vezes, a mulher observa que está sendo realizado um abuso e abre denúncia na Justiça criminal. Antes do inquérito ser concluído, o pai abre uma denúncia na vara da família, que é onde tramitam as questões sobre guarda — e essa denúncia acaba sendo aceita. A mulher, então, é acusada de alienação parental, podendo vir a perder até a guarda da criança. Ou seja, a criança fica a mercê do abusador", argumentou.

*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi 

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