Liderado pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, o Brasil participa da COP27, 27ª conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, com dados que apontam para pioras recordes no desmatamento, incêndios em áreas de floresta e emissão de gases poluentes. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva chegou na noite de segunda-feira a Sharm El-Sheikh, no Egito, para participar da cúpula do clima.
Paralelamente à participação do governo Bolsonaro, ele deve se reunir com autoridades de diferentes países e prometer uma guinada na política ambiental a partir de sua posse, em janeiro de 2023. Representantes de quase 200 nações se reúnem com o objetivo de discutir novos compromissos para garantir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C.
Na cúpula do ano passado, a COP26, o Brasil assinou um importante acordo sobre proteção de florestas, que estabelece como meta desmatamento zero no mundo até 2030. O documento prevê US$ 19,2 bilhões em recursos públicos e privados para ações ligadas à preservação das florestas, combate a incêndios, reflorestamento e proteção de territórios indígenas. O presidente Jair Bolsonaro não compareceu e as negociações avançaram com a participação de diplomatas do Itamaraty.
Mas os indicadores mostram o Brasil na contramão das promessas e compromissos de controle de emissões de CO2. A BBC News Brasil reuniu em três gráficos os dados que mostram como desmatamento, incêndios e emissões de gás carbônico aumentaram durante o governo Bolsonaro.
Para cumprir a própria promessa de desmatamento zero na Amazônia e os compromissos que o Brasil vem assumindo nas cúpulas do clima, Lula terá que agir rápido e empreender mudanças drásticas já em janeiro de 2023, quando toma posse.
Maior desmatamento na Amazônia em 15 anos
Em 2021, terceiro ano de governo Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia alcançou o maior patamar em 15 anos, desde 2006. Desde o início de seu mandato, em 2019, que a destruição da floresta vem aumentando ano a ano.
Em 2021, houve uma alta de 21,97% em relação a 2020, com um desmatamento de 13.235 km² de vegetação. Para efeito de comparação, a taxa média nos dez anos anteriores era de 6.493,8 km².
A taxa oficial de desmatamento em 2022 ainda não foi divulgada, mas área sob alertas de desmatamento na Amazônia em outubro atingiu 904 km², recorde para o mês na série histórica iniciada em 2015 com o sistema Deter-B, do Inpe.
A alta é de 3% em relação ao mesmo mês de 2021. No acumulado do ano, o aumento na destruição em 2022 chega a 44,65% na comparação com o ano passado. De 2004 a 2012, após a implementação, durante o governo Lula, de um plano agressivo de combate ao desmatamento iniciado na gestão da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o desmatamento na Amazônia caiu cerca de 80%.
Na gestão de Dilma Rousseff, em 2012, as taxas voltaram a subir e oscilaram para cima e para baixo até 2018. Ao retornar ao Planalto, em janeiro, Lula terá, segundo ambientalistas, dificuldade para reverter ainda em 2023 a tendência de alta.
Na COP26, realizada em 2021, em Glasgow, na Escócia, o governo brasileiro anunciou que antecipará a meta de zerar o desmatamento ilegal de 2030 para 2028, e prometeu alcançar uma redução de 50% até 2027. A ideia, conforme anúncio do governo brasileiro, era de que houvesse uma diminuição gradual da destruição da floresta em 15% ao ano entre 2022 e 2024, subindo para 40% de redução em 2025 e 2026, até alcançar desmatamento zero em 2028.
Mas os indicadores revelam que dificilmente haverá redução de 15% no desmatamento em 2022, como prometido pelo governo Bolsonaro. Já Lula vem prometendo zerar o desmatamento na Amazônia, tanto o legal quanto o ilegal. Mas ele não apresentou prazos nem as medidas que vai adotar para garantir isso.
Diante do que chamam de desmonte dos órgãos de controle ambiental, como o Ibama, ambientalistas apontam que pode levar tempo para o presidente eleito reverter a tendência de alta.
Quando Lula assumiu seu primeiro mandato em 2003, a taxa de desmatamento do ano anterior havia alcançado 25.396 km² . Nos seus dois primeiros anos de mandato, o desmatamento chegou a subir mais, alcançando 25,3 mil km² em 2003 e 27,7 mil km², em 2004.
Ou seja, a política ambiental que implementou com Marina Silvia no Ministério do Meio Ambiente só começou a surtir efeito após dois anos. A partir de 2005, porém, houve queda acentuada nesses índices. Foram 19 mil km² naquele ano, seguidos de 14,2 mil (2006), 11,6 mil (2007), 12,9 mil (2008), 7,4 mil (2009) e 7 mil (2010).
A Amazônia tem importância crucial para o sucesso ou fracasso da meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento global em 1,5°C. Um aquecimento maior do que esse tornaria diversas áreas do planeta inabitáveis, contribuiria para eventos climáticos extremos, significaria a extinção de espécies e ameaçaria o fornecimento de alimentos no mundo, segundo cientistas.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, explica que algumas áreas de alta absorção de carbono da atmosfera, como a Amazônia e as geleiras do Ártico, podem derrubar por si só as metas de controle climático, se deixarem de existir ou sofrerem muita degradação.
A floresta Amazônica ajuda a equilibrar o clima do planeta, ao capturar e estocar quantidades enormes de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases do efeito estufa. Quando árvores são derrubadas, parte desses gases são liberados para a atmosfera e novas absorções deixam de ocorrer.
Também é da Amazônia que vêm 70% das chuvas que irrigam as áreas agricultáveis do Centro Oeste, Sul e Sudeste do Brasil, destaca Astrini.
"Existem hotspots (focos de interesse) de emissões no planeta que, se acionados, colocam a perder a meta de 1,5°C. São os oceanos, a Groenlândia, o Ártico e a Amazônia", diz o secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que reúne 77 institutos de pesquisas e ONGs ambientalistas.
"A Amazônia estoca o equivalente a cinco anos das emissões globais. Junta todo o carbono de cinco anos de emissões do mundo, isso está estocado na Amazônia em forma de árvore e no solo. Se a gente perde a floresta, a gente perde a corrida pela manutenção do clima."
Emissões de gases poluentes cresceram
O Brasil também chega à COP27 com o maior volume de emissões de gases poluentes em 15 anos. Em 2021, o país emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2, uma alta de 12,2% em relação a 2020, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.
É a pior taxa desde 2005, quando a emissão de CO2 alcançou o patamar de 2,64 bilhões de toneladas. De 2006 a 2011, houve redução na taxa ano a ano. Em 2012, a ela voltou a subir e passou a oscilar para cima e para baixo até 2018. De 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, até agora, as emissões voltaram a subir a cada ano.
Mesmo durante a pandemia de covid-19 em 2020, quando a média global de emissões caiu cerca de 7%, o Brasil viu a taxa aumentar em 9,5% em relação a 2019.
O governo Bolsonaro oficializou no ano passado, durante a COP26, em Glasgow, a meta de alcançar em 2050 a chamada neutralidade de carbono - quando as emissões de CO2 são reduzidas ao máximo e as restantes são inteiramente compensadas com reflorestamento ou tecnologia de captura de gases do efeito estufa da atmosfera.
Mas da COP26 para a COP27, os dados que o país tem a apresentar ao mundo são de piora ainda mais acentuada no volume de CO2.
O maior responsável pela alta taxa foi o aumento no desmatamento em 2021. A categoria "mudanças no uso da terra", que engloba desmatamentos na Amazônia e no Cerrado, viu um aumento de 18,5% nas emissões em relação a 2020, com a liberação de 1,19 bilhão de toneladas brutas no ano passado.
Mas quase todos os setores da economia viram aumentos nas emissões. A taxa sofreu alta de 3,8% na agropecuária, de 8,2% no setor de processos industriais e 12,2% no setor de energia - neste caso, a maior alta desde 1972, na ditadura militar. Isso se explica, principalmente, pelo maior uso pelo Brasil de fontes sujas de energia em 2021 (como a queima de combustíveis fósseis).
Segundo o Observatório do Clima, a crise hídrica de 2021, decorrente do baixo volume de chuvas no centro-sul do país, secou hidrelétricas e forçou ao acionamento de termelétricas, que o governo Bolsonaro tornou permanente (antes elas só eram acionadas em casos de emergência).
"Enquanto o consumo de eletricidade aumentou 4%, as emissões por geração de eletricidade cresceram 46%. Um terceiro fator, também decorrente da seca, foi a queda na safra de cana no Sudeste, que levou a uma alta do preço do etanol, reduzindo, consequentemente, a participação do biocombustível nos transportes", explicou ainda o relatório do Observatório do Clima.
Somadas, a poluição do desmatamento e da agropecuária representam mais de 70% das emissões do país.
"Considerando as metas de redução de emissões assumidas para 2025 e 2030, o patamar atual torna o alcance dessas metas cada vez mais distante", destaca Renata Potenza, coordenadora de Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora.
"Para o Brasil, o melhor custo eficiência para reduzir emissões é diminuir o desmatamento. É a política mais barata, mais intensa em redução de emissões e não traz prejuízos econômicos. De 2004 a 2012, o Brasil reduziu em mais de 80% o desmatamento sem que isso afetasse o seu crescimento econômico", disse à BBC News Brasil Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Focos de incêndio
O número acumulado de incêndios em 2022 ainda não foi divulgado oficialmente, mas os focos contabilizados até o início de novembro já somam mais que o registrado em todo o ano de 2021. Neste ano, o Brasil registrou até agora 184.408 focos, contra 184.081 em 2020, segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
E o número ainda vai crescer até o final do ano. Possivelmente, porém, o volume total não será maior que o registrado em 2020, ano em que foi alcançado o pior patamar de incêndios em 10 anos, desde 2010.
Em 2020, o país registrou 222.798 focos. O fogo costuma ser usado para "limpar" áreas de plantio e o aumento de focos de incêndio funciona como um indicativo de desmatamento ilegal. Em 2019, imagens da Amazônia queimando invadiram o noticiário nacional e internacional, gerando críticas de líderes mundiais à política ambiental brasileira.
Desde então, a pressão internacional sobre a política ambiental brasileira continuou a crescer, mas os indicadores não melhoraram.
Lula pode reverter o quadro?
A participação de Lula na COP27 é aguardada com entusiasmo por lideranças internacionais. Ele deve se reunir, por exemplo, com o enviado do governo americano, John Kerry. Em seu discurso após a vitória na eleição de outubro, o presidente eleito disse que o Brasil "está pronto para retomar o protagonismo na luta contra a crise climática" e que o próximo governo vai "lutar pelo desmatamento zero na Amazônia".
Na COP27, há uma expectativa de que Lula anuncie o nome da pessoa que assumirá o comando do Ministério do Meio Ambiente. Entre os cotados, estão as ex-ministras Marina Silva e Izabella Teixeira. Ambas já estão na cúpula do clima e se reuniram com lideranças importantes. Marina Silva esteve, inclusive, com John Kerry.
Mas a grande deterioração nos indicadores ambientais revelam que não será fácil reverter a tendência de alta de desmatamentos e emissões de CO2. Para Suely Araújo, do Observatório do Clima, as primeiras medidas necessárias passam por reestruturar o Ministério do Meio Ambiente, reabilitar órgãos de controle e também pela revogação de medidas adotadas durante o governo Bolsonaro.
"É preciso olhar para frente. Corrigir os retrocessos e atualizar. O 'revogaço' é necessário, mas é preciso debater o que colocar no lugar. A estruturação da governança ambiental nos ministérios é assunto urgentíssimo", disse à BBC News Brasil.