O homem é uma animal que ri. Indivíduo simples que sou, confesso que seria incapaz de ter criado uma frase com tamanho poder revelador. Por isso, dou os créditos ao bom e velho Aristóteles, que na Poética nos oferece essa pitada de filosofia cotidiana. Não tenho nenhuma dúvida de que, se fosse vivo, presenciaríamos o velhote macedônico gargalhando, junto aos seus colegas peripatéticos, de todos memes criados no Brasil.
Os animais choram, gritam e até reclamam. Mas rir é um atributo exclusivamente humano. Esse gesto traz à tona a forma feia, grotesca e ridícula a que todo indivíduo está sujeito, ao se expor à vida em sociedade.
Por isso que o riso é uma espécie de exorcismo, exaltação de uma forma contundente de relação humana que denuncia as ninharias da vida cotidiana, expondo aquele que se enrosca na soberba de desejar respeito a todo momento. Só o sábio dispensa respeito eterno, pois é capaz de rir com beleza e prazer.
As boas piadas salvam a existência diária e fazem com que o homem experimente, nem que seja por um milésimo de segundo, a mais pura felicidade. Não falo do humor raso, desses que vivem à sombra de preconceitos, racismos e xenofobias, mas do humor em sua função bruta, expondo o ridículo dos que se acham sérios demais, possuidores da verdade, detentores da beleza e advogados da justiça. Quanto mais alta a seriedade do momento, maior a potencialidade de uma boa ironia.
Essa era, inclusive, a grande arma socrática ao enfrentar os poderosos de seu tempo: mostrar que, por mais arrogante que um sujeito possa ser, somos irmãos na ignorância daquilo que fingimos saber. Com muita elegância intelectual, o filósofo grego conseguia mostrar aos seus conterrâneos, sempre com perguntas perspicazes recheadas de ironias finas, que muita gente afirmava saber o que, na verdade, desconhecia. Era como colocar o Átila Lamarino para conversar com a Tia do Zap.
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Quando esse encontro acontecia, desvelavam-se dois caminhos possíveis: os mais sábios acabavam rindo da própria ignorância; já os vaidosos, pelo contrário, justamente por serem mais fracos, acabavam por agredir nosso querido pensador. Nisso, não mudamos em nada ainda: todo burro tem a agressão como resposta de sua própria burrice.
Montaigne, em seus ensaios, nos oferece uma boa ferramenta para lidar com gente chata: imagine-o em pleno banheiro, fazendo força para defecar. Isso mesmo! O filósofo francês nos fala que basta olhar para o sujeito chato e imaginá-lo no trono para o tempo passar com maior facilidade. Tenho que admitir que isso já me salvou de muitas conversas enfadonhas.
Talvez por isso o Brasil ainda consiga escapar, mesmo que por pouco, de regimes totalitários. Somos um povo que tratamos a seriedade na medida certa: somente de segunda a sexta, de 8h às 18h. O riso, a piada e a ironia extrapolam as classes sociais e fazem, de qualquer sujeito, um rei fugaz, experimentando a igualdade desejada pelas revoluções e a abundância prometida pela economia.
E não venha dizer que você é aquele tipo puríssimo, incapaz de rir de governantes, patriarcas e chefes. Quem nunca teve uma piada escondida daquele a quem deve obediência laboral nem poderia ser tratado como gente. Nem um apelidinho sequer? Longe de chefes, tudo é feliz. O direito de zombar às escondidas daqueles que controlam economicamente nossas vidas é uma das bençãos distribuídas pelo Olimpo e escondidas na sala de café, nas repartições públicas e nas empresas privadas, deveria até ser garantido em Constituição!
Não é à toa que o riso era visto, durante a Idade Média, como algo diabólico. É muita tentação envolvida! Ao deformar a face, ele era evitado em locais públicos (falo tanto do riso quanto do diabo), pois todos deveriam carregar nos ombros a trágica herança do pecado original, demonstrando toda infelicidade ao cruzar com o irmão também pecador. O riso só era visto passeando nas tabernas, lugar propício à lassidão dos vícios e à vida desregrada. Toda taberna era uma espécie de grupo de WhatsApp da pelada de domingo.
Chego a imaginar que nunca existiu, sobre a face da Terra, alguém que nunca riu de seus dirigentes. E rir dos superiores sempre nos salvou de uma vida torpe. Admita. Nem que seja para você mesmo: rir do poder é tão bom que a gente só faz isso escondido, justamente para que eles não nos roubem esse tesouro precioso. E do outro lado, você que manda nos outros, guarde sempre essa verdade em seu coração: quando chegar no escritório e os seus subordinados estiverem rindo, não tenha dúvida, eles não gozam com você, eles gozam de você.
E a vida é assim mesmo, uma oportunidade para rir de nossas babaquices, acreditando no humor como uma tentativa quixotesca, no melhor sentido possível, de expurgar a falta de sentido que nos acompanha do primeiro ao último suspiro.
Acredite: nossa existência seria muito pior se não houvesse os memes, figurinhas e afins. Pense em seus dias, nesses tempos estranhos em que vivemos, sem os vídeos recebidos pelo celular. Mais do que humor, tudo isso se transforma em estratégia de sobrevivência. Afinal, o trágico é bem mais digerível quando recebe a visita do cômico, como essas piadas que são contadas após o almoço familiar de domingo, capazes de unir os corações mais dilacerados pelas discussões políticas.
Devíamos consagrar o “meme” como um convite angelical ao paraíso instantâneo, proclamando todos aqueles que os enviam como profetas de um mudo melhor, pois acabam por salvar, mesmo que momentaneamente, uma pobre alma de uma vida infernal, raivosa e melancólica.
*Renato de Faria é professor e filósofo, buscando as problemáticas da vida diante das solucionáticas do mundo
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