Fundamental para o desenvolvimento de qualquer nação, a defesa do direito das crianças entrou em destaque na última semana por conta das declarações da ex-ministra dos Direitos Humanos e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) sobre supostos abusos sexuais no Pará. Ao Correio, o advogado Rubens Naves, ex-presidente e atual conselheiro da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Fundação Abrinq) pelos Direitos da Criança e do Adolescente, apontou os principais desafios do cidadão na fase da infância no Brasil. "A realidade da maioria das crianças e adolescentes, em todas essas áreas, hoje, é de estagnação em patamares distantes dos objetivos traçados", disse.
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O senhor já foi presidente e, atualmente, é conselheiro da Fundação Abrinq. Qual é a percepção sobre o tema no país?
Muitos indicadores apontam a gravidade da situação da infância e juventude no país, como destaca o relatório da Fundação Abrinq Um Retrato da Infância e Adolescência no Brasil, produzido em parceria com a Fundação Getulio Vargas, com base no monitoramento de ações do governo federal. O documento tem como referência os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e diz respeito ao combate à pobreza, segurança alimentar, saúde e bem-estar, educação, igualdade de gênero, água e saneamento, trabalho e emprego, redução da desigualdade, condições de vida nas cidades e em assentamentos e justiça e paz. A realidade da maioria das crianças e adolescentes, em todas essas áreas, hoje, é de estagnação em patamares distantes dos objetivos traçados.
Sua atuação profissional é voltada ao direito da criança. Como se envolveu com essa temática?
Uma sociedade não terá futuro com uma desigualdade social como a nossa. Em especial, as crianças e os adolescentes que, segundo o nosso projeto de nação, merecem atenção e absoluta prioridade, como determina o Artigo 227 da Constituição Federal. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar os direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Tive na Fundação Abrinq, desde 1995, a oportunidade de lutar pelo aperfeiçoamento das políticas públicas e mobilização da sociedade por esses direitos. Também contribui para a defesa e promoção do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).
O que mudou no Brasil nos últimos anos? A situação das crianças piorou?
Sim. Parte dessa tragédia pode ser atribuída aos efeitos da pandemia de covid-19 e da inflação. Infelizmente, o resultado diz respeito às políticas públicas vigentes, ou ausentes, no país.
Qual é o principal desafio no direito da criança?
A promoção da melhoria das condições de vida das crianças é prioridade urgente e precisa ser debatida e constar dos planos de governo. Sobretudo, as áreas de segurança alimentar, combate à pobreza, assistência social, saúde e educação requerem políticas de Estado articuladas entre Ministérios e instâncias de governo.
Elas estão desassistidas pelo governo?
Sim. Se não formos capazes de responder e executar respostas rápidas, amplas e consistentes, ao déficit das necessidades básicas de milhões de adolescentes, a sociedade brasileira sofrerá danos a longo prazo. Isso é muito claro nos impactos dos últimos anos no processo educacional, com o afastamento dos alunos da escola e a redução do aproveitamento escolar medida por indicadores.
Os candidatos à Presidência da República (Lula e Bolsonaro) ainda não apresentaram, até o momento, uma proposta concreta sobre o direito e a educação das crianças. Como vê essa situação?
Do candidato Bolsonaro não há muito o que esperar em face da condução errática da política educacional pelo Ministério da Educação, entre outros aspectos. O candidato Lula propõe na área de desenvolvimento social e garantia de direitos que é "necessário promover a defesa das famílias, com proteção e cuidado prioritário com as crianças e suas infâncias, em especial por meio do combate à pobreza, da garantia de acesso integral às políticas públicas e do direito ao brincar". É imperioso transformar essa intenção em propostas de governo e planos de ação.
Recentemente, a ex-ministra e senadora eleita Damares Alves se envolveu em uma polêmica por conta de declarações sobre supostos abusos sexuais de crianças no Marajó, Pará. Qual é a gravidade deste caso?
Ela foi muito infeliz ao levantar a questão, uma vez que os fatos narrados e não comprovados teriam acontecido quando ela era responsável pela condução das políticas públicas em relação às crianças e adolescentes. Desqualifica todo o sistema de proteção do Pará, inclusive o próprio Ministério Público.
Seria caso de punição?
Damares Alves deveria ser responsabilizada. Sua iniciativa revela a intenção de atacar o ECA, nas próximas legislaturas. Ela desconsidera o importante trabalho desenvolvido pelo Congresso Nacional na CPI da Violência e Abuso contra as Crianças, presidida pela então senadora Patrícia Saboya. O tema da violência sexual contra crianças e adolescentes é relevante e deve ser conduzido com maturidade. A Comissão de Ética do Senado deve ficar atenta em relação à conduta da nova parlamentar.