Cerca de 2 milhões de fiéis são esperados em Aparecida do Norte (SP) para as homenagens à padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, cujo dia é celebrado em 12 de outubro. Considerada uma das maiores festas religiosas do país, a peregrinação será retomada presencialmente após dois anos de paralisação em virtude da pandemia de covid-19.
Na bagagem dos romeiros, que partem de todas as regiões, muitos pedidos e, sobretudo, agradecimentos à virgem que, há mais de três séculos, acumula histórias de curas, milagres e fé. Além das missas e novenas, a programação inclui o retorno do festival de música que, neste ano, terá entre as atrações os cantores Daniel, Elba Ramalho e Luiza Possi.
Além da retomada da tradição religiosa, a festa em devoção à Nossa Senhora Aparecida ajuda na recuperação das atividades relacionadas ao turismo no município de Aparecida do Norte.
Padroeira do Brasil
Desde 1717, quando a Imagem de Nossa Senhora da Conceição teria aparecido nas redes de três pescadores, às margens do Rio Paraíba, teve início a devoção à chamada Virgem Aparecida. O reconhecimento passou a ser tão forte em todo o país que, em 8 de setembro de 1904, por ordem do Papa Pio X, a imagem encontrada foi solenemente coroada e proclamada como Rainha do Brasil.
A partir de então, ela passou a usar oficialmente a coroa ofertada pela Princesa Isabel, em 1884, e o manto azul-marinho. O título foi confirmado mais tarde, em 1930, quando o Papa Pio XI proclamou a Virgem Aparecida padroeira do Brasil.
Em família
Entre as muitas histórias está a do advogado Fhillipe Amadeu, 33 anos, e de seu pai, o corretor de imóveis Reinaldo Silva, 60 anos. Juntos, eles fazem o chamado "Caminho da Fé", um trajeto inspirado no Caminho de Santiago de Compostela, e que percorre cidades de Minas Gerais e São Paulo, até chegar a Aparecida do Norte, cidade onde está erguida a basílica em devoção à padroeira do Brasil.
A ideia da peregrinação de bicicleta surgiu após o tio de Fhillipe receber o diagnóstico de uma doença degenerativa, não informada pelo sobrinho, que ataca os pés e as mãos e com poucas perspectivas de cura. Esse tio, chamado Romildo, queria pedir a intercessão da santa para conseguir um milagre.
"Ele acabou descobrindo uma doença autoimune que paralisava um pouco os movimentos do corpo e não tinha cura, e aí veio a proposta de a gente entregar a cura dele como intenção desse percurso. E como peregrinação, também, para fazermos em família", revela Fhillipe.
Ao lado de Romildo, foram com ele os irmãos Reinaldo e Paulo, além de Fhillipe e seu cunhado Sérgio. Os cinco partiram da cidade de Águas da Prata, em São Paulo, para percorrer um trajeto de 318km em estradas de terra e rodovias até chegar a Aparecida. O caminho é difícil, visto que há serras e vales na região e a preparação física era extremamente necessária.
Não houve muitas dificuldades no início da pedalada, mas no quarto dia, enquanto passavam por um trecho de pouca visibilidade na altura da cidade de Paraisópolis, no extremo sul de Minas Gerais, o pai do advogado, Reinaldo, colidiu com uma moto e teve uma fratura grave no fêmur. O impacto foi grande em Fhillipe e nos outros companheiros, que tiveram que conduzir a vítima a um hospital da cidade.
"No primeiro momento, sendo honesto, eu fiquei triste, no sentido de que a gente estava indo em devoção a Nossa Senhora, entregando a saúde da família e acabou acontecendo esse fato. Sentimos que não merecíamos estar passando por aquilo. A minha fé, particularmente, deu uma abalada. E ter pensado que a gente poderia não estar passando por essa questão toda, porque foi um momento muito sofrido", revela o filho de Reinaldo.
O paciente, então, teve que passar por uma cirurgia e foi transferido para Ribeirão Preto. O caminho de fé dos quatro que restaram ganhou novo sentido e um novo objetivo. Além de pedir pela cura do tio Romildo, as intenções também se voltavam, principalmente, para o sucesso na cirurgia e na recuperação de Reinaldo. Logo, cabia ao restante do grupo terminar a jornada.
Quando chegaram a Aparecida do Norte, a emoção tomou conta dos ciclistas, que levaram a camisa de Reinaldo e tiraram uma foto histórica na frente da Basílica de Nossa Senhora de Aparecida. As orações à padroeira do Brasil renderam o sucesso na cirurgia do pai de Fhillipe, que permaneceu durante 30 dias no hospital até receber alta dos médicos para voltar para a casa.
Romildo, irmão de Reinaldo, que possuía a doença degenerativa, havia feito uma promessa durante a caminhada, que se o irmão se recuperasse e conseguisse subir na moto que havia comprado pouco tempo atrás, ele retornaria a Águas da Prata para refazer o caminho a pé.
"Ele (Romildo) não quis contar para ninguém que ele ia, porque ele sabia que as pessoas iam ficar preocupadas se descobrissem que ele foi sozinho e que ia contar apenas quando chegasse lá. Quando o meu pai ficou sabendo disso, pegou um ônibus e viajou para encontrar com o meu tio no final do percurso. Eles se encontraram e terminaram juntos, caminhando, os últimos 10 km do Caminho da Fé, no dia 5 de janeiro. Meu pai conseguiu terminar a última parte do trajeto, caminhando, em agradecimento à recuperação dele", conta Fhillipe.
Sobre a doença de Romildo, o sobrinho explica que o tio não apresenta mais sinais de dormência, sintomas que surgiram logo com a detecção da enfermidade. "E hoje, sem dúvida alguma, ele é o mais preparado de todos nós para outra peregrinação".
Novo milagre
Um ano após ter realizado o percurso do Caminho da Fé, Fhillipe Amadeu deu um susto imenso em sua família. O advogado sofreu fratura em uma vértebra após cair de mal jeito na piscina durante o aniversário do filho mais novo. "Eu bati a cabeça no fundo da piscina. E eu não tenho dúvidas de que o que aconteceu comigo foi, literalmente, um milagre, porque a quantidade de histórias que eu ouvi dos médicos e de pessoas que já conhecem fatos que acabaram resultando em paraplegia, tetraplegia, são incontáveis. E eu estou só lidando com algumas dores e estou me recuperando", afirma.
A recuperação de Fhillipe progride de maneira tão rápida que ele já programa uma nova peregrinação para o próximo ano, mais uma vez para Aparecida do Norte, com os quatro companheiros da última jornada.
Devoção
Fhillipe conta que a devoção à Nossa Senhora de Aparecida sempre foi forte na família. A avó nasceu no dia 12 de outubro, data em que se celebra a festa da padroeira do Brasil, e esteve presente durante a pedalada dos cinco, em um carro de apoio. "E ela teve que vivenciar a questão do acidente com o filho e dessa questão toda. A devoção que nós temos com Nossa Senhora é algo inexplicável conosco, que a gente só consegue sentir", explica.
Às vésperas de mais um dia dedicado à padroeira, Fhillipe e sua família têm muitos motivos para celebrar e honrar a intercessora. "Eu ouvi uma vez um pouco sobre a questão das pessoas tentarem definir o que é a fé. E a resposta para mim que fez mais sentido é que a fé é aquela certeza que dispensa qualquer comprovação, e é o que a gente sente pelas ações de Nossa Senhora na nossa vida. É uma certeza tão grande de que ela cuida da nossa família, que a gente não consegue nem explicar muito bem", completa Fhillipe.
*Estagiário sob a supervisão de Michel Medeiros
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