Violência sexual

Vítima de estupro, criança grávida de 11 anos vai para abrigo

Mãe de um bebê de 9 meses, menina de 11 anos, grávida novamente, é levada para abrigo por determinação da Justiça. Polícia investiga omissão da família ou de órgãos de proteção à infância

Onze anos de idade, e mãe pela segunda vez. Essa é a realidade da menina, vítima de abuso sexual, que foi acolhida ontem em um abrigo especializado no Piauí. A primeira gestação ocorreu no ano passado, em decorrência de um estupro. Pela legislação brasileira, a menina teria direito a aborto, mas a gravidez não foi interrompida.

Na semana passada, médicos identificaram que a menina de 11 anos, do interior do Piauí, está em sua segunda gestação. O bebê está com aproximadamente 12 semanas, segundo a Maternidade Dona Evangelista Rosa, em Teresina. A instituição atende mulheres vitimas de violência.

A segunda gravidez foi confirmada na última sexta-feira, quando a criança estava acolhida em um abrigo providenciado pelo Conselho Tutelar. A menina chegou a voltar para a casa do pai após a confirmação. No entanto, a juíza da 2ª Vara da Infância e Adolescência em Teresina, Maria Luiza de Moura Mello, determinou ontem a ida da vítima a um abrigo especializado, pois a família não tinha estrutura para acompanhar a gestação. O primeiro filho da menina, com cerca de 9 meses, seguirá sob os cuidados do avô.

Segundo relato da conselheira tutelar Renata Bezerra, a menina de 11 anos está há um ano sem ir à escola, desde a primeira gravidez. Ainda de acordo com Bezerra, a criança estaria disposta a interromper a gravidez.

"Nessa situação, ela deu o sinal de que queria [o aborto], mas quando chegou em casa, que a mãe 'bateu o pé' que não, ela ficou calada, não disse mais nem que sim nem que não", afirmou Renata Bezerra ao portal G1.

A conselheira que acompanha o caso desde a primeira gestação, revelou ainda que, antes da descoberta desta semana, ela estava se preparando para voltar à escola. "Ela estava sonhando em retornar para a sala de aula e recebeu essa notícia de estar grávida novamente. Ela estava fazendo planos para estudar, trabalhar e criar seu primeiro filho", conta.

Segundo as autoridades envolvidas no caso, há divergências na família sobre a situação da criança de 11 anos. Enquanto o pai seria favorável ao aborto, a mãe seria contrária à interrupção da gravidez. A legislação brasileira autoriza o procedimento para casos como o da vítima de violência sexual.

De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Sistema Único de Saúde (SUS), 1.549 meninas de até 14 anos morreram em 2020 por causas relacionadas à gravidez.

Estudos apontam que, além de comprometimento da estrutura física da mãe, a gravidez na infância está relacionada a um maior risco de anemia, eclâmpsia e pré-eclâmpsia, cesariana de emergência e depressão pós-parto. Na adolescência, em nível global, complicações relacionadas à gravidez e ao parto são a principal causa de morte de meninas de 15 a 19 anos, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo especialistas, apesar de muitos casos se encaixarem nas possibilidades de autorização do aborto previstas em lei, uma série de barreiras que explicam a dificuldade de acesso ao procedimento; desde a restrição de espaços que realizam o procedimento a algumas capitais e cidades de maior porte (o que exige deslocamento e custos) até o acolhimento insuficiente dessas vítimas pelas autoridades.

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"Extrema gravidade"

A Defensoria Pública do Piauí ressaltou, em nota, que o caso é de "extrema gravidade" e segue apurando as evidências. "O Núcleo Cível Especializado de Defesa da Criança e do Adolescente (NuciDeca) foi procurado pelas Conselheiras Tutelares que já acompanham o referido caso a fim de noticiar o ocorrido, bem como prestar informações e entregar documentos necessários para que possa ser analisada a situação e sejam então adotadas todas as medidas cabíveis e pertinentes", informou o órgão.

O caso é investigado pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), órgão da Polícia Civil do estado. Os principais suspeitos são homens próximos à garota, mas nenhum nome foi revelado. A coleta de depoimentos contará com a rede de proteção da garota, que se estende aos profissionais que acompanharam a vítima desde a primeira gestação, como psicólogos, assistência social e a Secretaria Municipal da Cidadania.

Segundo a delegada Lucivânia Vidal, a polícia piauiense já tem um suspeito para o segundo abuso sexual. O pai da menina relatou que a garota não chegou a contar sobre o abuso sofrido desta vez. Vidal disse ainda que pretende apurar se houve negligência por parte da família ou dos órgãos que foram a rede de proteção.

Na primeira vez em que a criança sofreu estupro, ninguém foi preso. O suspeito do crime era o primo da menina. Ele foi assassinado meses após a gravidez vir a público. Não há informações sobre as circunstâncias da morte. Após isso, o processo da menina foi extinto.

*Estagiários sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza