BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA

7 de setembro é um marco da memória da Independência, dizem historiadores

Data deve ser interpretada como um marco simbólico da memória e não da história da Independência do Brasil, visto que foi um processo longo e abrangente, avaliam estudiosos

Em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I declarou, por meio do grito da independência às margens do rio Ipiranga, a separação política entre Brasil e Portugal. Esta é a versão mais presente no imaginário social acerca da Proclamação da Independência do país, que em 2022 celebra o seu Bicentenário.

Todavia, esta é apenas uma versão simbólica do marco histórico. Segundo especialistas, à época já havia movimentos monarquistas que conduziam para o desquite desses países, a exemplo do Dia do Fico e a convocação para a Assembleia Constituinte do Brasil.

A título de curiosidade, o Dia do Fico foi declarado em 9 de janeiro do mesmo ano do anúncio da Independência. “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”, afirmou D. Pedro I, desobedecendo os desejos da corte portuguesa.

Já a Assembleia Constituinte do Brasil foi convocada em junho de 1822. Ela não se solidificou de imediato, visto que foi instalada em 3 de maio do ano subsequente à Independência. A Assembleia conseguiu reunir 84 dos 100 deputados, de 14 províncias. O ato é considerado a primeira experiência parlamentar brasileira, mas representava apenas a elite política e intelectual da época.

A historiadora Neuma Brilhante, da Universidade de Brasília (UnB), destaca que há supervalorização do papel de Dom Pedro I e também o silenciamento das disputas que aconteceram naquele período. Ao contrário da ideia presente no imaginário social, o processo de emancipação do Brasil não foi pacífico. Entre os anos de 1821 a 1828 houve confrontos entre a Corte portuguesa e integrantes das províncias no Brasil.

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Uma das figuras importantes na luta pela separação política entre Brasil e Portugal foi Maria Quitéria, que lutou na Guerra da Independência do Brasil disfarçada de homem. Depois, ela se tornou a primeira mulher a integrar as Forças Armadas. Desde 1996, a baiana é patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro. Maria Quitéria também é um dos nomes do Livro de Heróis e Heroínas da Pátria.

Outra figura relevante foi José Bonifácio de Andrada e Silva. Ele era um homem de confiança de Dom Pedro I e foi responsável por incentivá-lo a proclamar a independência. Além disso, José Bonifácio articulou a resistência a movimentos contrários à separação política entre os dois países.

Arquivo Pessoal - Da esquerda para a direita: Neuma Brilhante (UnB), Rubens Ricupero, João Paulo Pimenta (USP), Cecília Helena de Salles (USP) e Maria do Carmo Couto (UnB)

Para muito além de Dom Pedro I, outros nomes como Sepé Tiaraju, Frei Caneca e Joana Angélica fizeram parte do marco histórico do país e suas biografias estão sendo revisitadas pela historiografia atual. A historiadora Cecília Helena de Salles, da Universidade de São Paulo (USP), chama a atenção para as diversas atuações no processo de emancipação brasileira. "Houve a participação intensa de diferentes segmentos sociais, envolvendo homens e mulheres livres, libertos, escravizados, bem como populações indígenas", pontua.

Chegada do coração de Dom Pedro I ao Brasil

Segundo Neuma, a supervalorização de Dom Pedro I retorna à comemoração do Bicentenário da Independência por parte do governo federal. “Enquanto hoje os historiadores mostram a diversidade de projetos, a pluralidade de atores políticos, a importância das ruas e das demandas pelos direitos no momento da independência, a gente tem um governo absolutamente centralizado na versão de Dom Pedro."

É válido ressaltar que a exposição Um coração ardoroso: vida e legado de D. Pedro I esteve entre as comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil. O órgão do primeiro imperador do país foi recebido pelo presidente da República com honras de chefe de Estado e ficou exposto até 4 de setembro no Palácio Itamaraty, em Brasília. “O governo Bolsonaro está imitando o governo Médici, mas está imitando de maneira sem sequer traçar uma agenda, uma diretriz de comemorações. E, com isso, claro, trata de acentuar a visão mais ultrapassada da história do Brasil”, afirma o historiador João Paulo Pimenta, da USP.

Ainda nesse sentido, o historiador e ex-diplomata Rubens Ricupero acrescenta que o gesto do governo é uma "repetição que veio como farsa", criticando a ausência de atividades comemorativas atrativas e bem planejadas. 

Interpretando obras de arte sobre acontecimentos históricos

O quadro mais famoso sobre a Independência do Brasil é Independência ou Morte, de Pedro Américo. Nele, há a exaltação da figura de Dom Pedro I, colocado como herói nacional. No entanto, o próprio artista escreveu um texto em que explica que a obra não tinha o intuito de ser fidedigna. A tela foi pintada em 1888, por encomenda da família imperial. Maria do Carmo Couto, coordenadora do curso teoria, crítica e história da arte da Universidade de Brasília (UnB), explica que Pedro Américo teve influência francesa na composição do quadro.

"Em Independência ou Morte é visível a aproximação com o quadro 1807, a Batalha de Friedland, do pintor francês Ernest Meissonier, uma obra muito famosa que representa uma importante vitória de Napoleão Bonaparte contra o exército russo. Dessa forma, o autor recupera o imaginário ligado a Dom Pedro I, visto como um imperador nos trópicos e, sobretudo, reforça a ideia de uma independência conquistada por meios militares. É possível perceber em “Independência ou Morte!” influências de outras pinturas de batalha francesas do século 19 e ainda de quadros italianos do Risorgimento (unificação da Itália)", ressalta a especialista.

Em outra pintura do acontecimento histórico, o francês François-René Moreaux pinta a Independência do Brasil retratando a população em primeiro plano, sem destaque para a presença militar.

François-René Moreaux - A proclamação da Independência do Brasil

O mais provável é que, em vez do cavalo, Dom Pedro I estivesse montado em uma mula. A professora Maria do Carmo ressalta que as pinturas sobre acontecimentos históricos estão muito mais ligadas à recriação de um imaginário social do que à representação verossímil do fato. “As pinturas de história, que se referem a fatos ou personagens que precisam ser perpetuados em telas ou esculturas, precisam ser vistas como acontecimentos muitas vezes ressignificados, de acordo com o encomendante da obra ou do momento político que aquela sociedade vive”, pontua a especialista.

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Pedro Américo/Museu do Ipiranga - Quadro "Independência ou Morte"
François-René Moreaux - A proclamação da Independência do Brasil
Arquivo Pessoal - Da esquerda para a direita: Neuma Brilhante (UnB), Rubens Ricupero, João Paulo Pimenta (USP), Cecília Helena de Salles (USP) e Maria do Carmo Couto (UnB)