MINAS GERAIS

Museu Mariano Procópio é reaberto em Juiz de Fora (MG) após 14 anos

Após 14 anos de portas fechadas, Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora, é finalmente reaberto. Acervo conta com 53 mil itens

Após 14 anos fechado e com um acervo de aproximadamente 53 mil itens, o Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, reabre de forma definitiva à visitação neste feriado de 7 de setembro – data na qual é celebrado o bicentenário da Independência do Brasil. O local é reinaugurado com a exposição “Rememorar o Brasil: A Independência e a construção do Estado-Nação”.

Símbolo da memória nacional, o Museu Mariano Procópio é considerado o primeiro museu de Minas Gerais – completou seu centenário em 2021. O local foi aberto em 1915 como museu particular do colecionador Alfredo Ferreira Lage (1865-1944), mas só foi oficialmente inaugurado, com visitação pública, em 23 de junho de 1921. Está ali o segundo maior acervo do Brasil do período imperial.

Em suas instalações constam um dos acervos mais importantes do Brasil dos séculos 18, 19 e 20, conforme explica a diretora-geral, Maria Lúcia Horta Ludolf de Mello. “As obras compreendem os períodos colonial, imperial e republicano, que nos remetem ao passado histórico, sendo também um meio de expressão e transmissão do conhecimento científico e cultural”, revela.

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São diversas pinturas, esculturas, gravuras e desenhos. Inúmeros livros raros, documentos, fotografias, mobiliário, prataria, armaria e numismática também recheiam o acervo, complementado ainda por itens de cartofilia, indumentária, porcelanas, cristais e peças de história natural.

A diretora menciona ainda a importância das edificações: o prédio Mariano Procópio com a galeria de arte Maria Amália, a vila renascentista datada de 1861, o solar de veraneio da família Ferreira Lage, além de um amplo parque com lago, patrimônio tombado com 78 mil metros quadrados de área verde e uma coleção de espécies da flora e da fauna.

Danos

O museu havia fechado as portas em 2008 para obras emergenciais em decorrência da degradação das instalações e do acervo. Somente a galeria Maria Amália e duas salas ficaram abertas entre 2016 e 2020. As intervenções para reabertura do museu custaram cerca de R$ 300 mil aos cofres municipais. “Estamos abrindo o primeiro andar e a galeria Maria Amália. Para isso, tivemos que fazer um reparo no lanternim (equipamento que melhora a ventilação natural em ambientes fechados)”, diz a prefeita Margarida Salomão (PT). Havia até mesmo o risco de exposição excessiva da luz do sol sobre as obras, o que danifica o acervo.

O período de 14 anos de portas fechadas é lamentado por Maraliz de Castro Vieira Christo, professora titular de história da arte na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). “Várias gerações foram privadas do contato com o museu e seu rico acervo, assim como muitos projetos foram abortados”, diz. No entanto, a pesquisadora destaca a importância da retomada. “É necessário valorizar os esforços empenhados para manter o museu vivo na memória das pessoas. Várias ações foram desenvolvidas nesse sentido, embora enfrentando muitas dificuldades, principalmente impostas pela burocracia e pela falta de recursos. Na pandemia, por exemplo, os funcionários se recriaram para abrir o museu virtualmente, nas redes sociais, o que foi fundamental”, defende.

Arquivo/PJF - "Tiradentes esquartejado", produzida em 1893
Arquivo/PJF - Peças do Museu Mariano Procópio
Arquivo/PJF - Peças do Museu Mariano Procópio
Arquivo/PJF - Peças do Museu Mariano Procópio
Arquivo/PJF - Última fotografia da família imperial, feita pelo fotógrafo Otto Hees, no Palácio Isabel

Mostra de abertura

A exposição inaugural, intitulada "Rememorar o Brasil: A Independência e a construção do Estado-Nação", tem como um dos curadores Sérgio Augusto Vicente. Ele é também historiador da Fundação Museu Mariano Procópio. A mostra apresenta um recorte do período que vai do fim do século 18, com a Conjuração Mineira, passando pelo início do século 19, com a chegada da corte e da família real portuguesa ao Brasil. Nesse momento, a América portuguesa passa a sediar a estrutura burocrática e administrativa do império português.

 “Posteriormente, a exposição analisa o momento da Independência do Brasil, o Primeiro Reinado, o período regencial, o Segundo Reinado e os fatores que levaram à sua crise e à Proclamação da República”, detalha o curador. A mostra segue contando a relação entre monarquistas e republicanos no contexto da Primeira República no Brasil, com abordagens sobre conflitos e conciliações entre esses dois grupos em relação às representações do passado monárquico brasileiro. “Por fim, também é abordado o período final dos anos 1910 e 1920, quando o Brasil se preparava para comemorar o primeiro centenário da Independência”, finaliza o historiador.

Tiradentes

Uma das peças mais emblemáticas que integra a exposição é a obra “Tiradentes esquartejado”, produzida em 1893 – um ano após o centenário da execução do alferes – de autoria do artista brasileiro Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905).

Dedicada aos estudos do acervo do Museu Mariano Procópio há mais de 20 anos, a historiadora Maraliz de Castro Vieira Christo conta que o pintor era conhecido por criar quadros ligados à memória do Império, como “Independência ou morte” e “Batalha do Avaí”. Com a República, ele perdeu o cargo de professor da Academia Imperial de Belas Artes e precisou reposicionar-se em relação ao novo regime.

Nas comemorações do centenário da execução de Tiradentes, em 1892, Américo percebeu ser esse um assunto interessante para mostrar-se um pintor de temas também republicanos e voltar a receber encomendas. “Ele foi para Florença e concebeu cinco quadros sobre a Conjuração Mineira, que terminaria com a imagem do Tiradentes esquartejado no cadafalso (estrutura de madeira onde condenados à morte eram executados). Ele fez vários estudos, mas finalizou apenas o último quadro. O artista o expôs no Rio de Janeiro, em julho de 1893, mas a obra foi mal recebida pela crítica, por representar um herói nacional aos pedaços, sendo considerada repugnante”, explica a pesquisadora.

A obra “Tiradentes esquartejado” só se tornaria nacionalmente conhecida a partir de 1969, com a publicação da enciclopédia “Os grandes personagens da nossa história”, da Editora Abril, quando ilustrou o fascículo sobre Tiradentes. “Como estávamos no período da ditadura militar, vários artistas contemporâneos se apropriaram da imagem produzida por Pedro Américo para denunciar a violência política. Ainda hoje, o quadro fala mais da violência sofrida por Tiradentes e menos das virtudes do herói republicano. Ele continua sendo apropriado como imagem forte da violência sobre o corpo”, avalia Maraliz.

As cartas que D. Pedro I enviou à amante

Entre outros destaques, o museu contém quadros de expoentes da pintura europeia, como os franceses Charles François Daubigny (1817-1878) e Jean Honoré Fragonard (1732-1806), além do holandês Willem Roelofs (1822-1897).

Integrando a exposição de abertura e o acervo do museu também estão as cartas de Dom Pedro I (1798-1834) à amante Domitila de Castro Canto e Mello – a Marquesa de Santos (1797-1867) –, que marcam um dos casos extraconjugais mais longos do primeiro imperador do Brasil. Ele era casado com Maria Leopoldina da Áustria (1797-1826).

Nas correspondências, ele assinava como O Demonão, O Fogo Foguinho e O Imperador. Declarando seu amor e sua fidelidade à marquesa, o relacionamento, que começou em 1822, pouco antes da independência do Brasil, durou sete anos, sendo de conhecimento público, incluindo de sua esposa.

Os visitantes também terão acesso à última fotografia da família imperial, feita pelo fotógrafo Otto Hees, no Palácio Isabel, onde vivia a família da princesa Isabel, na cidade de Petrópolis, em 1889.

Os fardões usados nas cerimônias da maioridade e do casamento de Dom Pedro II também são um dos destaques do acervo. As peças – confeccionadas em lã e bordadas em fios de ouro – foram adquiridas por Alfredo Ferreira Lage para sua coleção, em 1926.

Um retrato de Dom Pedro II, feito por Joaquim da Rocha Fragoso, chama a atenção por uma curiosidade. A obra levou um tiro em 15 de novembro de 1889 – nas dependências da sede do governo do Pará –, quando o Brasil se tornava uma República Federativa Presidencialista. O autor do ataque, um simpatizante da República, nunca foi descoberto.

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