governo

Servidores do Ipea dizem que dados sobre fome não foram compartilhados previamente

Associação acusa presidente do instituto, Erik Figueiredo, e o ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, de cometer abuso de poder em período eleitoral. Categoria alega, ainda, que informações sobre fome não foram compartilhadas previamente

Os servidores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada partiram para uma queda de braço com a cúpula da fundação. Integrantes filiados à Afipea Sindical, denunciaram à Procuradoria Regional da República da 1ª região do Distrito Federal (PRR) o presidente da entidade, Erik Figueiredo, e o Ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, por abuso de poder durante o período eleitoral. Ainda de acordo com o documento, o dirigente agiu de forma contrária aos protocolos internos do Instituto.

A ação foi movida em decorrência da realização de coletiva de imprensa convocada por Figueiredo e Bento, em 17 de agosto. Na ocasião, Figueiredo apresentou dados governamentais sobre medidas assistenciais.

O presidente do Ipea contestou as pesquisas de renomadas instituições, como a nota técnica feita pela rede nacional de pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), que apontam o crescimento da população com fome ou em estado de insegurança alimentar. Figueiredo alegou que, se isso fosse verdade, haveria um "choque expressivo" no aumento de recém-nascidos com baixo peso e de internações por desnutrição ou eventuais problemas causados pela fome.

As declarações de Figueiredo repercutiram na campanha eleitoral. Na última terça-feira, em encontro com empresários dos segmentos de comércio e serviço, o presidente Jair Bolsonaro (PL) utilizou os dados trazidos pelo Ipea. "[Os dados] mostram que o Brasil tem reduzido o número de pessoas abaixo da linha da miséria", disse.

Na ação apresentada à Justiça, os servidores do Ipea alegaram que foram "surpreendidos" com a atitude Erick Figueiredo, a qual expôs "reflexões preliminares", assinadas somente pelo presidente da fundação.

A medida, de acordo com a denúncia, representa descumprimento do estatuto interno do órgão. De acordo com os servidores, não houve consulta prévia e autorização dos servidores, como indicam os protocolos internos. "A violação dos protocolos internos para a produção de reflexões preliminares publicizadas com a marca do Ipea constitui profundo desrespeito aos servidores da casa, para quem as regras e rotinas administrativas internas devem ser seguidas à risca", continuaram.

Eles lembram, ainda, que a atitude do presidente do Ipea vai de encontro à lei eleitoral vigente, ratificada pelo ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso. Durante o período eleitoral é mitigada a publicidade institucional, pois, de acordo com a lei, a divulgação "tende a desequilibrar as eleições, concretiza a ponderação necessária entre a transparência dos atos do poder público e a garantia da isonomia e paridade de armas entre os candidatos nos pleitos eleitorais".

Inclusive, para isso o próprio Ipea circulou entre os servidores uma cartilha, criada pela Advocacia-Geral da União (AGU), que contém as recomendações para que pronunciamentos só sejam concedidos se foram de natureza administrativa. "No que diz respeito à realização de eventos de caráter técnico e científico, o documento orienta também que o mesmo deve ser direcionado a público determinado e com divulgação restrita", esclarecem.

Saiba Mais

Nota do Planalto

Outra evidência de que Figueiredo estaria realizando propaganda eleitoral foi a nota Presidência do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) Nº 12, na qual o presidente do órgão questiona os dados sobre a fome no país. Ela foi divulgada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República e não pelo Ipea. Além disso, a entrevista coletiva ocorreu na Casa Civil da Presidência da República.

"A utilização da instituição para a produção subliminar de propaganda governamental em período de defeso eleitoral configura explícito abuso de poder político, devendo ser coibida pelas autoridades eleitorais competentes", sustentam os autores da ação. "Os agentes públicos devem zelar pelo conteúdo a ser divulgado em sítio institucional, ainda que tenham proibido a veiculação de publicidade por meio de ofícios a outros responsáveis, e tomar todas as providências para que não haja descumprimento da proibição legal", ratificam.

Além da PRR-DF, a associação pretende levar uma representação à próxima reunião da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), no Senado Federal, com a intenção de fazer Figueiredo prestar esclarecimentos pela ação. Procurada, a presidente da CAS, senadora Zenaide Maia (PROS/RN), afirmou que ainda não soube de qualquer movimentação, mas acredita que o requerimento será feito e estará atenta a essa situação.

"Isso é no mínimo um desrespeito. [O governo] sabe [das regras eleitorais], informações é que não faltam, agora seguir as regras não parece ser o foco deste governo. Estão querendo chamar atenção para isso [de dados assistenciais], mas o que o governo faz é desrespeitar. O que a gente sabe é que estamos em um momento político, que tem que seguir as leis de todo mundo. Não existe alguém acima das leis, senão como é que fica o estado?", indagou.

Os servidores estão recebendo o apoio da A Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, Servir Brasil. O presidente, Professor Israel Batista (PV-DF), classificou como "desrespeito" a atitude do dirigente. "Este é mais um caso de abuso de poder por parte do governo federal e seus aliados locados nas presidências dos órgãos e Institutos. É inconcebível o uso de um cargo público para fazer publicidade", disse.

O Correio tentou contato com a assessoria do Ipea. O espaço permanece aberto.