Desigualdade

Miséria paulistana se torna um retrato do Brasil; prefeitura reconhece crise

Na cidade mais rica do país, prefeitura e voluntários oferecem assistência e alimentos à crescente população de rua

Henrique Lessa
postado em 26/09/2022 06:00
Denis Silva, voluntário da Pastoral do Povo da Rua, entrega sopa a desabrigados: segundo a prefeitura, população sem teto aumentou 125% entre 2015 e 2021 -  (crédito: Fotos: Henrique Lessa/CB/D.A Press)
Denis Silva, voluntário da Pastoral do Povo da Rua, entrega sopa a desabrigados: segundo a prefeitura, população sem teto aumentou 125% entre 2015 e 2021 - (crédito: Fotos: Henrique Lessa/CB/D.A Press)

São Paulo — A cidade mais rica do país tem visto a multiplicação da pobreza na sua paisagem. As barracas e barracos parecem não fazer jus à letra de Caetano Veloso que, ao cantar Sampa, falou "da força da grana que ergue e destrói coisas belas". Até regiões antes consideradas nobres na cidade, como a Avenida Paulista, foram invadidas por uma multidão de pessoas vivendo nas calçadas e nas praças. Acampados em barracas, com barracos de lona ou papelão, ou mesmo enrolados apenas em cobertores velhos, brasileiros buscam se abrigar nas frias noites da capital paulista.

É uma situação comum a outras capitais, mas na cidade mais próspera do país, impressiona pelas dimensões. Uma miséria que, quando refletida pelos arranha-céus espelhados, parece dar ênfase ao desalento em que vivem esses cidadãos.

De acordo com os dados do censo da população de rua, realizado pela prefeitura de São Paulo, depois de uma certa estabilidade, entre 2009 e 2015, o número de moradores de rua na cidade de São Paulo vem crescendo de forma acentuada. Em 2015, a população que efetivamente vivia nas ruas, excluindo os albergados, era de 8.570 pessoas. Em 2021, último dado disponível, a cidade de São Paulo já contava com 19.209 pessoas vivendo nas ruas e 12.675 albergados. Trata-se de um acréscimo de quase 125% entre os paulistanos de baixa renda.

Mas a miséria material, que muitas vezes destitui essas pessoas de abrigo também as impede de atingir as mínimas condições de subsistência. A fome é o que mais chama a atenção. Essa mazela é remediada, em parte, por ações públicas e por entidades de assistência a essa população.

Uma dessas entidades é a Pastoral do Povo da Rua, coordenada pelo padre católico Júlio Lancellotti, e que diariamente prepara o café da manhã e o almoço para cerca de 700 pessoas.

Durante o período com as temperaturas mais baixas, entre maio e setembro, uma equipe de voluntários quase todos os dias sai com o sopão da noite. Quando a temperatura promete se aproximar dos 10ºC, eles se mobilizam. Além de providenciar comida, a iniciativa busca afastar o risco de hipotermia na população em situação de rua.

Em uma dessas noites de frio na capital paulista, o Correio acompanhou o trabalho desses voluntários no centro da cidade.

Prefeitura reconhece crise e diz estar tomando medidas

A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), da prefeitura de São Paulo, atribui à crise econômica e ao corte de investimentos a situação de miséria na capital.

Segundo o titular da pasta, Carlos Bezerra Jr., a prefeitura tem buscado construir novas políticas de acolhimento para essa população. Quando se percebeu a ampliação da pobreza, a prefeitura antecipou o Censo da população de rua para o ano de 2021. O levantamento indicou um aumento preocupante no número de famílias nas ruas da cidade. O crescimento, segundo o Censo, foi da ordem de 111% em relação à medição anterior de 2019. O estudo verificou um total de 5.200 famílias em situação de rua na cidade em 2021.

Quanto à proliferação de barracas nos canteiros, praças e calçadas da cidade, o secretário apontou que o crescimento foi de 333% dessas habitações na cidade. O dado novo é que essas estruturas estão geograficamente espalhadas por áreas não usualmente utilizadas pelas populações de rua. Bezerra acredita que, com a pandemia, a população apresentou maior "tolerância" com famílias em situação de vulnerabilidade social.

Bezerra Jr. faz algumas observações sobre os miseráveis de São Paulo. "Normalmente as pessoas que estão há menos de dois anos em situação de rua têm um cuidado de autopreservação física e familiar. Mas, com o passar dos anos, as pessoas são submetidas a uma série de violências e vão perdendo aquele sentido mais forte de preservação, e vemos pessoas dormindo nos logradouros", apontou.

Questionado sobre as ações da prefeitura para a remoção das barracas, ponderou que não é uma atribuição da sua pasta, mas que "a orientação da prefeitura é de que se respeitem as barracas como sendo uma parte significativa da vida daquelas pessoas".

Moradias populares

Bezerra Jr. afirma que a prefeitura tem atuado para reduzir o problema. Pelos dados da SMADS, São Paulo é a cidade que proporcionalmente tem mais leitos de atendimento à população de rua no país. Ele informa, também, que o município está ampliando a oferta de atendimento em novos Centros de Acolhida, que hoje dispõe de opções segmentadas por público, com unidades específicas para homens, famílias, mulheres, mulheres transexuais, entre outros aparelhos públicos.

O secretário afirma, ainda, que a prefeitura está ampliando os contratos de locação de hotéis. Ele prevê que, até o final do ano, a oferta de leitos subirá de 1.700 para 3.300 unidades para a população de rua. Essa ajuda se soma às 3.000 novas moradias permanentes do programa habitacional do município.

Para uma solução completa, diz que não há respostas simples. "A gente está falando de uma questão extremamente complexa, que atravessa várias administrações. Uma das razões para isso é que São Paulo é uma cidade atrativa para as pessoas procurarem emprego. Então, mesmo com ações de atendimento da prefeitura, sempre chegam mais pessoas em vulnerabilidade".

Estatísticas apontam que 60% dos indivíduos em situação de rua em São Paulo são originários de fora da cidade.

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