A exatamente duas semanas para o primeiro turno das eleições deste ano, o Brasil ainda se recupera da tragédia que custou a vida de 685 mil brasileiros mortos em razão da covid-19. E, para a maioria da população, a prioridade quando for às urnas é a saúde. Logo, na escolha do candidato, pesará quem valorizar um dos principais diferenciais do país no mundo: o Sistema Único de Saúde (SUS), que, aliás, foi fundamental para evitar um número ainda maior de óbitos pelo novo coronavírus.
Essa é uma das conclusões da pesquisa Instituto Datafolha do último dia 2. Entre os 5.734 entrevistados em 285 municípios do país, 34% afirmaram ver a saúde como primeira preocupação na decisão de voto. Em segundo lugar vem a educação, com 24% da preferência, e, em terceiro, o emprego e renda que são prioridades de 17% do eleitorado. Já o tema que dominou a campanha de 2018, a corrupção, aparece na quarta colocação, com 10% das citações.
A pandemia provocou diversos efeitos, entre eles, a queda de 4,4 anos na expectativa de vida dos brasileiros, após 80 anos de crescimento, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A covid-19 acabou por contribuir na redução da cobertura vacinal para outras doenças e a politização da pandemia acabou por agravar o fenômeno antivacina.
O Brasil que, no início da década de 1990, erradicou a poliomielite e sempre teve como motivo de orgulho internacional o Plano Nacional de Imunizações (PNI) e a cobertura vacinal da população, hoje, está no grupo de países de elevado risco para o retorno da doença, conforme advertiu a Organização Mundial da Saúde (OMS), fato que já aconteceu em Israel e nos Estados Unidos. O sarampo voltou a causar surtos, e até a erradicada varíola surgiu com uma variante, a monkeypox, que vem assustando o Brasil e o resto do mundo.
O Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que tem um sistema público de saúde que atende toda e qualquer pessoa, de forma gratuita. O SUS, hoje, é o maior sistema de saúde pública do mundo. Considerado uma conquista da Constituição de 1988, apesar de falhas, o serviço tem diversos exemplos de sucesso, alguns inclusive serviram de modelo para outros sistemas de saúde do mundo, como as políticas públicas de tratamento de portadores do vírus da Aids, o programa dos medicamentos genéricos, e o sistema público de transplante de órgãos, além da cobertura vacinal e as políticas públicas de imunização, que sempre estiveram entre as mais eficientes do mundo.
Mas, desde 1988, muita coisa mudou. A medicina ficou mais cara e complexa, a adesão às vacinações caiu, e, na ponta, onde está o cidadão, por mais que o SUS forneça uma medicina de alta complexidade e uma das melhores do mundo, muitas vezes, o atendimento mais simples e preventivo falha.
Financiamento
Para manter e ampliar o SUS e, ao mesmo tempo, resolver os problemas que deixam uma parte da população desassistida, além de resgatar o destaque nacional em políticas públicas de saúde, é necessário investir mais no financiamento do sistema, superando o deficit, um problema histórico na saúde pública brasileira, segundo especialistas.
Mesmo na comparação com outros países, o Brasil teve, em 2019, um gasto público com saúde de apenas 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), percentual abaixo do gasto público dos Estados Unidos da ordem de 8,5% do PIB, ou os 5,9% de Portugal, e ainda menor do que os vizinhos Argentina e Chile, que gastaram, respectivamente, 4,9% e 5,7% do PIB.
Como ressalta Rose Marie Inojosa, doutora em saúde pública e ex-secretária executiva do Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (Conasems), os dados do IBGE mostram que a população tem buscado mais o serviço privado. O consumo de bens e serviços de saúde, em 2019, foi de 9,6% do PIB, duas vezes e meia o gasto da União (3,8% do PIB): "Menor do que o gasto público americano", compara a especialista.
Ela faz um alerta sobre a forte queda da participação do governo federal no financiamento do sistema de saúde: "Entre 1991 a 2017, a participação da União foi reduzida de 73% para 43%, sobrando, hoje, a maior parte do financiamento para os estados e municípios", destaca. Um problema crônico, agravado, segundo ela, desde a aprovação da emenda constitucional que instituiu um teto de gastos do governo, em 2016.
Apontando os dados do Fundo Nacional de Saúde (FNS), Inojosa lembra que, além dos valores aprovados, é preciso ter atenção ao que efetivamente é investido. O FNS aprovou R$ 18 bilhões para os municípios enfrentarem a pandemia de covid-19, mas apenas R$ 4 bilhões efetivamente repassados para as prefeituras no ano de 2020. "Quem realiza de fato, quem entrega o serviço para o cidadão, são os estados e os municípios. Mas eles dependem efetivamente de recursos do governo federal", frisa.
Na avaliação de Rose Inojosa, a solução para o SUS passa pela melhora do financiamento, com o aumento de uma participação mais efetiva do governo federal. Com a injeção de cerca de 6% do PIB até o ano de 2030, segundo a especialista, a situação seria bem diferente.
O cálculo, feito pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), faria o Brasil se equiparar ao gasto público de Portugal, mas ainda ficar atrás do gasto de Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha. Para ela, essa meta deveria ser gradual e, por isso, precisa ser uma política de estado e não de governo.
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Estratégias
Duas questões fundamentais para a saúde da população, a fome e as mudanças, deveriam ser tratadas como problemas de saúde pública, no entender de Rose Inojosa. Ela defende estratégias preventivas e destaca que a fome impacta a saúde da população no longo prazo, o problema não se esgota na primeira infância, sequelas podem vir por gerações. Ampliar o saneamento básico é outra estratégia importante para melhorar a qualidade da saúde da população apontada por ela, pois, muitas doenças geradas por esse problema acabam por desaguar no SUS.
Partilha dessa opinião a enfermeira, Miriam Oliveira Rosa, professora aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Saúde Pública pela Fiocruz. Para ela, é fundamental ao país uma política de saúde eficaz. Não adianta apenas olhar o financiamento do sistema, é necessária uma atenção maior sobre as questões da prevenção de doenças, o que impactará não só o quanto deve se gastar em saúde, mas em que devemos gastar.
"A formação dos profissionais de saúde no país ainda é muito curativa, precisamos ampliar a visão preventivista, entender que precisamos tratar da saúde e não da doença", pondera Rosa. Ela lembra que a educação é uma política fundamental para o SUS e, nesse contexto, ressalta a importância dos programas de educação sexual, paralisados na atual gestão.
Modelo
Rosa, que foi assessora de políticas de saúde, e participou dos debates da Constituinte de 1988, ressalta que o sistema brasileiro teve muita inspiração no britânico NHS (sigla em inglês para Sistema Nacional de Saúde). Mas, apesar da inspiração, hoje, há grande diferença entre os sistemas e o britânico aposta mais na prevenção.
No Reino Unido o médico da família, ou algo semelhante, o general practitioner (GP), faz o primeiro atendimento sempre. Não é possível, mesmo no sistema privado, marcar um especialista sem passar primeiro nesse clínico. A maioria desses profissionais atendem pelo sistema público em seus consultórios, como prestadores de serviço do NHS. Possuem essa qualificação como GP cerca de 25% dos médicos britânicos, cerca de 60 mil profissionais, para a população de 67 milhões. Já no Brasil temos pouco mais de 7 mil médicos da família e uma população de mais de 210 milhões.
"Assim, a criação de equipes de Saúde da Família em todos os municípios é importante para identificar precocemente os problemas de saúde e tratar com mais efetividade e menor complexidade", explica Rosa.
Especialistas reconhecem que a vacinação voltou a ser um desafio diante de diversas declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra as vacinas. Eles defendem que uma retomada do PNI será necessária no próximo governo.
"A gente tem a competência e a experiência, as bases mais importantes para esse programa estão firmes, mas houve uma desarticulação. Uma parte em função da pandemia, outra parte pelo descrédito da vacina", aponta Rose Inojosa, que considera a vacinação não uma escolha individual e sim uma questão coletiva.
Na avaliação dela, nenhum candidato apresenta uma proposta concreta para solucionar o problema da saúde pública no país: "Nenhum programa diz se vai ter coragem de alocar mais recursos para o SUS", resume.
Ao ver de Inojosa, a proposta mais desarticulada é a de Bolsonaro, mas pondera que todos apresentam basicamente os consensos óbvios, como a atenção primária à saúde, ou o fortalecimento da vacinação. Ressalta, contudo, que o programa da senadora Simone Tebet (MDB-MS) apresenta uma proposta de regionalização interessante, podendo melhorar a organização das redes regionais de saúde, em função da integração dos serviços especializados.
Confira as propostas dos candidatos
Os programas dos quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto na disputa ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), ressaltam a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) nas propostas para a saúde e defendem vacinação e atenção primária.
LULA
Para o candidato do PT, o SUS tem sido negligenciado pelo atual governo. Reafirma a importância de um sistema público e universal e aponta a necessidade de aprimoramento na gestão e na valorização dos profissionais de saúde.
O petista propõe investir no cuidado primário à saúde, em mais ações preventivas, com investimento maior na contratação e qualificação de mais profissionais de saúde, investimentos em mais exames, consultas e medicamentos.
Já no Programa Nacional de Imunizações, que estabelece as estratégias nacionais de vacinação da população, o petista aponta para a necessidade de uma retomada no estímulo para que a população se vacine.
Também promete retomar os moldes dos programas Mais Médicos e Farmácia Popular, rebatizados no atual governo, e que sofreram alterações na sua forma de funcionamento anterior. Aponta também a necessidade de programas especiais de saúde para as mulheres.
Propostas:
• Investimentos em: ações preventivas, profissionais de saúde, exames, consultas e medicamentos
• Retomar o Programa Nacional de Vacinação
• Aprimoramento da gestão e valorização de profissionais
• Retomada do Mais Médicos e do Farmácia Popular
• Mulheres atendidas segundo as particularidades
• Fomento ao Complexo Econômico e Industrial da Saúde
BOLSONARO
Para o candidato à reeleição, presidente Jair Bolsonaro (PL), o SUS é, sem dúvida, um grande avanço e conquista do cidadão brasileiro. Ao mesmo tempo diz no programa que “O cidadão pleno não deve ser dependente do Estado, mas conta com o apoio do governo para ter autonomia e dignidade para buscar melhores condições de vida”.
É o que dedica mais espaço ao assunto, apresentando em diversas páginas os números dos investimentos realizados durante a última gestão, buscando demonstrar os avanços alcançados pelo seu governo na área.
O fator de maior destaque na proposta de campanha de reeleição do presidente Bolsonaro é a digitalização da saúde, com o ConecteSUS e o estabelecimento de prontuário e carteira de vacinação digital, além da promessa de ampliar a telemedicina.
Também aponta a necessidade de manutenção do bem-sucedido Programa Nacional de Imunizações.
Propostas:
• Nutrólogos e nutricionistas
• Manter o Programa Nacional de Imunizações
• Ampliação de 250% as receitas para contratação de agentes comunitários
• Fortalecimento dos serviços para o envelhecimento
• Incentivo da atividade física
• Ampliar a oferta de serviços de tratamento oncológico
• Programa Médicos pelo Brasil
CIRO
O pedetista Ciro Gomes afirma que a saúde pública deve ter acesso gratuito e universal e acusa o atual governo de desestruturação do SUS.
Ciro propõe firmar parcerias com a rede privada para reduzir a fila de atendimentos como consultas, diagnósticos, exames e cirurgias até o final do primeiro ano de mandato.
Também centra suas propostas no atendimento na Atenção Primária, prometendo retomar grandes campanhas nacionais de vacinação ao reestruturar o Programa Nacional de Imunizações.
Quer realizar atividades de qualificação e supervisão dos profissionais que realizam essa atenção básica, qualificando a entrada no sistema de saúde, resolvendo assim a maior parte dos problemas dos pacientes antes do encaminhamento a centros especializados de referência. Para isso, propõe integrar os centros especializados de alta complexidade às policlínicas e unidades de atenção básica à saúde.
Propostas:
• Fortalecer o SUS
• Parcerias com a iniciativa privada
• Integração dos serviços de alta complexidade com atenção básica
• Digitalização do registro de saúde
• Retomada do Programa Farmácia Popular
• Investir na produção de medicamentos
• Valorização dos médicos
TEBET
A candidata do MDB, senadora Simone Tebet (MS), aponta um compromisso de ampliar a participação da União no financiamento do SUS com foco na prevenção e na atenção primária, o que pretende fazer com investimentos em tecnologia e fortalecimento das estratégias de saúde da família.
Defende que cuidando da saúde não precisará tratar a doença, nesse sentido promete recuperar a credibilidade do Ministério da Saúde, e conjuntamente com estados e municípios, construir um conjunto de metas e objetivos nacionais para o campo.
Com essas metas pretende elevar gradualmente a participação da União no financiamento do sistema, e com estratégias de regionalização do atendimento, reduzir as filas de espera por consultas, exames e cirurgias.
Entre suas propostas, ressalta a necessidade de fortalecer a participação dos conselhos estaduais e municipais de saúde, além de retomar campanhas de vacinação da população.
Propostas:
• Regionalizar o SUS
• Fortalecer a Estratégia Saúde da Família
• Retomar as campanhas de vacinação
• Expandir a telemedicina
• Apoiar Santas Casas
• Fortalecer o complexo industrial de produção de saúde
• Fortalecer os conselhos municipais, estaduais e nacional de Saúde
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