Em decisão inédita sobre a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, localizada no Rio Xingu, no Pará, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, considerou inconstitucional a falta de consulta aos povos indígenas do médio Xingu, à época. Essa é a segunda vez que a Suprema Corte se pronuncia em relação à violação da autodeterminação e dos direitos indígenas concedidos pela Constituição brasileira e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
"O dever de se ouvir previamente as comunidades indígenas afetadas não é, segundo a finalidade essencial da Constituição Federal, uma escuta meramente simbólica. Muito pelo contrário, essa oitiva deve ser efetiva e eficiente, de modo a possibilitar que os anseios e as necessidades dessa parte da população sejam atendidos com prioridade", declarou o ministro.
Moraes negou, em 1º de setembro, quatro recursos apresentados por Eletrobrás, Eletronorte, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a União. As estatais e o governo buscavam anular a decisão favorável do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para o Ministério Público Federal (MPF) do Pará, em ação de 2006. O órgão de fiscalização denunciou que o Decreto Legislativo 788/2005, que autoriza o Poder Executivo a implantar a hidrelétrica, foi aprovado em tempo recorde, por articulação do governo federal e sem consulta aos povos indígenas que seriam afetados.
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Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes entendeu que essa autorização ocorreu antes da realização de oitiva com os indígenas e dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA), que deveria ser feito pelo Ibama. Ainda que a autarquia contestasse essa informação e tivesse enviado provas de que a oitiva foi realizada, Moraes considerou que o ato não ocorreu em tempo hábil.
O magistrado lembrou que, no ano do decreto, o Ibama foi obrigado a ouvir as sete comunidades indígenas que habitam a região — Arara, Juruna, Parakana, Xikrin, Xipaiakuruaia, Kayapó e Araweté — após edição do STF sobre o decreto. O tribunal entendeu que o órgão do Executivo deveria, além de realizar reuniões com os povos indígenas, produzir o EIA e um laudo antropológico.
Nesse sentido, o ministro considerou que houve uma "interpretação equivocada" da Constituição e da Convenção da OIT, pois esses encontros deveriam ter sido agendados tanto pelo Congresso Nacional, para determinação do decreto, quanto após a implantação da hidrelétrica. "Evidencia-se que o texto da norma autorizou que medidas fossem adotadas com o escopo de dar início à exploração da área indígena, postergando a oitiva das comunidades indígenas afetadas", escreveu Moraes na decisão.
Sobre os argumentos dos solicitantes de que a hidrelétrica não está localizada em terras indígenas, Moraes afirmou que essa circunstância não diminui a gravidade dos impactos ambientais. O ministro lembrou que a Constituição não determina a construção de empreendimentos em terras indígenas como requisito para a ocorrência de danos.
"Caso o referido dispositivo constitucional seja interpretado de forma literal e restritiva, como proposto pelos recorrentes, admitir-se-ia o absurdo de considerar constitucional a realização de empreendimento que, por não estar incluído em terras propriamente indígenas, venha a torná-las inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudicar drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam na região", esclareceu.
Ainda cabe recurso à decisão do ministro Alexandre de Moraes.
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