Lisboa — Se, no Brasil, as comemorações dos 200 anos da independência estão restritas, tendo na exposição do coração de Dom Pedro I o principal evento, em Portugal, a data será celebrada em várias partes do país, com programações para todos os gostos. A festança está espalhada pelos principais centros econômicos, políticos e pensantes do território luso — Lisboa, Porto, Cascais e Coimbra —, mobilizando governos, universidades, setor privado e artistas.
Há, em Portugal, uma visão estratégica em relação à sua ex-colônia. Os brasileiros são hoje a maior comunidade estrangeira na terra de Cabral. Somam mais de 250 mil cidadãos registrados oficialmente, mas que podem chegar a 400 mil quando incluídos os que estão na informalidade e aqueles com dupla nacionalidade.
Um dos cardápios mais robustos foi preparado pelo Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe), cuja programação começa neste domingo (4 de setembro) com um encontro entre o cantor português António Zambujo e o músico brasileiro Yamandu Costa. De segunda (5/9) e sexta-feira (9/9), estão previstos debates entre autoridades e acadêmicos do Brasil e de Portugal — entre eles, os ministros do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. A lista inclui ainda projeções de fotografias do premiado Sebastião Salgado sobre a Amazônia, a Orquestra de Câmaras de Cascais e Oeiras e uma série de manifestações culturais.
Para o Fibe, presidido pelo professor Vitalino Canas, é fundamental comemorar o bicentenário da independência e refletir sobre os desafios de aumentar e melhorar a integração entre os brasileiros e do Brasil com Portugal. “Há 200 anos, a independência brasileira teve características marcantes e peculiares no cenário internacional e de época. Não envolveu uma ruptura contra seu antigo colonizador tão comum em outras colônias. Não houve a fragmentação do território, da organização política e da língua, mas é inegável que se pagou um preço alto, inclusive ao acabar com diferentes rebeliões regionais e se manter a escravidão por décadas”, ressalta a entidade.
Na avaliação do Fibe, 200 anos depois, a sociedade e a economia brasileira e mundial atravessam um período de transformações radicais, provocadas, entre outras coisas, pela revolução digital, pela pandemia, pelo desequilíbrio ambiental, pela guerra entre Ucrânia e Rússia, pelas desigualdades sociais e pelas ameaças à democracia. Diz o Fórum: “Alguns desafios brasileiros ainda não foram superados e surgem outros, e imensos, para tornar uma nação independente e integrada. Espera-se uma nação, uma sociedade e uma economia mais sólidas e justas do que hoje ou do que há dois séculos”.
Brasília e as mulheres
A Embaixada do Brasil em Lisboa optou por comemorar os 200 anos da independência ao som da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, com shows marcados na capital portuguesa, no Porto e em Coimbra. No repertório, obras de Dom Pedro I — ou Dom Pedro IV para os portugueses. As músicas compostas pelo imperador brasileiro também serão peças centrais de dois concertos sob a batuta do maestro Ricardo Bernardes, um, em outubro, outro, em janeiro de 2023. Na LX Factory, o Espaço Talante, comandado pelo ator Antonio Grassi, terá o Sete de Setembro marcado pela leitura de um trecho da premiada peça “Colônia”, de Gustavo Colombini, e por exposições de obras de René Machado, Thiago Gadelha e Ícaro Lira, além de videoarte com Eduardo Fukushima, August Severin, Laura Vinci e Joana Porto.
Em Coimbra, os olhos estão voltados para a exposição sobre a importância das mulheres no processo de formação do Brasil, antes e depois da chegada dos portugueses. Segundo disse o curador da mostra, Wagner Merije, o conjunto das obras aborda diversas questões dentro do universo temático do feminino e convida o público a pensar e a debater o passado, o presente e o futuro. A exposição “Vida, amor e dor: as mulheres na construção do Brasil”, que pode ser vista até 2 de outubro no Centro Cultural Penedo da Saudade, tem obras em diversos formatos e suportes, como colagens analógicas, impressões digitais em tecidos, prints, pinturas e cerâmicas, de autoria das artistas Lia Testa, Cláudia Costa e Juliana Leitão Marcondes.
Em 14 de setembro, está marcada a estreia da exposição “Brasília — da utopia à capital”, com curadoria de Danielle Athayde. A mostra já percorreu 11 países e chega a Lisboa carregada de expectativas. “São mais de quatro toneladas de objetos, documentos, fotos, relatos históricos de como se construiu a cidade que, com apenas 27 anos, foi tombada como patrimônio histórico da humanidade pela Unesco”, disse a responsável pelo projeto, que tem apoio do Correio. A exposição, que está no Museu Nacional dos Coches, poderá ser apreciada até 31 de outubro. A entrada é gratuita.
Em recente debate sobre o bicentenário da independência, o ex-primeiro-ministro português Cavaco Silva ressaltou que as relações entre Brasil e Portugal são muito especiais e estão acima dos governos de plantão. Para ele, as comemorações que ocorrem nos dois países devem ser vistas como um marco para incrementar a cultura e as trocas comerciais, pois os dois lados têm muito a ganhar. Na avaliação de Miriam Saraiva, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj), os últimos anos foram marcados pelo distanciamento entre Brasil e Portugal, contudo, é possível virar esse jogo se houver vontade política dos dois lados.
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