Um casarão no estilo eclético de influência art noveau chama atenção de quem passa pela rua Varginha no Bairro Floresta, na Região Leste de Belo Horizonte. Não são raras as pessoas que param para conhecer o Castelinho da Floresta.
A reação de alguns é de espanto quando descobrem que, no local, funciona o Centro Pop Miguilim, um serviço especializado para criança e adolescente em situação de rua vinculado à Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte.
"Alguns munícipes passam aqui, ficam encantados com o prédio, o imóvel, e, quando contamos que atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, ficam assustados. 'Como assim? Um castelo desse para crianças e adolescentes em situação de rua?'", relembra o coordenador do Centro Pop Miguilim, Reinaldo Santos Salgueiro.
O casarão que já esteve abonado por 15 anos, atualmente está em pleno vapor. Somente no período da pandemia, foram realizados 8,6 mil atendimentos e 15 mil acessos de jovens e adolescentes que passaram pelo local.
Depois de um risco de o serviço se descontinuado, o Miguilim foi instalado, em 2016, no Castelinho de 104 anos, tombado pelo patrimônio histórico. O casarão foi tombado, reformado e cedido ao poder público"É um prazer estarmos neste castelo muito conservado, aconchegante, oferecendo as atividades com muito respeito a essas crianças", pontua Reinaldo.
O Castelinho com quatro pavimentos já foi local de moradia. "O italiano Luiz Olivieri veio conhecer Belo Horizonte e gostou muito do clima e construiu esse imóvel para ele. Até 1950, ficou como moradia. Depois, até meados de 1990, funcionou como hotel. Foi desativado e, nesta época, foi atingido por um incêndio. A MRV comprou, reformou e repassou para o município."
A arquitetura reflete a metologia do Miguilim, trazer beleza para o atendimento de jovens, apostando que é o caminho para ressocializá-los como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Logo na entrada, os muros com pinturas coloridas e o jardim bem cuidado dão pistas do que tem no interior do Castelinho.
As dependências passaram a receber um número cada vez maior de adolescentes em decorrência do aumento da pobreza no Brasil. "Na pandemia, sabíamos que a conta viria. Durante a pandemia, o impacto socioeconômico familiar foi muito grande", diz. Eles registraram um aumento de 200% no número de acesso em 2021 em relação a 2020.
Retomar o vínculo com a família
O projeto tem como propósito fortalecer o vínculo da criança e do adolescente com a família para que ela possam sair da rua e voltar para a casa.
"O nosso diferencial é o olhar para a criança e o adolescente: a ótica da atenção integral. Está precisando de saúde? Está precisando um investimento em educação? Precisa de um acompanhamento mais detalhado? Uma atenção individualizada? Então, ofertamos esses serviços, amarrando sempre com o fortalecimento de vínculo com a família e a comunidade", explica Reinaldo.
O jovem F.H.S, de 15 anos, sente-se no próprio lar quando chega ao Castelinho. Ele veio de Ecoporanga (ES) com o pai frequenta o Miguilim diariamente. "Venho aqui quase todos os dias. Aqui é 'pela ordem'. Gosto de ver televisão, mexer no computador", diz.
O sonho dele é ser cientista. "Eu queria ser cientista. Ser cientista é 'pela ordem'.", diz o jovem que quer voltar a estudar. Outro desejo é ter um veículo. "Queria ter um carro ou uma moto. Só não penso em um avião, porque é um sonho muito alto."
De Frida Kahlo à Basquiat
Pinturas em quadros, que ocupam boa parte do pé direito do imóvel,estão na primeira sala do casarão. São releituras de pinturas clássicas, como a Monalisa de Leonardo da Vinci, ou autorretrato de Frida Kahlo, ou um dos famosos quadros de Jean-Michel Basquiat. Há cores e vida por todos os lados, uma aposta dos educadores do Miguilim, como o músico Bodô Alcântara, que acreditam que arte pode transformar.
"Nosso carro-chefe são as atividades socioeducativas com as artes, música, pintura. Também fazemos passeios orientados e o atendimento psicossocial. É a atenção integral à criança e ao adolescente", diz Reinaldo.
E o espaço ainda conta com uma biblioteca, com inúmeros livros, que ficam ao alcance das mãos de crianças e adolescentes. No último pavimento está equipada uma sala para o atendimento psicossocial.
No centro do salão, uma miniautrua de comunidade de favela em riqueza de detalhes. A obra "Minha comunidade cabe em uma maquete" foi idealizada pelo educador Sérgio Rosa e construída pelos jovens. "Quando a gente vem para o centro a gente vem com nossa cultura e nossa ótica, de acordo com nossa representatividade e identidade", avalia.
A gerente de projetos sociais da Adra, entidade que gerencia o espaço, Daiane Arantes, destaca a importância do Centro Pop Miguilim para crianças e adolescentes tenham proteção integral. "Dentro das ações desenovidas aqui, temos as artística. A maquete foi construída por várias mãos, dos meninos e meninas que aqui são acolhidos. Partimos do olhar do território onde eles vivem para que haja esse pertencimento."
Refeições diárias
Da cozinha vem o cheiro bom da comida preparada pela cozinheira Edna Maria de Morais. No almoço da sexta-feira (19/08), arroz, feijão, macarronese, salada, frutas e suco de limão com inhame.
"É um serviço presencial, essencial. Servimos desde o café da manhã até o jantar. São quatro refeições diárias",conta Reinaldo. Para muitas crianças, o Centro Pop Miguilim é a única opção para se ter uma refeição no dia.
Os jovens também podem tomar banho, escovar os dentes e fazer a higiene pessoal. Passam pelo Castelinho, cerca de 30 adolescentes por dia. "A gente respeita muito como cada um deles chega aqui com a sua história de vida, trazendo esse plano individual de atendimento para que ele possa desenvolver autonomia, aptidões e habilidades e superar situações de vulnerabilidade", conclui Reinaldo.
Os jovens são acompanhados por educadores. "O Centro Pop Miguilim é uma passagem durante o dia. Acompanhamos as crianças e adolescentes", afirma o educador social Paulo da Silva Arcanjo.