Em teste desde 2020 em diversos aeroportos brasileiros, o projeto Embarque Seguro 100% Digital está perto de ser implantado no Aeroporto de Congonhas. A iniciativa une análise de dados e validação por biometria para que passageiros acessem voos domésticos sem a necessidade de apresentação de cartão de embarque. A ponte aérea Rio-São Paulo será a primeira do mundo com acesso por reconhecimento facial no check-in.
O aeroporto da capital paulista foi o primeiro a receber a tecnologia, que deve ter implantação definitiva até o fim do mês, segundo informou o Ministério da Infraestrutura. Com o novo equipamento, os terminais de Congonhas e Santos Dumont (no Rio de Janeiro) possibilitarão que viajantes que estiverem em voos com embarques biométricos e optarem pelo uso da tecnologia necessitem apenas da imagem de seus rostos para fazer check-in e acessar salas de embarque e as aeronaves.
O principal objetivo do governo federal com a adoção da tecnologia é tornar o embarque mais seguro e ágil. Quando começou a testar a novidade, em outubro de 2020, foram estabelecidos como indicadores a redução no tempo nas filas e no acesso à sala de embarque e à aeronave, além de reduzir os custos de operação. A fase de implementação foi iniciada em setembro passado.
A fase de testes mostrou que a tecnologia reduziu o tempo médio do embarque no avião de 7,5 segundos para 5,4 segundos por passageiro, o que corresponde a um ganho de 27%. No entanto, o sistema e os procedimentos tradicionais de check-in e embarque continuarão disponíveis para os clientes que preferirem manter o protocolo tradicional de apresentação e conferência dos documentos.
"Já testamos em 6 mil embarques em sete grandes cidades do país, e isso permite dar novos passos em direção a essa tecnologia. Vai trazer mais segurança, confiabilidade, agilidade e eficiência na hora de embarcar. Vai ser muito mais simples e prático. A partir do dia 25, todos poderão embarcar de forma facultativa utilizando a biometria na ponte área Rio-São Paulo", disse o ministro de Infraestrutura, Marcelo Sampaio, em visita para conferir a implantação do sistema em Congonhas, ontem.
A inserção da tecnologia no cotidiano dos aeroportos é vista com bons olhos pelo especialista em tecnologia e inovação Arthur Igreja. "É conveniente, fluido, rápido, dá celeridade e maior flexibilidade também em horários de alta demanda", avalia. Igreja, porém, ressalva que a adoção de novas tecnologias leva tempo. "Esse processo necessita de uma curva de aprendizado, inúmeros usuários vão se sentir perdidos e precisarão de ajuda. E, certamente, fica ainda a questão da invasão de privacidade, se os dados estão sendo usados estritamente para validação de acesso. Em diversos países, o reconhecimento facial tem sido muito questionado. Teremos que monitorar e acompanhar qual será a percepção das pessoas na utilização do novo sistema no Brasil."
Funcionamento
O sistema de reconhecimento facial a ser implantado nos aeroportos compara as principais características faciais, como a distância entre os olhos, com as de uma imagem previamente capturada e armazenada no banco de dados. A tecnologia permitirá a checagem rápida das informações dos passageiros nessas bases de dados oficiais.
A biometria facial será usada em duas etapas. Primeiro, no acesso à sala de embarque, onde os totens farão a leitura da face e irão comparar as informações de cadastro do passageiro e a existência do cartão de embarque válido. A segunda etapa ocorrerá no portão de embarque, no momento de ingresso na aeronave.
Para utilizar o sistema nesse momento, o usuário precisa apresentar documento biométrico válido (CNH digital ou título de eleitor digital); passagem aérea e acesso ao canal de cadastramento e validação biométrica da companhia aérea. Além disso, o passageiro deverá aceitar os termos da Lei Geral de Proteção de Dados (LPGD) — o que deve ser realizado a cada novo voo.
A advogada e professora de Direito, Inovação e Tecnologia do IDP Tainá Aguiar Junquilho lembra que especialmente o reconhecimento facial é compreendido como dados sensíveis, pois podem gerar perseguições, preconceitos e serem utilizados contra minorias. "Há uma grande preocupação, sim, em termos da segurança, em especial, porque isso pode usar dados que sejam enviesados, para outras finalidades pelos departamentos da Polícia Federal”, alertou.
Além disso, a advogada explica que, com base na LGPD, o consumidor tem direito a revogar seu consentimento à concessão desses dados a qualquer momento e, para tanto, o governo precisará disponibilizar um canal. “É necessário que a qualquer momento o passageiro que consentiu em algum momento gratuitamente exija o seu direito de revogar este consentimento e pedir a eliminação desses dados”, frisou.
A advogada especialista em direito digital Elaine Keller explica que, sob o ponto de vista da proteção de dados pessoais, ainda não é possível afirmar que é seguro o uso em larga escala do reconhecimento facial. “Não temos uma regulamentação dedicada ao tema no Brasil. Já sob o prisma da LGPD estamos falando de dados sensíveis que só deverão ser tratados quando houver garantias de que não ocorrerão incidentes de discriminação por falha nos algorítmos”, explicou. A especialista orienta que, antes da implementação da tecnologia, a sociedade cobre por uma regulamentação. “Assim será possível uma fiscalização efetiva e segurança jurídica dos passageiros”, concluiu.
O professor da Fundação Vanzolini e especialista em cybersegurança Marcos Barreto ressalta que tanto o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) quanto a Infraero já são entidades que têm longa trajetória no mercado, e que já possuem acesso a dados dos passageiros. “Os dados envolvidos, como nome, CPF e a própria foto, são dados que já existem no Serpro, porque estão nos documentos oficiais. A foto, no momento do embarque, é tirada por um dispositivo operado pelo agente do embarque, e aparentemente é um dispositivo do sistema da Infraero e Serpro, ou seja, vai direto para o sistema deles, sem passar pelas próprias companhias aéreas”.