Um estudo divulgado ontem revelou que cerca de 23% da população brasileira que vivia em metrópoles, em 2021, se encontrava em situação de pobreza. O número, que representa quase 20 milhões de pessoas, é o maior da série histórica desde 2012. Outra estatística que também registrou recorde durante o período foi a de indivíduos na faixa de extrema pobreza. De acordo com a pesquisa, mais de 5 milhões de brasileiros, o que corresponde a 6,3% dos residentes dos grandes centros urbanos, estavam entre a parcela mais vulnerável da população.
Os dados são resultados de um trabalho feito em colaboração por três instituições nacionais — o Observatório das Metrópoles do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL) — e foram compilados no nono boletim Desigualdade nas Metrópoles.
Para as análises, foram utilizadas estatísticas anuais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 20 Regiões Metropolitanas entre os anos de 2012 e 2021. Segundo o boletim, uma das vantagens da Pnad é que ela traz informações de outras fontes de renda mensal per capita das famílias brasileiras, para além dos rendimentos de empregos, como auxílios de programas sociais, aposentadoria, seguro-desemprego, entre outros. Atualmente, quase 40% da população brasileira, ou mais de 80 milhões de pessoas, vivem em alguma das regiões metropolitanas do país.
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Crise
Segundo o professor Andre Ricardo Salata, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, os números podem ser explicados por quatro fatores principais. "Além da crise de 2014, do enfraquecimento das políticas públicas e do choque da pandemia, tem outro fator importante: a inflação. Em 2021, você teve um impacto da inflação que interrompeu a recuperação da renda das famílias brasileiras. Além disso, em 2021, tivemos a decisão do governo de interromper o auxílio emergencial de forma abrupta", disse.
De acordo com a socióloga da Universidade de Brasília (UnB) Hayeska Barroso, a pandemia representou não apenas uma crise sanitária, mas também social e econômica, que afetou classes sociais de diferentes formas. "As crises tendem a tolher as próprias condições de vida da população mais pobre, e ali está em jogo viver ou morrer literalmente de fome, fazer uma refeição por dia ou fazer uma refeição sem ter a certeza do que vai comer a próxima. Isso não alcança, por exemplo, os mais ricos", afirmou.
Em relação à pandemia, o pesquisador Andre Salata destacou a importância do auxílio emergencial, que, segundo ele, "segurou" a desigualdade social em 2020: "A situação piorou muito em 2021, devido à interrupção do auxílio, que volta depois, mas com valores reduzidos, por isso vemos um salto (da taxa de pobreza)."
A pesquisa ainda mostrou que mais da metade das pessoas em situação de extrema pobreza, isto é, 3,1 milhões de indivíduos, passou a integrar essa condição nos últimos sete anos. Desse total, 1,6 milhões foram apenas em 2021. O rendimento médio das famílias brasileiras também foi muito impactado durante esse período, sendo o menor desde 2012: R$ 1.698. A parcela mais pobre da população dos grandes centros urbanos do Brasil, que corresponde a 40% do estrato social, possui rendimento médio inferior a um salário mínimo, com apenas R$ 396,10.
Desigualdade regional
Os índices também escancaram uma desigualdade regional no país. Nas regiões metropolitanas do Norte e do Nordeste do Brasil, mais de um terço da população vive em situação de pobreza, com exceção apenas de Fortaleza e Natal. Na Grande São Luís e em Manaus, 40% das pessoas vivem na camada mais vulnerável da sociedade.
De acordo com Salata, a taxa de pobreza responde por dois fatores: primeiro, pelo volume de recursos, ou seja, o quão rica é uma metrópole, e, segundo, o quão bem ou mal essa cidade distribui seus recursos. Para ele, é possível compreender o contexto das regiões Norte e Nordeste quando analisadas essas questões. "Nessas regiões, você tem uma renda média mais baixa, e, além disso, uma pior distribuição de renda, ou seja, uma desigualdade maior. Quando você junta esses dois fatores, o esperado é que você tenha taxas de pobreza maiores. A estrutura econômica dessas localidades contribui para isso", explicou.
A pesquisa Desigualdade nas Metrópoles também delineou a concentração de renda no Brasil. De acordo com dados do boletim, em 2021, 10% dos mais ricos ganhavam, em média, 19,1 vezes mais do que os 40% mais pobres do país. Essa foi a maior razão de rendimento médio entre os estratos sociais da série histórica de 2012 até o ano de 2021.
Outro dado relevante, o coeficiente de Gini — índice, que, quanto mais próximo de 1, mostra maior desigualdade social — atingiu 0,565 para o conjunto das regiões metropolitanas do país. Em 2014, esse número era de 0,538.
Para Salata, entender as metrópoles é fundamental para entender o Brasil. "Elas têm um peso político e econômico muito relevante. Estamos falando das regiões mais ricas, mas vemos indicadores sociais muito negativos, como os que a gente vem destacando nos nossos boletins", afirmou.
Hayeska Barroso também destacou que para entender o empobrecimento da população urbana é preciso entender o desenvolvimento dos grandes centros. "A gente tem que voltar algumas casas dentro do processo histórico para poder entender quais são as condições sociais, históricas, políticas e culturais de formação das cidades no Brasil, que é marcada por um desenvolvimento desordenado, por um processo de ocupação e de estabelecimento de moradias também de maneira desordenada", argumentou.
"A gente não tem um acompanhamento no mesmo ritmo da garantia das condições de vida e de políticas sociais que deem conta de atender as demandas dessa população urbana", completou ela.