Violência

Traumas do cárcere privado

Assistentes sociais que estiveram no Hospital Municipal de Rocha Faria, no Rio de Janeiro, relataram que o casal de filhos, de 19 e 22 anos, do homem que manteve a família em cárcere privado por quase duas décadas, não consegue sequer caminhar sem ajuda e ainda precisam usar fraldas, por causa dos maus-tratos que sofreram. Em depoimento à polícia, a mãe dos jovens declarou que sempre foi agredida pelo marido, Luiz Antônio Santos Silva, de 49 anos, ao longo dos mais de 17 anos em que ele manteve a família presa. "Você tem que ficar comigo até o fim, se você for embora, só sai daqui morta", ameaçava o marido, segundo narrou a mulher.

Na perícia feita no sábado, cães farejadores da Polícia Civil encontraram material biológico na casa em que a família era mantida em cativeiro. Os agentes suspeitam que possa ser de um corpo em decomposição e, por isso, passará por análise do Instituto de Criminalística.

Luiz Antônio Santos Silva foi indiciado pelos crimes de cárcere privado, tortura e maus-tratos. Ele está preso preventivamente. A delegada da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) pretende ainda indiciá-lo por abuso psicológico.

De acordo com a advogada criminalista Luisa Muchon, o caso se enquadra na forma mais grave do crime de cárcere privado. "Quando resulta em sofrimento físico, moral, psicológico — que é o que aconteceu com a mulher e seus filhos — é enquadrado na modalidade mais grave de reclusão."

Para Muchon, tanto a Polícia Civil do Rio de Janeiro quanto o Ministério Público poderiam ter agido mais cedo. "Me parece que cada instituição foi lançada à sorte da outra, cada uma ficou esperando a outra tomar providências e nada fizeram. Entendo, sim, que houve uma inércia estatal", disse a advogada. As corregedorias de ambas instituições abriram investigações para apurar o caso.

Hayeska Costa, doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), não tem dúvida de que o Estado brasileiro falhou. "Falha na capacidade do Estado de atuar conjuntamente com políticas setoriais das mais diversas, como justiça, segurança, e educação. Houve múltiplas violações de direitos. O que podemos observar, nesse caso, é a sobreposição de violações."

Ontem, a Secretaria Municipal de Assistência Social iniciou uma campanha para arrecadar recursos para a família.