Implantadas no Brasil na segunda metade da década de 1990, as urnas eletrônicas têm sido alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro e de parte de seus apoiadores nos últimos anos. No encerramento da série de reportagens sobre o voto em papel, o Estado de Minas discute o cenário em que os ataques ao atual sistema eleitoral se proliferaram.
Para Carlos Ranulfo, professor titular apo- sentado do Departamento de Ciência Política da UFMG e membro do Observatório das Eleições, a falta de provas sobre possíveis fraudes na urna eletrônica torna a discussão sobre a segurança do sistema eleitoral brasileiro um tema infrutífero.
“Só teria sentido você mudar o sistema se houvesse uma evidência de que ele tem problema. Não havendo evidência, não existe razão para discussão. Porque não há nenhuma evidência de fraude. Essa é a famosa discussão sobre o sexo dos anjos. É uma coisa que um setor bem reacionário da política brasileira colocou na pauta e isso aí fica rendendo”, aponta Ranulfo.
Para o doutor em Ciência Política, a incer- teza sobre as urnas, partida em grande parte por questionamentos feitos pelo presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), encontra eco em parte da população por uma característica de desconfiança arraigada nos brasileiros.
Como apresentado nesta série de reportagens, cerca de um terço do atual eleitorado brasileiro, mais de 50 milhões de pessoas, só participou de eleições integralmente realizadas em urnas eletrônicas. O número cresce para 54% dos eleitores quando se avalia quem votou a partir de 1996, quando aconteceu a primeira experiência com o equipamento no Brasil, em cidades com mais de 200 mil votantes.
Para Ranulfo, essa distância histórica também ajuda a explicar o sucesso de pautas que sugerem um retorno às técnicas usadas há quase 30 anos. “Boa parte das pessoas hoje não conhece o que era o voto impresso, né? Então, acha que o mundo começou no voto eletrônico, e não sabe como era complicado. É que nem esquecer o que foi a ditadura militar.”
Auditoria
Propostas recentes incluem o retorno do papel como forma de auditoria das eleições. A Proposta de Emenda à Constituição 135/19, conhecida como PEC do Voto Impresso, rejeitada pela Câmara dos Deputados no ano passado, previa que as urnas eletrônicas imprimissem um comprovante do voto, que seria depositado em uma urna. Caso algum candidato suspeitasse do resultado das eleições, seria possível fazer a contagem dos papéis.
Para Edson Resende de Castro, membro auxiliar da Procuradoria-Geral Eleitoral e coordenador eleitoral do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a medida é um retrocesso aos problemas causados pela contagem manual de votos.
“Imagine que teve a votação eletrônica e o resultado foi X. Um partido não se conforma e quer conferir. Quando vai conferir, a gente tem a volta ao passado, que é jogar aqueles votos todos em cima da mesa e sair contando um por um, naquela mesma problemática. Seria trazer do passado esse cenário e colocar de volta, com toda aquela possibilidade de erros e de fraudes. Alguém vai dizer ‘é uma forma de conferir’, mas nós criaríamos uma forma de conferir que já se mostrou ineficiente, problemática, fraudulenta, sujeita a erros. Outra questão seria: qual contagem vai prevalecer? A primeira, eletrônica, ou a segunda, manual?”, questiona o promotor.
Quem trabalhou na coordenação das eleições manuais e nas eletrônicas também tem dificuldade em entender as propostas que pedem o retorno do papel aos pleitos brasileiros. As servidoras aposentadas do TRE-MG e ex-chefes de cartório eleitoral Raquel Lott e Adriana Fulgêncio contam, com bom humor, como reagem quando o tema vem à tona.
“O que eu falo para a pessoa é que, na hora em que tiver que ligar para alguém em 2022, você procure uma fichinha, ache um orelhão, vai lá e liga. É isso. Não tem cabimento voltar para a votação manual, não tem cabimento”, afirma Raquel Lott. “Eu fico brava quando alguém fala contra a urna, mas eu fico muito brava mesmo. É como se falassem de um filho meu”, complementa Adriana Fulgêncio.
NOVO MODELO DE EQUIPAMENTO
Um novo modelo de urna eletrônica será inaugurado nas eleições de 2022. De acordo com o TSE, o novo equipamento tem um processador 18 vezes mais rápido do que o modelo anterior e o teclado terá uma tecnologia que acusa possíveis erros de mau contato ou curto-circuito. Além disso, foram implantadas tecnologias para a acessibilidade, como a possibilidade de cadastro de um nome fonético e a apresentação de um intérprete de Libras na tela da urna.
O TSE ressalta que as urnas permanecem sem qualquer dispositivo que permita acesso à internet ou bluetooth e o código-fonte segue sendo disponibilizado e inspecionado por entidades públicas, universidades, partidos e pela sociedade em geral.
Desde que foram criadas, em 1996, a Justiça Eleitoral adquiriu novas urnas em 1998, 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2009, 2010, 2011, 2013, 2015 e 2020, sempre seguindo rigorosos padrões.
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