Brumadinho e Itatiaiuçu – Três barramentos de até 85 metros de altura retendo um total de 5 milhões de metros cúbicos (m3) de rejeitos de minério de ferro (quase metade do que vazou de Brumadinho) se debruçam das montanhas da Serra Azul, tendo em sua área de estragos potenciais Itatiaiuçu, Brumadinho, dois trechos da BR-381 (Fernão Dias) e o abastecimento de água de mais de um terço da Grande BH.
Sem condições estruturais para receber Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) positiva, as represas de rejeitos de minério de ferro de Serra Azul (ArcelorMittal), Quéias (Emicon) e B1A Ipê (Emicon) são uma amostra de como a situação das barragens em Minas Gerais pode ser crítica, mesmo após alertas representados por desastres como os de Brumadinho (2019) e Mariana (2015).
De cada cinco barragens de dimensão ou conteúdo re- levante no estado, uma não entregou o atestado de estabilidade, o DCE, ou falhou na sua obtenção, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM).
Os dados são do Sistema de Gestão de Segurança de Barragem de Mineração (SIGBM) da ANM. Cento e sessenta e sete barramentos mineiros apresentaram este ano a documentação desenvolvida por corpo técnico próprio ou por peritos terceirizados atestando sua estabilidade pelo DCE. Contudo, três não enviaram a documentação até o prazo, que se encerrou em março. Pior ainda: 35 estruturas não reuniram condições para ser consideradas estáveis dentro dos parâmetros técnicos exigidos.
Sem um DCE ou não dotada dessa comprovação atestando estabilidade, essas 38 estruturas são automaticamente embargadas legalmente. Somadas, reservam um volume de 530 milhões de metros cúbicos, ou cerca de nove vezes a Barragem do Fundão, em Mariana (19 mortes) e 44 vezes a B1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (270 mortes). Os reservatórios que não entregaram a DCE somam 768.203,67m3 de volume, enquanto que as que não reuniram condições para o parecer de estabilidade têm 529 milhões de metros cúbicos.
Riscos semelhantes à comunidade, aos usuários da rodovia BR-381 (Fernão Dias) e aos 1,5 milhão de consumidores de água da Barragem Rio Manso, da Copasa, a 8,5 quilômetros de distância e abastecida por afluentes que podem ser atingidos onde a mineração Morro do Ipê opera, em Brumadinho, a Barragem Quéias e a Barragem B1A Ipê, que não atestaram condições para comprovar que são estáveis.
A maior e mais preocupante é a Quéias, a menos de um quilômetro da Fernão Dias e a 5,5 quilômetros da Barragem de Rio Manso. A estrutura de retenção de rejeitos de minério de ferro tem 15 metros de altura e comporta volume de 75.000m3.
Atualmente, está em nível 2 de emergência, segundo a ANM, por passar por intervenções, mas que não sanaram ainda os problemas. A 500 me- tros dela está a B1A Ipê, com 37 metros de altura e 22.460m3 de rejeitos de minério de ferro. Esse barramento está em nível 1 de emergência, o que significa que precisa passar por intervenções para se tornar estável.
O terreno do bacharel em direito Luiz Fernando Barbosa de Araújo Abreu, de 53 anos, é vizinho das barragens B1A Ipê e Quéias, e a falta de informações é o que mais gera insegurança para ele e outros moradores. “A gente nunca tem informações sobre a estabilidade dessas barragens. Aí, não pode dormir direito sem saber se elas vão desabar em cima do que é nosso. A atividade em si já é um transtorno, soltando poeira, (explosões de) dinamites e deslocamentos de ar que fazem tremer a nossa casa”, disse.
Saiba Mais
O engenheiro, ambientalista e ex-superintendente do Ibama Júlio Grillo afirma que a situação é crítica. “Mais preocupante do que não conseguir atestar a estabilidade é a situação de mineradoras que se habituaram a não fornecer informações verídicas. Antes de Brumadinho, quem falava de risco era ridicularizado, pois todos os laudos atestavam estabilidade. Depois do rompimento, apareceram mais de 40 barragens em estado crítico. As minerações perderam a credibilidade”, critica. Segundo ele, o estado não está procurando saber se as informações são verdadeiras, e vidas correm perigo debaixo de estruturas sem garantia.
A reportagem procurou a Emicon Mine- ração e Terraplanagem por telefone, sem ser atendida, e por e-mail, também sem obter resposta. A atendente do escritório da mina sugeriu um contato pelo telefone 0800 da empresa, por meio do qual tampouco houve esclarecimento. A ANM também foi acionada, mas não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
Contenções como resposta à ameaça
Na mesma formação montanhosa, uma das mais preocupantes estruturas é a Barragem Serra Azul, da mina de mesmo nome, em Itatiaiuçu, na Grande BH, que atingiu o índice mais crítico de instabilidade dentro do conceito da ANM. O barramento de 85 metros de altura e mais de 5 milhões de metros cúbicos de rejeitos chegou ao nível 3, que representa risco iminente, como mostrou com exclusividade reportagem do Estado de Minas de 15 de março de 2022.
Uma situação tão grave que a mineradora removeu preventivamente os habitantes do Bairro Pinheiros, na chamada Zona de Autossalvamento (ZAS) – uma área em que são instaladas sirenes e placas orientando cada pessoa a escapar sozinha, já que não haveria tempo para outra intervenção em caso de desastre. Nessa circunstância, parar para auxiliar alguém pode ser uma sentença de morte. São locais em que não há condições de as equipes de socorro ajudarem nas evacuações a tempo em caso de rompimento. A mineradora também está construindo uma contenção para que os rejeitos que por ventura se desprendam em caso de colapso não cheguem aos locais mais críticos, como também mostrou com exclusividade o EM.
A 5 quilômetros da barragem, pouco abaixo do Bairro Pinheiros, está a rodovia mais movimentada de Minas Gerais, a BR-381 (Fernão Dias), ligação entre Belo Horizonte e São Paulo. Só no posto de contagem de veículos do município vizinho de Igarapé, a média é de 31.840 veículos passando diariamente, segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Os rejeitos, na hipótese de se comportarem como em Brumadinho, chegariam à rodovia em 2min30 após eventual ruptura da barragem.
A 12 quilômetros do reservatório, em nível crítico de emergência, se encontra a maior captação de água reservada da Copasa na Grande BH – o reservatório de Rio Manso, dimensionado para abastecer 35% da região, cerca de 1,5 milhão de pessoas. As águas retiradas e tratadas para a distribuição poderiam ser atingidas pela lama e os rejeitos de minério em cerca de 6min.
A ArcelorMittal, que opera a Barragem Serra Azul, admite que desde que a metodologia de parâmetros de estabilidade se tornou mais rígida, em 2019, a estrutura ficou abaixo dos índices mínimos exigidos.
“Desde então, a empresa optou por adotar, preventivamente, medidas de segurança superiores às exigidas pela legislação da época, tendo, inclusive, promovido a realocação preventiva da comunidade na Zona de Autossalvamento (ZAS), de modo a garantir total segurança das pessoas. A barragem da Mina de Serra Azul está desativada desde 2012, momento em que a empresa passou a adotar o método de empilhamento a seco para destinação de rejeitos de seu processo produtivo. A estrutura não apresenta anomalias ou alterações visuais que possam indicar risco de ruptura iminente”, informa a mineradora.
Segundo a companhia, a barragem é monitorada 24 horas por dia, sete dias por semana. A empresa afirma ter instalado uma série de novos equipamentos e tecnologias que tornaram mais preciso o monitoramento. "São monitorados o nível de água e a pressão interna em diversos pontos no interior da barragem por meio de piezômetros; as vibrações, pelos sismógrafos; a integridade da estrutura, por meio de câmeras de alta resolução, radar e imagens de satélites. Todos os indicadores se mantêm estáveis”, sustenta.
Um sistema de seis sirenes com acionamento automático está instalado na área que pode ser atingida. A construção de uma estrutura de contenção também está em andamento.
“Trata-se de uma grande barreira física próxima da área da barragem, para contenção dos rejeitos na hipótese de eventual rompimento. A obra utiliza estacas de aço encravadas no solo, concreto e pedras. Para garantir a segurança do Sistema Rio Manso e da BR-381, a empresa está construindo a Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ), que conterá os rejeitos na hipótese de haver o rompimento da barragem. Adicionalmente, planos de ações específicos para o período de construção da ECJ também foram acordados junto à Copasa e Arteris (concessionária que administra a BR-381), prevendo, entre outras medidas, a instalação de cortinas de retenção de sedimentos no reservatório, estudos de viabilidade técnica e temporal de captação alternativa emergencial e definição de rotas alternativas para o tráfego na região".
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