Ricardo Trevisan tinha 37 anos, uma vida profissional estável e realizada quando sentiu que faltava algo. Professor de arquitetura e urbanismo na Universidade de Brasília (UnB), gostava de transmitir conhecimento aos alunos. Apegado à família, convivia com os cinco sobrinhos e começou a desejar passar a sua experiência de vida para alguém, como via os dois irmãos fazendo. Foi nesse ínterim, e com o aval da família, que Ricardo decidiu adotar, em 2014, uma criança que tivesse entre zero e seis anos. Na época, o estado civil de solteiro não o impediu de ir em frente na decisão.
O processo iniciou enquanto estava sozinho, mas não demorou para que Jair, seu atual companheiro, embarcasse na ideia. "Informei que estava no processo de adoção e ele topou a ideia. Fiquei um ano fora, foi um relacionamento que começou à distância e, quando voltei, moramos juntos", conta Trevisan. Ainda assim, o processo continuou apenas no nome de Ricardo. Ele fez sozinho o curso de um mês de habilitação para a adoção. A orientação de permanecer apenas em nome de Ricardo foi dada pelos próprios agentes no processo, para não retroceder a vez na fila.
O processo todo durou três anos e meio. A princípio era uma criança apenas, mas em uma conversa com o companheiro, em janeiro de 2017, decidiram ampliar o processo para adotar uma dupla de irmãs — uma de 4 e outra de 6 anos, à época. A mudança acelerou a concessão: as meninas chegaram ao novo lar em outubro do mesmo ano. "Todo o processo foi tranquilo. Eu entrei como pai solteiro, mas mesmo com o outro pai, o processo foi regular, não teve problema nenhum e, na UnB, tive seis meses de licença paterna", relata.
O professor faz parte de duas estatísticas, ainda recentes no Brasil: a de homens solteiros e a de casais homoafetivos que entram na fila de adoção. No geral, de 2019 até 2021, houve uma tendência de aumento em todos os perfis para a adoção, subiram de 3.270 para 3.800 os pedidos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os dados deste ano ainda não foram consolidados, mas um dos destaques percebidos foram os 706 homens solteiros habilitados atualmente para a adoção. Não se sabe quantos destes são de fato pais solteiros, mas se esse dado for comparado à quantidade de casais homossexuais do sexo masculino interessados em adotar, percebe-se um significativo aumento. Ano passado foram 131 doações permitidas pela justiça — o primeiro perfil tem demonstrado maior interesse na questão.
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Mudança cultural
O diretor de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Fabio Francisco Esteves, pontua que o aparecimento de homens que chamam para si a responsabilidade da paternidade adotiva é uma mudança que acontece de uns 10 anos para cá, por isso acredita que irá demorar para o país obter um levantamento sobre essas informações. "De fato, a gente ainda tem uma cultura em transformação, estamos na mudança disso. Em termos legais, já superamos obstáculos, hoje não existe nenhuma discriminação em relação ao processo burocrático, há diversas formas de organização de família", assegura.
Ainda assim, uma demanda significativa de homens pedindo a adoção solo no Brasil é considerada uma surpresa entre especialistas. Nesse sentido, Diana Geara, que atua na Dotti Advogados, nas áreas de direito de família e sucessões e ministra a mesma disciplina em algumas universidades no Paraná, pontua que uma das causas para a entrega para a adoção é justamente o abandono da mãe, por parte do pai, no cuidado com a criança. "O número de mães solo é enorme, temos inúmeras crianças/adolescentes sem pais em seu registro civil e tantas outras com pais que apenas figuram no registro civil e não participam na vida de seus filhos", explica.
Porém, a advogada concorda que essa demanda — de homens heterossexuais e solteiros que buscam a adoção — pode estar relacionada com uma mudança social. "Há uma perceptível alteração no exercício da paternidade nos últimos anos. Homens mais presentes nas vidas de seus filhos e, inclusive, participando de forma mais adequada na divisão das tarefas cotidianas de seus filhos", contrapõe. No entanto, ela alerta a importância de não misturar a análise dos dois perfis relacionados aos homens. Para ela, esses são dados que devem ser estudados separadamente, principalmente sob vieses diferentes.
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