A polícia do Rio de Janeiro prendeu, ontem, Sabine Boghici por aplicar um golpe de R$ 725 milhões contra a própria mãe, a francesa Geneviève Boghici, de 82 anos. Ela é viúva de um grande negociante e colecionador de obras de arte no Brasil, o romeno Jean Boghici — morto por embolia pulmonar, em 2015. O caso aconteceu em 2021, na Zona Sul do Rio de Janeiro, mas a vítima só denunciou a filha em janeiro deste ano.
O crime foi registrado na Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade (Deapti). Por meio da operação Sol Poente Enganado, foram expedidos seis mandados de prisão e 16 de busca e apreensão. A polícia conseguiu recuperar 40% dos bens desviados da idosa. Além de Sabine, estão na cadeia Jacqueline Stanescos, Rosa Stanescos Nicolau e Gabriel Nicolau Traslaviña Hafliger, acusados de estelionato, roubo, extorsão, cárcere privado e associação criminosa. Duas pessoas ainda estão foragidas, entre elas, uma das videntes que participaram do esquema criminoso, Diana Rosa Aparecida Stanesco Vuletice.
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A trama
O golpe começou a ser engendrado quando Geneviève saiu de uma agência bancária, em Copacabana, em janeiro de 2020. Ela foi abordada por Diana, que se apresentou como vidente e alertou à senhora que a filha poderia morrer em breve porque estaria doente. Para dar mais credibilidade à história, convenceu a viúva a participar de uma sessão de "jogo de búzios" para ratificar a premonição. Depois, Diana levou Geneviève a outra vidente, também cúmplice do golpe, que receitou um trabalho espiritual. Houve ainda uma terceira sessão, com Rosa Stanesco Nicolau, conhecida como Mãe Valéria de Oxossi, que, em um jogo de cartas, repetiu a previsão de que a filha morreria. Em cada sessão, havia uma escalada de informações que assustaram a idosa, incluindo o argumento de que um "espírito ruim" acompanhava a filha e que seria responsável pela morte dela.
No trajeto de premonições, a vítima começou a desconfiar quando as videntes questionaram se, na residência de Sabine, havia objetos de valor. A suspeita aumentou quando elas cobraram R$ 5 milhões pelo valor do serviço. Geneviève procurou a filha para compartilhar a história e pedir a opinião. Sabine, então, orientou a mãe que pagasse imediatamente a quantia pedida pelas golpistas, em um enredo arquitetado pela própria filha, que mantinha um romance com Diana, segundo os investigadores.
Seduzida pela trama, a viúva começou a fazer transferências de dinheiro para a quadrilha. Depois, passou a desconfiar de que estava sendo vítima de uma armação e se recusou a continuar com os pagamentos. A partir de então, a filha montou um esquema para manter a mãe em cárcere privado. Afastou os empregados do apartamento onde a viúva morava, retirou o celular dela e passou a não alimentá-la. Ainda a ameaçou com uma faca. Passaram a frequentar o apartamento apenas os membros da quadrilha, de acordo com a polícia. A filha fez a mãe entregar ao bando 21 joias, três relógios de grife, avaliados em R$ 6 milhões, e 16 quadros de artistas renomados, como Di Cavalcanti e Alberto Guignard, além de obras de Tarsila do Amaral — O Sono, avaliado em R$ 300 milhões, e Sol Poente, R$ 230 milhões, que inspirou o nome da operação policial.
Duas obras — Elevador Social (1966), de Rubens Gerchman, e Maquete para meu espelho (1964), de Antonio Días — foram vendidas a Eduardo Constantini, em 2021, pelo galerista Ricardo Camargo. Os quadros tinham nas referências a filha da vítima como proprietária. As obras de arte são avaliadas em R$ 1,5 milhão cada e foram cedidas ao Museu de Arte Latino-Americana (Malba), em Buenos Aires, na Argentina. Em nota, o comprador diz que "eram compras de boa-fé e devidamente registradas".
A herdeira
Filha única do casal, que se apresenta nas redes sociais como artista, Sabine Boghici se formou em um colégio francês do Rio de Janeiro, participou do filme Amor de pet — Sabine e seus adoráveis bichinhos adotados e teve uma pequena atuação em um longa dirigido por Miguel Falabella, Polaroides Urbanas (2008). Também dizia que era cantora e que iria lançar um CD, que teria sido "perdido" no incêndio da cobertura dúplex em que moravam, em Copacabana.
Ativista da causa contra maus tratos de animais e fundadora de um centro de reabilitação de animais, Sabine concedeu algumas entrevistas a veículos de imprensa sobre o assunto. À Folha de S.Paulo ela contou como salvou duas cadelas e 14 gatos do incêndio na cobertura duplex, que destruiu não só o suposto CD de estreia como parte da vasta coleção de obras de arte do pai — a maioria, levada pela quadrilha.
De acordo com as investigações, a mãe foi convencida a pagar o tratamento espiritual sugerido pela vidente porque a filha sofria de síndrome do pânico e tinha laudos psicológicos de depressão.
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