O caso da mulher que foi mantida por 17 anos em cárcere privado com os dois filhos, no Rio de Janeiro, chocou o país inteiro. Agora, as investigações podem detalhar os horrores que as vítimas viveram durante o tempo em que foram torturadas e impedidas de ter contato com o mundo externo. Mas o caso não é exceção. Somente neste ano, foram registradas no Brasil 4.506 denúncias de cárcere privado no Disque 100, segundo dados cadastrados no painel do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O estado com maior número de casos é São Paulo (1.151), seguido por Rio de Janeiro (583) e Minas Gerais (456). De acordo com o painel, em 2021, foram 9.455 notificações dessa natureza.
Os resgatados do Rio de Janeiro foram levados para um hospital, devido aos ferimentos e a desnutrição severa. Eles ainda não têm previsão de alta. "Os três pacientes apresentam quadro de desidratação e desnutrição grave, porém já foram estabilizados e estão recebendo todos os cuidados clínicos necessários, além do acompanhamento dos serviços social e de saúde mental", informou a Secretaria Municipal de Saúde, por meio de nota.
O agressor é Luiz Antônio Santos Silva, marido e pai das vítimas, que está preso e deve responder por sequestro ou cárcere privado, agressão, maus-tratos e crime de tortura. O advogado criminalista Bruno de Oliveira Félix explica que, em caso de condenação, a situação possui diversos agravantes.
"Esse crime (cárcere), na forma simples, possui pena de reclusão de um a três anos. Contudo, pode ser de dois a cinco anos de reclusão quando a privação da liberdade perdura por mais de 15 dias, quando praticada com a finalidade sexual ou, ainda, se as vítimas forem pais, filhos, esposo ou convivente do criminosa", ressalta.
A mulher relatou à polícia que os três sofriam violência física e psicológica de forma permanente e que chegavam a ficar três dias sem comer. "A pena é de dois a oito anos de reclusão, caso a vítima sofra dano físico ou moral em razão do confinamento, o que quase sempre ocorre nesse tipo de crime. Além do crime de cárcere privado, é comum que outros ilícitos também sejam praticados contra a vítima, como o crime de tortura e maus tratos. Em relação ao crime de tortura qualificada, por exemplo, a pena é de quatro a 10 anos", explicou o criminalista.
No resgate, a vítima também contou que Luiz Antonio nunca permitiu que ela trabalhasse nem que os filhos frequentassem a escola. Entre os vizinhos, ele recebeu o apelido de DJ por colocar música alta para abafar os gritos de socorro vindos da casa. Os filhos têm 19 e 22 anos, mas possuem aparência infantil por causa da desnutrição.
Denúncia antiga
A Corregedoria-Geral da Polícia Civil do Rio informou que abriu um procedimento para investigar a atuação no caso, que já havia sido denunciado em 2020. A Polícia Civil e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) confirmaram a existência de registro na 43ª Delegacia de Polícia, de Guaratiba, e encaminhamento à 36ª DP, de Santa Cruz. Segundo a corporação, desde então, o inquérito foi enviado três vezes ao MP para providências, sendo a última em maio deste ano.
O criminalista Edson Vieira Abdala criticou a negligência dos órgãos de segurança. "É um retrato da nossa sociedade atual, em que o individualismo metodológico passa a ser a regra e o desinteresse absoluto pelo próximo acaba orientando todo o tecido social. É impossível que os vizinhos, parentes e pessoas próximas não tenham tomado notícias desse caso", observou.