Denunciada por submeter uma empregada doméstica a uma rotina de trabalho análogo à escravidão nos Estados Unidos, Margarida Bonetti, conhecida como ‘a mulher da casa abandonada’, deixou a mansão em que se manteve reclusa por duas décadas, em Higienopólis, São Paulo, após um tiro de arma de fogo atingir uma das janelas do imóvel.
O episódio foi revelado por Rosa Vicente de Azevedo, irmã da mulher, para a Polícia Civil de São Paulo, que investiga se Margarida foi vítima de abandono de incapaz, já que vivia em uma mansão sem sistema de esgoto, com entulho e lixo espalhados pelo lote. As informações são do UOL.
É a primeira vez em 20 anos que a mulher deixa o local após fazê-lo de moradia, em 2000, quando voltou ao Brasil para evitar ser indiciada e julgada pelo crime de agressão e de trabalho análogo à escravidão contra a ex-empregada — violência cometida entre o fim dos anos 1970 e o início dos anos 2000. O marido dela, Renê Bonetti, se manteve no país, foi condenado e cumpriu a pena de seis anos de prisão.
De acordo com Rosa, o tiro foi o estopim para Margarida abandonar o refúgio que a fez ficar livre do FBI por 20 anos. A história dela foi revelada no podcast jornalístico A mulher da casa abandonada, de Chico Felitti e promovido pela Folha de S.Paulo. Lançado em 8 de junho com episódios semanais, o trabalho de apuração sobre a peculiar mulher que transitava na rua da mansão com o rosto sempre coberto por uma pomada ganhou repercussão nacional.
Após a produção revelar que Margarida se mantinha isolada em uma mansão, sem manutenção, com entulho e lixo amontoados, em um bairro nobre de São Paulo, por estar fugindo do julgamento do crime que remete à escravidão, ouvintes passaram a se manifestar em frente ao local. Os muros da casa foram pichados com o termo “escravocrata” e faixas com a mesma conotação foram anexadas no portão da mansão, e era comum pessoas desferirem xingamentos contra a mulher, mesmo sem vê-la.
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“Em certo dia, ocorreu um disparo de arma de fogo que atingiu uma das janelas”, contou Rosa em depoimento prestado na segunda-feira (11/7). Margarida, de acordo com a irmã, não foi ferida no ataque e decidiu deixar o local logo após o episódio, “pois está temerosa pela sua vida e integridade física”.
Rosa não informou a data da saída de Margarida do local, mas, em 3 de julho, o Instituto Luisa Mell entrou na mansão para resgatar duas cadelas que viviam no local, consideradas vítimas de maus-tratos, e a mulher da casa abandonada não estava mais no local. “A dona foi embora”, declarou, na ocasião, um dos voluntários da ONG que resgata animais em situação de risco.
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Polícia investiga se mulher foi abandonada pela família
O inquérito iniciado pela Polícia Civil de São Paulo foi instaurado na primeira semana de julho após, de acordo com a corporação, receber ligações da vizinhança com denúncias de que morava na mansão “uma pessoa que apresenta problemas de saúde mental e que estaria necessitando de ajuda”.
No boletim de ocorrência da corporação, consta uma visita feita por agentes. “A residência está em estado de abandono, com vasta vegetação cobrindo a entrada do imóvel, que estava fechado. Porém, foi possível perceber que havia uma luz acesa. No entanto, ninguém atendeu a investigação”, diz trecho do documento.
Ao UOL, o delegado que investiga o caso, Roberto Monteiro, afirmou que se a mulher está dentro da casa “sem água, sem esgoto e em situação precária”, “supostamente houve abandono por parte da família”.
A polícia intimou o filho e a irmã de Margarida para prestar depoimento sobre o crime de abandono de incapaz e se a mulher tem algum distúrbio psiquiátrico. No depoimento desta segunda-feira (11/7), Rosa negou qualquer “problema de ordem mental” e disse ser responsável pelo sustento de Margarida, como a manutenção da alimentação, compra de roupas e calçados e a liberação de dinheiro para compras e locomoção.