Amazônia

Cientistas travam corrida contra o tempo diante de devastação da Amazônia

Uma expedição organizada pelo Greenpeace com 15 cientistas como Farroñay desembarcou no local no começo de junho para fazer um inventário da fauna e da flora e atender a uma antiga demanda das comunidades tradicionais que vivem às margens do rio

Em uma área de selva remota e ainda preservada da Amazônia brasileira, uma expedição científica cataloga há dias a biodiversidade e busca novas espécies. O tempo é curto.

"O ritmo de devastação é maior do que o ritmo de conhecimento", diz Francisco Farroñay, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), antes de fazer uma incisão na casca de uma enorme árvore e cheirar o seu interior.

Os temores desse jovem botânico peruano se baseiam em duas realidades conflitantes: enquanto a maior floresta do planeta é devastada pelo desmatamento e por incêndios provocados para o agronegócio, a mineração e o tráfico ilegal de madeira, sua biodiversidade infinita permanece sendo um grande mistério para a ciência. "É uma luta contra o tempo", assinala Farroñay.

Para chegar a esse local no sul do Amazonas, considerado o mais preservado dos nove da Amazônia Legal, pode-se pegar um pequeno avião de Manaus, sobrevoar centenas de quilômetros de manto verde com rios sinuosos até o município de Manicoré, de quase 50.000 km², e fazer um trajeto de cinco horas de lancha pelas águas negras do rio de mesmo nome, em meio aos igapós.

Uma expedição organizada pelo Greenpeace com 15 cientistas como Farroñay desembarcou no local no começo de junho para fazer um inventário da fauna e da flora e atender a uma antiga demanda das comunidades tradicionais que vivem às margens do rio: tornar-se uma Região de Desenvolvimento Sustentável (RDS), categoria de unidade de conservação que serve para coibir os crescentes crimes ambientais em seu entorno.

MAURO PIMENTEL / AFP - Uma visão de drone do rio Manicore, nas profundezas da floresta amazônica, estado do Amazonas
MAURO PIMENTEL / AFP - Uma visão de drone do rio Manicore, nas profundezas da floresta amazônica, estado do Amazonas
MAURO PIMENTEL / AFP - Avanços na bioeconomia permitirão novos formatos de negócios com produtos da Floresta Amazônica
MAURO PIMENTEL / AFP - Uma visão de drone do rio Manicore, nas profundezas da floresta amazônica, estado do Amazonas
MAURO PIMENTEL / AFP - Uma visão de drone do rio Manicore, nas profundezas da floresta amazônica, estado do Amazonas

Durante semanas, especialistas em mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes adentraram a selva para colher amostras de plantas e detalhar o comportamento de animais, para o que instalaram câmeras e microfones.

Saiba Mais

'Nunca iremos conhecer'

Ironicamente, no papel de jornal que uma botânica do grupo usa para prensar uma flor, pode-se ler a manchete "Aumento da exploração de madeira no Amazonas", sobre uma foto de dois caminhões deixando a floresta carregados com troncos enormes.

“A maioria das espécies de plantas da Amazônia está distribuída por áreas reduzidas. Se desconhecemos 60% das espécies de árvores, qualquer região desmatada elimina uma parte da biodiversidade que nunca iremos conhecer”, ressalta o pesquisador do Inpa Alberto Vicentini.

Segundo um estudo do Mapbiomas divulgado em setembro passado, a Amazônia perdeu 74,6 milhões de hectares de vegetação original entre 1985 e 2020, uma área equivalente ao território do Chile. O fenômeno se agravou durante o governo de Jair Bolsonaro, que ambientalistas acusam de promover o desmatamento dessa floresta vital para frear as mudanças climáticas, com suas políticas e a retórica em favor do agronegócio, de fazer vista grossa para os infratores e de cortar recursos das agências de controle ambiental, como o Ibama e o ICMBio.

Desde que Bolsonaro assumiu o cargo, em 2019, o desmatamento médio anual na Amazônia brasileira aumentou 75% em relação à década anterior, segundo cifras oficiais.

"Além disso, vivemos um momento de negação da ciência, como vimos com a pandemia no Brasil, um obscurantismo tremendo. As instituições de fomento à pesquisa no Brasil estão sendo atacadas pelas políticas deste governo, as universidades estão sofrendo muitos cortes", acrescenta Vicentini.

'Andando para trás'

Em outro ponto do Rio Manicoré, em cujas águas se refletem as copas das árvores alagadas nesta época do ano, uma canoa adentra lentamente um igarapé, braço de água cristalina que corre por dentro da mata fechada.

Desembarcam dela três biólogos especialistas em peixes, que mergulham com pequenas redes para estudar se os peixes dessas águas são diferentes daqueles do rio principal.

"Há lugares aonde ninguém nunca foi, não se tem ideia do que existe. Sem recursos para pesquisar, não temos as informações necessárias para explicar por que devemos preservá-los", explica Lucía Rapp Py-Daniel, doutora em Ecologia e Biologia Evolutiva.

A pesquisa perde recursos há uma década.

Em maio, as duas principais sociedades científicas do Brasil - a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) - alertaram que haverá neste ano um corte de quase 3 bilhões de reais.

"Deveríamos acelerar o ritmo de pesquisa para chegar a tempo, antes da destruição, mas estamos andando para trás", lamenta Lucía.

Saiba Mais