Entre junho de 2021 e março deste ano, o número de clubes de tiro ativos no país subiu de 1.458 para 2.070, um crescimento de mais de 41% em apenas nove meses. Já entre junho de 2021 e maio passado, foram abertas 620 novas lojas para venda de armas. Os dados, coletados pelo Exército, ao qual cabe fiscalizar o comércio de armas e munições, foram reunidos pelo Instituto Igarapé — organização não governamental que se dedica ao estudo da violência e seus efeitos para a sociedade. Para especialistas e estudiosos do setor, tais números são alarmantes.
Esse avanço tem a ver com uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), defensor da ideia de que uma pessoa armada tem mais chances de enfrentar a violência. Além disso, em vários eventos dos quais participou enfatizou para sua base eleitoral que “povo armado jamais será escravizado”.
Segundo Michele Ramos, do Instituto Igarapé, há atualmente o total descontrole na compra de armas e munições. Ela salienta que a falta de levantamentos oficiais quanto à origem dos artefatos usados pelo crime dificulta o dimensionamento do real tamanho do problema.
Isso se confirma, conforme observa Michelle, por meio de recente estudo do Instituto Sou da Paz, que reuniu as marcas das munições deflagradas nas áreas de crimes e confrontos armados no Rio de Janeiro. Quase metade dos cartuchos encontrados são produzidos pela CBC, o que, segundo ela, é um forte indício de serem munições legais. Mas, pela falta de marcação, torna impossível o rastreio até a origem daquela munição.
Michele lembra, ainda, do caso do CAC (colecionador, atirador esportivos e caçador) Vitor Furtado, preso em Goiânia no início do ano com 26 fuzis que, segundo as investigações, estariam sendo negociados com uma facção criminosa do Rio.
PACIFICO - CLUBE DE TIRO
Desvio legal
Já para Roberto Uchôa, que é policial federal e dirigente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), o crescimento do número de clubes de tiro é um fator negativo, em especial para os praticantes tradicionais do esporte. Ele observa que, atualmente, há a adesão de milhares de atiradores que “não estão interessados no esporte, apenas em andar armados pela rua”. Isso representa, conforme salienta, mais insegurança pública.
Uchôa explica que o porte ou a posse de arma para defesa pessoal é uma atribuição legal da PF e que cabe ao Exército a regulação da prática desportiva do tiro. Por isso, para ampliar o porte de armas sem a necessidade de aprovação de um projeto de lei no Congresso, o governo fez, segundo ele, um desvio legal.
Dempsey Magaldi, ex-policial, instrutor e diretor de uma escola de tiro em Porto Alegre, defende que o crescimento de clubes e escolas aumenta a segurança da população. Ele garante que a fiscalização desses estabelecimentos pelo Exército é muito rígida.
Magaldi considera que o Estado deve seguir exigindo uma qualificação técnica e psicológica mínima para os interessados em se tornar atiradores ou portarem armas. E discorda de Bolsonaro, que insiste que armas dão “liberdade”. “Um remédio amargo para tratar uma situação de força”, classifica.
Para Magaldi, o desvio de armas e munições para o crime são eventos isolados. Para ele, quando isso ocorre, envolve pessoas “infiltradas” nos clubes de tiro e que não são, realmente, atiradores. Ele acredita que se as forças de segurança permitissem a essas instituições acesso aos sistemas de informação policial, seria mais fácil barrar indivíduos potencialmente perigosos ou sob investigação judicial.