O cachorro de estimação de Nirley Costa, servidora do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), foi morto, após ser atacado por dois pitbulls. Os animais teriam fugido de uma obra, localizada no Bairro Santo Antônio, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, onde foram contratados como ‘vigias’. As empresas negaram conhecimento do fato.
O ataque ocorreu no dia 12 de junho, por volta das 7h30 da manhã, na Avenida Prudente de Moraes. Nirley, que no momento passeava com Simba, também foi mordida, arranhada e derrubada pelos cachorros, o que causou rompimento de ligamentos e fraturas ósseas em um dos joelhos. A servidora pública era tutora do animal de estimação havia nove anos.
“Eu sempre tive o costume de passear com ele, a gente ia pela manhã. Neste dia, foi uma coisa horrível, eles atacaram de forma muito rápida e não tive tempo de fazer muita coisa”, contou Nirley ao Estado de Minas.
Ela disse que, por sorte, foi socorrida por dois rapazes, que têm uma loja na região. “Eles pararam o carro imediatamente e conseguiram tirar um dos cachorros, que estava em cima de mim, e o outro que atacava o Simba, mas meu cachorrinho estava muito machucado”, afirmou.
Empresa não procurou saber o que havia ocorrido com os cachorros
Segundo a mulher, a construtora contratante é a E.N Engenharia & Negócios LTDA, que tem uma construção em curso na Rua Quintiliano Silva, no Bairro Santo Antônio, próximo à Avenida Prudente de Mores. Ela afirma que conseguiu vídeos e fotos, por meio das câmeras de segurança da rua, que mostram o momento que os cachorros fugiram, mas tanto a construtora quanto a empresa que ‘aluga’ os cães não procuraram saber dela e dos animais.
“Um pitbull como aqueles costuma custar cerca de R$ 5 mil. É estranho os responsáveis não buscarem saber o que aconteceu, afinal, os cachorros fugiram. Não prestaram respeito e assistência aos cães”, afirmou.
Nirley conta que só descobriu o local de onde os cães fugiram devido à solidariedade de moradores da rua. “Quando ficaram sabendo o que havia acontecido comigo e o Simba, eles me mandaram os vídeos e fotos da rua. Eles tinham um grupo no WhatsApp, me colocaram e começaram a enviar os arquivos. Inclusive, antes do ataque, os cães acompanharam uma moça na rua, mas ela não sabia do perigo, pois pensou que alguém os perdeu. Ela só foi entender quando chegou à Av. e os cães atacaram”, disse.
Segundo a servidora, ignorar o caso não é justificado, pois, ela fez Boletim de Ocorrência (BO) e autorizou os militares a passarem o contato dela. “Se eles tivessem dado queixa da fuga dos cachorros, eles saberiam. Nem falaram comigo. Fica claro que, enquanto os animais prestavam o serviço, os responsáveis estavam lá, mas, quando eles fogem, os cães não servem para nada”, ressaltou.
Para ela, é necessário que alguma providência seja tomada. “Não quero gerar nenhuma comoção. Na verdade, o meu intuito é alertar. Ninguém deve passar por uma situação dessas, o Simba foi estraçalhado. Isso precisa parar, e a empresa não fez um único movimento. Parece que os donos não querem se responsabilizar por absolutamente nada”, disse.
Empresas afirmam não saber do caso
O Estado de Minas entrou em contato com a construtora, via e-mail, para se pronunciar sobre o ataque. A princípio, em nota, ela afirmou que “não existe nenhum animal locado pela empresa com paradeiro desconhecido ou registro de fuga”. Além disso, “não tem ciência do suposto ataque relatado” pela reportagem.
Como o caso não ocorreu na Rua Quintiliano Silva, a EN Engenharia informou que “não possui nenhuma obra em curso que esteja localizada na Av. Prudente de Moraes”. A reportagem, ao responder ao pronunciamento, informou o local da obra informado por Nirley, mas, a construtura, outra vez, afirmou que não sabia do caso.
“Como afirmado em nossa resposta anterior, a EN Engenharia & Negócios não tem ciência do suposto ataque relatado pela repórter, tenha ocorrido com os cachorros da empresa GRUPO ROCCA que estão locados na nossa obra”, disse a nota.
O Grupo Rocca também informou não saber sobre a fuga dos cães e os ataques contra Nirley e Simba. “Não chegou ao nosso conhecimento nenhum incidente dessa natureza que narrou. Inclusive, estamos à disposição para que, tendo ocorrido, a pessoa que fez a denúncia entre em contato conosco para devida apuração dos fatos e da responsabilização das partes”, disse.
Além disso, a empresa alegou que só tomou conhecimento do fato quando a reportagem pediu uma resposta e que, “de qualquer forma, será aberta apuração para tomar conhecimento da veracidade quanto ao narrado.”
Após o Estado de Minas enviar os vídeos da rua, que mostram a fuga, o Grupo Rocca afirmou que o Canil Cervullus, responsável pelos animais, não tomou ciência da fuga e ataque “porque até o momento nenhuma autoridade informou”, e que a partir do registro do BO, entrará em contato com a vítima. A construtora, por sua vez, até a publicação, ainda não respondeu sobre o caso, e a reportagem aguarda novo pronunciamento.
‘Somos quatro vítimas nesta história’
Simba foi atendido por uma clínica veterinária da região, mas , bastante ferido, acabou morrendo. “Ele era um cachorrinho muito saudável, sociável e carinhoso. Eu não sei quando vou conseguir me recuperar, não consigo dormir e estou com alguns problemas de saúde causados pela agressão. É muito difícil”, disse Nirley.
Segundo a mulher, por conta dos machucados, está imobilizada e, consequentemente, impossibilitada de trabalhar. “Eu tive rompimento de todos os ligamentos do joelho, alguns parciais e dois totais. Eu não posso andar normalmente e, por isso, estou usando um andador para poder me locomover em casa”, afirmou.
Ela conta que, apesar dos problemas físicos, o caso poderia ter tomado maiores proporções. “Quando o homem removeu um dos pitbulls, ele estava bem próximo ao meu pescoço. Como eles são treinados para atacar a jugular, eu poderia ter morrido”, afirmou.
Enquanto era imobilizado pelo homem, um dos pitbulls morreu. "Infelizmente, foi uma lástima, pois sabemos que a culpa não é deles. Esses cachorros são vítimas da irresponsabilidade dos maus-tratos e do abandono. Ele ficou muito triste, mas o animal estava muito agressivo e, ao tentar contê-lo, acabou sufocado. Todos nós ficamos muito sentidos”, explicou.
Já o pitbull que atacou Nirley foi resgatado pelo Grupo de Resgate Rio das Velhas, conforme a servidora do TRE-MG. “Ele está com um tutor, estou acompanhando o caso. O animal, após ser cuidado, está convivendo muito bem com as pessoas e os outros bichos da ONG. Após dois dias recebendo tratamento diferente, o cachorro é outro, interage e brinca com todos. É lindo de ver, mostra que, nessa história, somos quatro vítimas”, disse.
A servidora do TRE-MG conta que, próximo ao local, ocorria a “Rua do Lazer”, onde pessoas e outros animais de estimação desfrutavam das atividades na Avenida Prudente de Moraes, a um quarteirão de onde foram atacados. “É assustador. A gente imagina o quanto seria grave se esses cães tivessem atacado as crianças que brincavam ali perto e, muitas vezes, estão com alimentos nas mãos. Os animais estavam ‘mortos’ de fome”, explicou.
Ativistas da causa animal condenam a prática de contratar animais de guarda
Conforme Adriana Araújo, coordenadora do Movimento Mineiro pelos Direitos dos Animais (MMDA), contratar cachorros de guarda na capital mineira é uma realidade crescente. “É uma prática não fiscalizada. Não existe critério, a maioria dos cães que prestam esse serviço estão em condições de maus-tratos e não são identificados. Neste caso, foi possível localizar os responsáveis devido aos registros da rua”, disse.
Ela afirma que o MMDA apresentou, para a Câmara Municipal, em 2021, um projeto de lei que proíbe essa prática. “A iniciativa foi arquivada. Por isso, precisamos ter uma pressão popular, para mudar essa realidade. O caso de fuga desses animais não é rara, a condição em que eles são mantidos pelos contratantes e canis muitas vezes são péssimas”, contou.
A ativista explica que já oficializou uma denúncia no Ministério Público. “Não só nas promotorias de meio ambiente, como também de crime. Existem duas questões nesses casos: as condições de maus-tratos vividas por esses cães, e as tragédias que podem ser causadas, caso eles fujam”, disse.
Adriana ressalta que os cachorros 'alugados' não devem ser culpabilizados, pois são vítimas. “Tudo depende da forma como os cães são tratados. Como são feitos de objetos, ou seja, são alugados e sem nenhuma condição de bem-estar, eles não se sentem seguros e respeitados. Por isso, acabam reagindo”, afirma.
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