Assassinatos na Amazônia

Fontes locais dizem que há mais envolvidos no assassinato de Dom e Bruno

Investigação aponta vínculo entre o comércio ilegal de animais e traficantes de drogas. Fontes locais dizem que há mais envolvidos

Isabel Dourado*
postado em 09/07/2022 06:00
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

A Polícia Federal prendeu, ontem, Rubens Villar Coelho, conhecido como Colômbia, suspeito de ser o chefe do esquema de lavagem de dinheiro do narcotráfico por meio da pesca ilegal na Vale do Javari. Intimado a prestar depoimento, em que negou as acusações, Colômbia apresentou documentos falsos à PF e, por isso, acabou sendo detido em flagrante. Como a pena do crime de uso de documentos falsos é superior a quatro anos de reclusão, ele não poderá ser solto mediante pagamento de fiança. A PF pretende pedir a prisão temporária dele para aprofundar as investigações.

Uma das linhas da apuração policial aponta que Colômbia estaria incomodado com as ações do indigenista Bruno Pereira na região. Foi Bruno o responsável pelas apreensões de peixes que seriam usados no esquema de lavagem de dinheiro. As embarcações clandestinas levavam toneladas de pirarucus — peixe mais valioso no mercado local e exportado para vários países — e de tracajás, espécie de tartaruga considerada uma especiaria exótica, oferecida em restaurantes no Brasil e no exterior.

Colômbia, que tem dupla nacionalidade (brasileira e peruana) é suspeito de usar o comércio ilegal de animais para lavar o dinheiro da droga produzida no Peru e na Colômbia — que fazem fronteira com a região do Vale do Javari — e é vendida a facções criminosas no Brasil. Há suspeita de que ele teria ordenado a Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado, que pusesse a "cabeça de Bruno a leilão".

Fontes ouvidas pela reportagem do Correio, que pediram para não serem identificadas por medo de represálias, afirmam que Colômbia não é o principal mandante. Acima dele haveria um "chefe do esquema" que mora na cidade colombiana de Letícia, na fronteira com o Brasil, e que tanto o assassinato de Bruno e do jornalista britânico Dom Phillips quanto o esquema de tráfico de pescados amazônicos tem a participação de outra pessoa, responsável pela troca dos animais por drogas e pela revenda a intermediários em Bogotá, capital da Colômbia.

A prisão de Colômbia pode desmontar de vez a primeira versão dada pela Polícia Federal, em 17 de junho, de que não havia indícios sobre a participação de possível mandante no assassinato de Bruno e Dom. Segundo uma das fontes ouvidas, o homem preso ontem mora em uma balsa na cidade brasileira de Benjamim Constant. A embarcação seria usada para armazenar pescados e carnes cobiçadas de caçam — como porco queixada, anta e veado — e combustível contrabandeado do Peru para abastecer barcos de pesca no Amazonas.

Antes de Colômbia, a PF já havia prendido mais quatro suspeitos de participação no assassinato de Bruno e Dom - Amarildo Oliveira, o Pelado; Oseney da Costa Oliveira, o Dos Santos; Jeferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha; e Gabriel Pereira Dantas. Com exceção de Dos Santos, os demais confessaram participação no crime.

Clima de tensão

Ontem, a juíza Jacinta Silva dos Santos, titular da Comarca de Atalaia do Norte, determinou o envio do processo aberto para apuração dos assassinatos à Justiça Federal por se tratar de crime que atinge direitos dos indígenas. O Ministério Público corroborou a decisão judicial.

A União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja) usou suas redes sociais, ontem, para se pronunciar a respeito da prisão de Rubens Villar Coelho, o Colômbia, e apresentou mais detalhes das investigações.

"Sabemos que estamos do lado certo da história. Agora tudo indica que a investigação será feita em nível federal. A prisão de hoje (ontem) corrobora as provas que a Univaja mencionou em momento anterior e que ficaram à disposição da sociedade e das autoridades. Nós falamos que tinha uma pessoa financiando as atividades ilegais na região", disse o procurador da entidade, Eliesio Marubo.

Ele cobrou mais empenho da Polícia Federal no caso e alerta que o clima no Vale do Javari continua muito tenso. "Nossa expectativa é que a PF realmente se debruce sobre o inquérito e passe a atuar de forma mais profunda. A PF fez uma coletiva de imprensa e disse que esse novo preso pode ser o mandante desse crime. O problema é que, na região, a situação continua tensa. Tudo continua como era antes." A Univaja também denuncia que funcionários da Funai e lideranças indígenas vêm sendo intimidados por peruanos e colombianos.

"Na sexta-feira (da semana passada), tivemos informações de que um peruano e colombianos estiveram na Funai, em Atalaia do Norte, de forma ríspida e sem autorização, para intimidar. Isso reforça tudo que nós temos dito sobre a segurança. O crime está tão à vontade que eles invadem o prédio da Funai para intimidar servidores. A insegurança ainda permanece na região."

Repercussão mundial

Bruno e Dom desapareceram em 5 de junho, quando navegavam próximo à comunidade de São Rafael, distrito de Atalaia do Norte. Os restos mortais dos dois foram encontrados 10 dias depois do desaparecimento, quando Amarildo Oliveira confessou o crime e levou agentes policiais e indígenas que ajudavam nas buscas ao local onde os corpos foram enterrados.

A região da Reserva Indígena do Vale do Javari, a segunda maior do país, com mais de 8,5 milhões de hectares, concentra o maior número de índios isolados. Bruno Pereira já havia denunciado que sofria ameaças. O indigenista atuava como colaborador da Univaja desde que pediu afastamento da Funai, onde trabalhava, por não concordar com o afrouxamento da fiscalização federal na região. Dom Phillips era jornalista colaborador do jornal britânico The Guardian. Com o apoio da Fundação Alicia Patterson, Dom estava escrevendo um livro reportagem sobre a Amazônia.

Na quinta-feira, o Parlamento Europeu aumentou a pressão sobre o Brasil para que as mortes de Bruno e Dom sejam esclarecidas o quanto antes, com uma investigação "rápida, completa, imparcial e independente". A resolução aprovada pelos eurodeputados mandou um duro recado às autoridades brasileiras e fez menção explícita à atuação do presidente Jair Bolsonaro. Segundo o texto, aprovado por 362 votos, o Parlamento Europeu "repudia a deterioração dos direitos humanos no Brasil desde que Jair Bolsonaro chegou ao poder" e indica que o assassinato do indigenista brasileiro e do jornalista britânico está associado à "violência sistemática contra povos indígenas".

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