Agressão à mulher

As múltiplas violências contra Klara Castanho; do estupro à exposição

Artistas e fãs se unem no apoio à atriz, exposta de forma irresponsável por ter entregue legalmente para adoção uma criança fruto de estupro

Alvo de múltiplas violências — que vão desde o estupro até a exposição pública do seu sofrimento e os ataques nas redes sociais —, a atriz Klara Castanho foi "abraçada" por uma rede de apoio. Artistas, entidades e pessoas comuns se solidarizaram com a jovem de 21 anos.

No sábado, Klara revelou ter engravidado após o abuso sexual e entregado a criança à adoção. Ela publicou uma carta relatando seu drama, após ser exposta pela youtuber Antonia Fontenelle. Por sua vez, o colunista Leo Dias, do portal Metrópoles — de propriedade do ex-senador Luiz Estevão, que cumpriu parte da pena de prisão por desvios de recursos do TRT de São Paulo —, publicou um texto chamado "Estupro, gravidez indesejada e adoção: a verdade sobre Klara Castanho", que foi apagado após pressão de internautas.

Klara abre a carta ressaltando que o relato era "o mais difícil" da vida dela. "Pensei que levaria essa dor e esse peso somente comigo. No entanto, não posso silenciar ao ver pessoas conspirando e criando versões sobre uma violência repulsiva e de um trauma que sofri", escreveu.

Ela conta sobre a violência, a descoberta tardia da gravidez e a decisão de doar a criança. "Procurei advogada e, conhecendo o processo, tomei a decisão de fazer entrega direta para adoção. Passei por todos os trâmites: psicóloga, Ministério Público, juíza, audiência — todas etapas obrigatórias", afirmou. Mas a informação, que deveria ser sigilosa, foi exposta irresponsavelmente. "Como mulher, eu fui violentada, primeiramente, por um homem e, agora, sou reiteradamente violentada por tantas outras pessoas que me julgam", lamentou.

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A violência ocorreu, também, no atendimento médico, como contou a atriz. "No dia em que a criança nasceu, eu, ainda anestesiada do pós-parto, fui abordada por uma enfermeira na sala de cirurgia. Ela fez perguntas e ameaçou: 'Imagina se tal colunista descobre essa história'. (...) Quando cheguei no quarto, já havia mensagens do colunista, com todas as informações. Ele só não sabia do estupro", afirmou. "O fato de eles (colunistas) saberem, mostra que os profissionais que deveriam ter me protegido em um momento de extrema dor e vulnerabilidade, que têm a obrigação legal de respeitar o sigilo da entrega, não foram éticos, nem tiveram respeito por mim nem pela criança."

Quando o caso veio à tona, atores e fãs deixaram mensagens e postagens de empatia para Klara. Taís Araújo escreveu que, mesmo enviando uma mensagem privada, se sentiu na obrigação de fazer um acolhimento público, "já que a violência que sofreu e a sua dor tornaram-se públicas sem que fosse um desejo seu, sem que fosse garantido o seu direito à privacidade". "Te conheço desde criança, conheço sua mãe, sua família e tenho muito respeito e amor por vocês. Se cuide, se proteja e se preserve. Todo meu amor e respeito", postou.

A atriz e comediante Dadá Coelho escreveu: "Se o Brasil fosse um país sério, as pessoas envolvidas nessa tripla violência estariam presas agora! Meia dúzia de Klarinha Castanho entre os que mandam no Brasil, e a gente era outro país. Todo meu amor pra você e todas as mulheres do mundo".

Paolla Oliveira, que contracenou com Klara como mãe e filha na novela Amor à Vida, em 2011, deixou uma mensagem de solidariedade. "Você é maior do que qualquer um ou uma que queira se promover ou promover o ódio com seu nome. Amo você. Sinta meu abraço. Sinta-se acolhida por todos que te respeitam."

O portal publicou nota, ontem, se retratando. "Sobre o episódio de Klara Castanho, erramos. O Metrópoles não deveria ter permitido que o colunista Leo Dias, que publica suas colunas no portal, desse detalhes sobre o triste caso envolvendo uma mulher em situação de extrema vulnerabilidade", diz um trecho. "Não há justificativa que sustente o argumento do interesse público em conhecer detalhes sobre uma história em que os únicos interessados são a vítima e seus familiares. E, nesse caso, a Justiça e o Ministério Público, que intercederam para ajudar Klara no processo de adoção da criança. Em relação à Klara Castanho, praticamos mau jornalismo. Todos erramos. E, por isso, pedimos perdão a Klara. Ela não merece julgamento. Não merece exposição. Merece acolhimento, respeito e empatia de todos nós."

Leo Dias,responsável por parte substancial da audiência do site, também se pronunciou: "Ela foi covardemente exposta. Tenho consciência disso. Errei ao publicar qualquer linha a esse respeito. (...) Mesmo que eu soubesse de tudo desde o início, eu não deveria ter escrito nenhuma linha sobre essa história ou ter feito qualquer comentário sobre algo que não tenho o direito de opinar".

Já Fontenelle afirmou, em vídeo, não ter citado o nome da atriz, "mas ela se apresentou, e eu saí, mais uma vez, de vilã da história por algo que não fiz". "Não falei o nome dela, eu preservei o nome dela", acrescentou. Ela se colocou à disposição para ajudá-la a mandar para a prisão o autor da violência.

Investigação

O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo anunciou que vai apurar a denúncia. "O conselho seguirá os ritos e adotará os procedimentos necessários para a devida investigação, como ocorre em toda denúncia sobre o exercício profissional", disse, em comunicado.

O hospital que atendeu Klara informou, em nota, que abrirá sindicância para apurar a denúncia. Ressaltou que um dos princípios é a preservação da privacidade e o sigilo das informações dos pacientes.

"A gestante tem direito de não exercer a maternidade. Tendo sido ou não vítima de estupro", destacou o advogado Ariel de Castro Alves, presidente da Comissão Especial de Adoção e Direito à Convivência Familiar de Crianças e Adolescentes da OAB-SP. A previsão legal da entrega, disse ele, é importante "para evitar procedimentos de aborto, que são sempre traumáticos para a gestante e familiares, e situações de abandono de crianças". (Com Agência Estado)