A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decidiu ampliar as coberturas para usuários de planos de saúde com transtornos globais do desenvolvimento, entre os quais está incluído o transtorno do espectro autista (TEA). A decisão foi tomada pela diretoria colegiada, em reunião extraordinária realizada na tarde desta quinta-feira (23/6).
Dessa forma, a partir de 1º de julho de 2022, os planos de saúde passam a ser obrigados a cobrir qualquer método ou técnica indicado pelos médicos no tratamento do paciente que tenha um dos transtornos enquadrados na Classificação Internacional de Doenças F48 (CID F84).
De acordo com a normativa, as sessões com fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, fundamentais no tratamento dos transtornos globais de desenvolvimentos, se tornam ilimitados.
“A ANS tem avaliado o rol de cobertura obrigatórias de forma permanente e nós estamos atentos aos anseios da sociedade. As discussões técnicas sobre as terapias para tratamento do Espectro Autista já vinham acontecendo internamente, em um Grupo de Trabalho criado em 2021 e formado por representantes de quatro das cinco diretorias da Agência. Com base nessas discussões e considerando o princípio da igualdade, decidimos estabelecer a obrigatoriedade da cobertura dos diferentes métodos ou terapias não apenas para pacientes com TEA, mas para usuários de planos de saúde diagnosticados com qualquer transtorno enquadrado como transtorno global do desenvolvimento”, explica o diretor-presidente da ANS, Paulo Rebello.
O recuo por parte da ANS ocorre após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovar o rol de exemplificativo para taxativo, restringindo assim uma série de exames e procedimentos considerados pelos médicos como a melhor opção de tratamento para doenças raras, patologias graves ou condições específicas.
A decisão do STJ repercutiu negativamente na sociedade civil e provocou uma grande pressão por parte dos movimentos que defendem e apoiam as pessoas com autismo, doenças raras ou deficiências.
Em um comunicado conjunto, a UNIDAS, UNIMED CMB e ABRAMGE afirmam que a a decisão do STJ "apenas reforçou as previsões já existentes nas normas em vigor, publicadas pela ANS, não havendo qualquer perda ou alteração das coberturas vigentes". O documento recomenda que as associadas continuem seguindo os mesmos critérios para liberação e/ou continuidade de tratamentos em favor dos nossos beneficiários, "sendo certo que todos os tratamentos em andamento devem ter sua continuidade assegurada, sem quaisquer prejuízos ou interrupções de cuidado".
"Neste momento, enquanto muitas questões estão em discussão com todos os órgãos referidos, lembramos da importância de permanecermos acolhendo os nossos beneficiários e seguirmos trabalhando para garantir a continuidade do cuidado e do acesso sustentável a uma saúde de qualidade", disse o comunicado.
Para a advogada Camila Varella Guimarães, representante do Movimento de Mobilização Nacional contra o Rol Taxativo, a decisão é para se comemorar, mas nem tanto, já que beneficia apenas pacientes com transtornos globais do desenvolvimento e deixa de fora doenças graves como paralisia cerebral, esquizofrenia, câncer, doenças degenerativas e outras doenças raras.
"A gente tem notícias de pessoas que estão tendo o oxigênio desligado porque o home-care (cuidados em casa) não está no rol na ANS e não houve uma sinalização de que vai ser colocado. Então é essa a sensação que a gente teve: que como a comunidade autista bateu muita panela, fez muita pressão, aconteceu sim de ser colocado e explicitado no rol de tratamentos para os autistas. Mas uma gama imensa de pessoas que a gente chama de hipervulneráveis, que são pessoas com doenças crônicas, doenças graves, síndromes raras vão continuar por isso mesmo”, denuncia.
Em entrevista ao Correio, a advogada disse que esteve em reunião na Secretaria Nacional do Consumidor, com o secretário Rodrigo Roca, que contou com a participação de representantes das operadoras de saúde, da Fenasaúde, inclusive do presidente da ANS, Paulo Rebello, e, segundo ela, no encontro ficou claro que a pressão feita pelos movimentos sociais, especialmente pelos autistas, fez com que a ANS admitisse os procedimentos que beneficiam os autistas como uma forma de “calar” o movimento. “É essa a sensação que a gente tem”, afirmou Guimarães.
“ Durante vinte anos a gente teve o rol como exemplificativo a todas as demandas. Quando vinha a negativa (pelo tratamento) eram judicializadas. E agora a gente observou com essa decisão do STJ, uma tentativa de silenciar os pacientes que tem os seus tratamentos negados pelas operadoras de saúde. E esse tratamento que foi liberado (para os autistas) não resolve o problema e nós vamos continuar (ltando pelos direitos de todas as pessoas que precisam do plano de saúde para acessarem os tratamentos)".
Logo após a aprovação do rol taxativo pelo STJ, passou a circular diversas denúncias contra as operadoras de planos de saúde, que começaram a rejeitar tratamentos fora do rol.
Em resposta, a ANS argumenta que só hoje, através da normativa, foram incluídos mais três procedimentos no rol, além de outros quatorze medicamentos e seis exames incluídos em 2022. "Esse fluxo é uma forma de atender um anseio da sociedade. As pessoas estavam pedindo por isso e essa demanda foi atendida".
"A ampliação das regras, com a obrigatoriedade da cobertura de métodos e técnicas para os tratamentos de transtornos globais do desenvolvimento, foi baseada em discussões técnicas que vinham sendo feitas desde 2021 por um grupo técnico formado por servidores da ANS. Além disso, foi considerado o princípio da igualdade para dar o mesmo acesso a todos os usuários de planos de saúde diagnosticado com qualquer transtorno enquadrado como transtorno global do desenvolvimento, o que vem ao encontro dos anseios da sociedade", disse a ANS.
Ainda segundo a agência, na reunião realizada na tarde desta quinta-feira (23/6), a diretoria também reforçou que as operadoras não podem deixar de cobrir os procedimentos que foram impostos por decisões judiciais/administrativas, inclusive os casos em que o paciente é atendido em home-care, sob pena de configuração de negativa de cobertura. A ANS afirmou que enviou um comunicado com essa orientação às seguradoras.
Em nota, a Associação Brasileira dos Planos de Saúde (Abramge) informou que avaliará cuidadosamente a decisão da ANS e que entende a importância da iniciativa para esclarecer que os tratamentos de transtornos globais do desenvolvimento não serão impactados.
"O órgão regulador abre um canal de diálogo importante junto às representações de profissionais de saúde, operadoras e sociedade, principalmente pais e pacientes, buscando garantir que a cobertura dessas terapias seja resolutiva e equilibrada, fundamentada em critérios técnicos de Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS)", afirma a Abramge.
Transtornos Globais do Desenvolvimento
O transtorno global do desenvolvimento é caracterizado por um conjunto de condições que geram dificuldades de comunicação e de comportamento, prejudicando a interação dos pacientes com outras pessoas e o enfrentamento de situações cotidianas.
De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) são considerados transtornos globais do desenvolvimento:
Autismo infantil (CID 10 – F84.0)
Autismo atípico (CID 10 – F84.1)
Síndrome de Rett (CID 10 – F84.2)
Outro transtorno desintegrativo da infância (CID 10 – F84.3)
Transtorno com hipercinesia associada a retardo mental e a movimentos estereotipados (CID 10 – F84.4)
Síndrome de Asperger (CID 10 – F84.5)
Outros transtornos globais do desenvolvimento (CID 10 – F84.8)
Transtornos globais não especificados do desenvolvimento (CID 10 – F84.9).
Saiba Mais