O aborto é legalizado no Brasil em três situações: quando a gravidez é decorrente de um estupro, quando há risco de vida para a gestante e quando existe anencefalia do feto. Nesses casos, o procedimento deve ser disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e não é preciso uma decisão judicial. Apesar disso, nesta semana foi revelado — pelo jornal The Intercept Brasil — que uma menina de 11 anos, estuprada, teve esse direito negado pelo Justiça de Santa Catarina. Ela teve o procedimento negado em um hospital de Florianópolis por estar com 22 semanas e dois dias de gestação.
Apesar de uma Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, disponibilizada pelo Ministério da Saúde, falar que o procedimento só pode ser realizado até 20ª semana de gestação, podendo ser estendido até 22 semanas, caso o feto tenha menos de 500 gramas, a lei brasileira não prevê qual o tempo máximo em que o procedimento pode ser feito. "Nenhuma hipótese de aborto legal prevê semana que pode ser feito ou não", destaca a advogada especialista em Direitos Humanos e Penal, também mentora de Feminismo e Inclusão e líder de empoderamento, Mayra Cardozo, ao Correio.
Quais casos há direito ao aborto?
O crime de aborto é previsto no Código Penal Brasileiro, com pena tanto para a gestante quanto para o médico que realizar o procedimento. No entanto, a própria legislação já tem as exceções de gravidez em caso de estupro e quando há risco para a gestante. Desde 2012, também é possível a interrupção da gravidez quando o feto é anencéfalo — por entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Tanto quanto há risco para a vida da gestante, quanto nos casos de fetos anencéfalos, é necessário um laudo médico que comprove a situação.
Em 9 de junho deste ano, uma cartilha do Ministério da Saúde chegou a falar que todo aborto é crime. De acordo com Mayra, a afirmação não faz sentido. "Se todo aborto é crime, então o aborto natural e acidental também é crime. A gente tem hipóteses em que o aborto é criminalizado e hipóteses que é legalizado", explica.
Quando a gravidez é decorrente de violência sexual não é necessário apresentar um Boletim de Ocorrência ou laudo do Instituto Médico Legal (IML). Porém, desde 2020, uma portaria obriga profissionais de saúde a comunicar à polícia, em 24 horas, casos em que há indícios de violência contra a mulher. "Tinha uma portaria que estabelecia que precisava de boletim, mas nunca foi preciso autorização judicial. No caso da menina de Santa Catarina, o hospital que exigiu a decisão judicial", afirma Mayra.
No hospital, a mulher que opta pelo procedimento deverá ser atendida por uma equipe multidisciplinar. Não são todos os hospitais que realizam o procedimento, somente os especializados. Porém, caso no município em que a mulher reside não tenha uma unidade especializada, ela tem direito a ter todas as despesas pagas para ir até a outra cidade ou estado.
Para que o procedimento seja feito, é necessário a autorização da mulher por escrito. Nos casos, em que a vítima tem menos de 18 anos, também é necessário uma autorização dos pais.
"Esse direito não pode ser negado. A família poderia ter entrado com um mandado de segurança, porque é um direito líquido e certo — poder abortar legalmente em caso de violência sexual. O próprio fato do hospital exigir uma decisão judicial, por lei, se ele se recusa a atender a vítima em caso de emergência esperando procedimentos burocráticos, ele (o hospital) pode incidir em crime. No caso de ser uma menina de 11 anos, que a gestação implica em risco para a vida dela, para mim é uma situação clara de emergência", defende Mayra.
O caso de Santa Catarina
O caso foi parar na Justiça. Porém, a juíza Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, e a promotora do Ministério Público do estado Mirela Dutra Alberton tentaram convencer a menina a desistir do procedimento, como revelado pelo jornal The Intercept Brasil. Nesta terça-feira, a Justiça autorizou a criança voltasse a morar com a mãe. Ela estava sendo mantida em um abrigo.
Mayra ainda explica que o fato da menina ter sido levada para um abrigo é uma medida que visa preservar a vítima. Porém, existem outras formas de protegê-la. "Essa questão da retirada da convivência para o abrigo foi colocada até pela Lei Maria da Penha e visa proteger a mulher de outras violências. Na audiência, a juíza fala que o agressor estaria próximo e poderia cometer o delito novamente. Mas os relatos são que as condições nos abrigos são péssimas. Então essa situação em que a menina não queria e a mãe não queria que ela fosse para o abrigo poderia ser resolvida com mais sensibilidade com um mandado de prisão para o agressor", destaca.