A morte do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira tomou o noticiário das últimas semanas. A dor de colegas, amigos e familiares foi exposta ao longo dos dias, evidenciando a angústia da espera por respostas. Dentre os jornalistas que acompanharam o caso estava um grande amigo de Dom no Brasil, Andrew Downie. Jornalista especialista em América Latina e autor do livro Doutor Sócrates: jogador de futebol, filósofo, lenda, o escocês conheceu Dom em 2007, e desde então se aproximaram. Andrew conta, em entrevista, sobre os desafios em cobrir, para o jornal The Guardian, o desaparecimento e assassinato do amigo, e relembra quem era o amigo e profissional Dom Phillips.
Como era sua relação com Dom?
Conheci o Dom em 2007, quando ele veio para São Paulo. Eu já trabalhava como correspondente e tínhamos amigos em comum, e ficamos amigos. Não fomos colegas diretamente, mas às sextas-feiras a gente se encontrava e tomava uma cerveja.
Dom estava escrevendo um livro sobre a Amazônia. O que você sabia a respeito?
Ele não contava muito sobre, não falava muito sobre o livro. Ele não contava detalhes sobre o livro que estava escrevendo. Quando eu perguntei: “você está fazendo o quê? Vai viajar para onde?” Ele falou: “Não, eu não vou falar, vai estar no livro”. Os detalhes eu não sabia.
O presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que a dupla sabia dos riscos que corria ao realizar as atividades ali naquela região. Dom já havia comentado sobre esses riscos?
Ir para a Amazônia sempre vai ter um risco. Mas o que o presidente falou, ninguém fala. Nenhuma pessoa que tem o mínimo de empatia fala.
Faltou empatia por parte do governo?
Óbvio. Ninguém fala essas coisas. Existem jornalistas que adoram a adrenalina, se colocar nesses meios de perigo para ter uma história para contar. O Dom não era assim. Ele era mais tranquilo, organizado. Ele não gostava dessas coisas. Então, ele não tomava esses riscos à toa.
Como é a repercussão internacional do caso?
Eu estava escrevendo sobre isso todo dia para o jornal inglês The Guardian. Como jornalista, quando tem notícia você faz, e não para e pensa muita coisa. Obviamente, é um pouco diferente nesse caso, mas eu tinha falado para os meus amigos. Então, quando me perguntam como eu estou, eu falo: “Não tive tempo para pensar, para a ficha cair”. A adrenalina de ter prazos, ter que fazer matéria todo dia. Isso ocupou todo o meu tempo, eu não tive muito tempo para pensar nos detalhes. E agradeço que não tive muito tempo. Vai chegar um momento quando vou ter que pensar nisso e talvez a ficha caia. Mas, até agora, nem tanto.
Em termos de justiça, como é que vão ser os próximos passos? Vocês vão seguir falando disso, vão seguir pressionando? Quais são os planos agora?
Com certeza. A primeira coisa é que o corpo precisa ir para a família, e a família vai ter paz de espírito em saber que o corpo está com eles, no lugar certo, onde eles querem. A segunda coisa é a justiça. Quem cometeu o crime deve pagar, que tenha uma investigação séria, que tenha um juízo sério. E rápido. Com certeza vamos continuar cobrindo isso, e espero que a gente continue também, se der certo, se houver dinheiro, se houver recursos para ir para Amazônia, para não só cobrir o que aconteceu com Dom, mas ainda falar sobre os indígenas do Vale do Javari, e do outro parque da Amazônia. Vamos falar, obviamente, sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas. É um assunto que afeta todo mundo cada vez mais, então esse é um assunto também muito importante, que está muito envolvido com esses acontecimentos, e é uma forma de continuar esse trabalho importante que Dom fazia.