Mais cinco pessoas foram identificadas por suposta participação na ocultação dos cadáveres do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari, no estado do Amazonas. Segundo o comitê de crise coordenado pela Polícia Federal do Amazonas, os suspeitos foram localizados e ouvidos pelos agentes que atuam na operação, mas estão respondendo em liberdade. Os nomes não foram divulgados, mas até o momento oito pessoas já têm envolvimento no caso. Os suspeitos devem ser indiciados pelo crime de ocultação de cadáver e vão responder às acusações em liberdade, devido ao crime prever uma pena inferior a quatro anos.
"As investigações continuam no sentido de esclarecer todas as circunstâncias, os motivos e os envolvidos no caso", disse em nota a PF. A corporação não informou a identidade dos suspeitos.
O delegado titular da 50ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP) de Atalaia do Norte, Alex Perez, declarou também que os policiais estão trabalhando para identificar os suspeitos restantes.
Três dos suspeitos estão presos: Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como "Pelado", Oseney da Costa Oliveira, o "Dos Santos", e Jeferson da Silva Lima, o "Pelado da Dinha". Segundo a polícia, Amarildo confessou ser o executor do crime e Oseney se reservou ao direito de permanecer em silêncio. Eles são irmãos. Já Jeferson está envolvido na ocultação dos cadáveres.
Todos teriam participado diretamente do duplo homicídio e tiveram a prisão temporária de 30 dias decretada pela Justiça do Amazonas. A Polícia Civil do estado também confirmou que investiga a participação de mais pessoas no crime.
A embarcação em que a dupla viajava, que havia sido afundada, foi localizada por bombeiros e militares da Marinha neste domingo. De acordo com a polícia, foram cinco horas de operação para encontrar a lancha, que foi localizada a cerca de 20 metros de profundidade, emborcada com seis sacos de areia para dificultar a flutuação, a uma distância de 30 metros da margem direita do rio.
Além do casco da embarcação, também foram encontrados um motor Yamaha 40 hp, quatro tambores que eram de propriedade do Bruno, sendo três em terra firme e um submerso. As evidências serão submetidas à perícia nos próximos dias para ajudar a elucidar o crime.
Em Brasília, peritos do Instituto Nacional de Criminalística examinam os restos mortais recolhidos pela PF. Os exames já confirmaram que os corpos são do indigenista e do jornalista. O último laudo da perícia afirma que o repórter e o indigenista foram mortos com tiros de munição típica de caça. A região em que ocorreu o crime é conhecida pela presença de caça e pesca ilegal. Segundo os peritos, Bruno foi baleado três vezes, na cabeça e no tórax, e Dom uma vez, no tórax.
As investigações sobre a motivação do crime seguem em sigilo. Apesar de os agentes já terem afirmado que não há indícios de que tenha havido ordem de um mandante para que Bruno e Dom fossem executados, a pesca ilegal e o tráfico de drogas são braços do crime organizado que atuam na região. Bruno Pereira dedicava a vida a denunciar e ajudar a coibir as práticas, em defesa dos indígenas.
Reestruturação do MPF
O procurador-geral da República, Augusto Aras, e integrantes do Ministério Público Federal (MPF) foram à Tabatinga, no Amazonas, ontem, para acompanhar os desdobramentos da investigação sobre o assassinato. Em reunião com representantes do Exército, Polícia Federal, da Fundação Nacional do Índio (Funai) e outras instituições foram discutidas medidas conjuntas de reforço da presença e atuação estatal na região.
"Eu volto a Brasília disposto a mover as instâncias do Estado para a defesa da Amazônia e de seus cidadãos, sejam eles indígenas isolados ou não", disse Aras em comunicado aos jornalistas após a reunião.
O assessor jurídico da organização indígena União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Eliesio Marubo, que participou do encontro, contou que a reunião debateu o fortalecimento das instituições. "Foi dito que o MPF iria avaliar a afirmação da PF sobre a conclusão do inquérito. O procurador também vai avaliar com o governador do Amazonas a possibilidade de impor uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem, com o emprego das Forças Armadas) para a região do Vale do Javari", explicou.
Em maio, o procurador assinou uma portaria criando 30 ofícios com temática socioambiental na Amazônia. Agora, de acordo com a pasta, o objetivo é garantir a implementação da portaria. Lideranças reforçaram a necessidade de o Estado cumprir seu papel de fiscalização e combate ao crime naquela área. De acordo com eles, a vigilância dos territórios tem sido feita pelos próprios indígenas, o que os coloca em risco permanente.
Segundo Aras, a reestruturação da estratégia do MPF deve ampliar o número de ofícios e, como consequência, de procuradores destinados ao trabalho tanto preventivo quanto repressivo.
Atos pelo Brasil
Neste fim de semana aconteceram atos em todo o país pedindo por justiça para Bruno e Dom. Em Brasília, um grupo se reuniu na manhã de ontem, na Asa Norte. Os participantes carregavam imagens das vítimas, cartazes cobrando a responsabilização pelo crime e pelo fim do garimpo. Houve também pedido para a saída do presidente da Funai, Marcelo Xavier.
Indígenas e um servidor da Funai discursaram durante o ato na capital, que também contou com a presença de integrantes de movimentos sociais, servidores públicos e pequenos produtores rurais. Ao longo desta semana acontecerá ainda uma vigília permanente em frente à sede da Funai em Brasília.
Greve
Servidores da Funai que atuam em todo o país preparam um ato nacional de greve, em protesto contra as ações e falas praticadas por seu atual presidente, Marcelo Xavier, e pelas mortes de Pereira e de Phillips. A manifestação está marcada para esta quinta-feira, a partir das 10h, e deve incluir todas as unidades do país. Anteontem, com o mesmo propósito, um ato foi realizado na Avenida Paulista, em São Paulo.
"Nós, servidoras e servidores da Funai, mobilizados nacionalmente e representados por nossas entidades, convocamos a todas/os para estarem conosco no ato nacional de greve", diz, em nota, a Indigenistas Associados (INA), grupo que reúne servidores da fundação.
Representantes da INA cobram a troca no comando do órgão. Delegado da PF, Xavier chegou à presidência da Funai em julho de 2019, apoiado pela bancada ruralista. Ele assumiu no lugar do general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que tinha deixado o cargo em junho, após ser alvo de forte pressão da bancada do agronegócio. Franklimberg estava havia menos de cinco meses no cargo quando foi trocado.
Depois de quatro meses no comando, Xavier fez uma demissão generalizada na Funai e trocou 15 coordenações de áreas da autarquia. Alguns coordenadores ficaram sabendo da exoneração pelo Diário Oficial da União. Naquele mesmo mês de outubro, ele demitiu Pereira, que era coordenador-geral de Índios Isolados.