A Polícia Federal no Amazonas informou em nota na noite desta terça-feira (14/6) que segue buscando pelo indigenista brasileiro Bruno Pereira e pelo jornalista britânico Dom Phillips. Eles desapareceram em 5 de junho.
A polícia relatou também ter prendido uma segunda pessoa suspeita de participação no caso: Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como "Dos Santos", de 41 anos. Ele teria atuado junto com "Pelado", que já foi detido temporariamente (leia mais abaixo). Oliveira será encaminhado para audiência de custódia em Atalaia do Norte (AM).
Está prevista para essa semana a divulgação dos resultados de uma análise de "material orgânico aparentemente humano e as amostras de sangue" encontrados anteriormente pelas autoridades, segundo afirmou a PF na segunda-feira (13).
A família de Dom Phillips informou, por meio de nota, que recebeu uma ligação de Roberto Doring, conselheiro da Embaixada do Brasil em Londres, avisando que dois corpos haviam sido encontrados e passariam por perícia.
A Polícia Federal negou o fato. "Complicando uma situação já angustiante, fomos informados com segurança de que a Polícia Federal no Brasil está contrariando isso. Só podemos esperar que na plenitude do tempo entendamos o que aconteceu e as contas sejam reconciliadas", diz o texto da família.
No domingo (12/6), a Polícia Federal divulgou que foram encontrados objetos pessoais pertencentes a Bruno — botas, calça, chinelo e um cartão de saúde — e a Dom — uma mochila e botas. Bombeiros disseram que também foi encontrado um notebook e sandálias. Os pertences estavam amarrados em uma árvore em uma área de igapó (região alagada da Amazônia) que fica no trajeto onde Bruno e Dom desapareceram.
Ambos sumiram no dia 5 de junho quando se deslocavam no rio Itaquaí, entre a comunidade de São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas, perto da fronteira com o Peru. A região fica no limite do Vale do Javari, que é conhecido por abrigar o maior número de indígenas não-contatados do mundo. A área também é conhecida por intensos conflitos envolvendo indígenas, garimpeiros, madeireiros, narcotraficantes e pescadores ilegais.
Confira abaixo o que se sabe sobre o caso do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips.
Quem são Bruno Pereira e Dom Phillips e o que eles estavam fazendo na Amazônia?
Bruno da Cunha de Araújo Pereira é indigenista e servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio). Ele estava licenciado do cargo e trabalhando em um projeto das ONGs WWF-Brasil e União dos Povos Indígenas do Parque do Javari (Univaja) para ensinar indígenas a monitorar suas terras com o uso de tecnologias como drones. A terra demarcada no Vale do Javari é constantemente invadida por criminosos.
Bruno é tido como um dos maiores especialistas sobre a região e um dos principais indigenistas do país. Em 2019, ele foi exonerado de um cargo de chefia na Funai, mas seguiu como servidor licenciado.
Dom Phillips é jornalista e colaborador de diversos jornais no exterior, entre eles o britânico The Guardian. Phillips mora no Brasil há 15 anos e é casado com uma brasileira. Ele realizou diversas viagens para a Amazônia, onde fez reportagens sobre desmatamento e crimes.
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Ele viajou para o extremo oeste da Amazônia acompanhado de Bruno para coletar dados para um livro que estava escrevendo sobre como salvar a floresta. Os dois eram amigos e já haviam viajado juntos à Amazônia em outras ocasiões profissionais.
Dias antes de se encontrar com Dom Phillips fora do Vale do Javari, Bruno manteve reuniões com líderes indígenas dentro da reserva indígena.
O que aconteceu?
No domingo, dia 5 de junho, Bruno e Dom desapareceram a poucos quilômetros do Vale do Javari, que é a segunda maior reserva indígena do Brasil. Eles viajavam de barco pelos mais de 70 km que ligam o lago do Jaburu ao município de Atalaia do Norte. Na última vez que foram vistos, eles pararam na comunidade de São Rafael, às 6h, onde tinham uma reunião marcada com o líder pescador Manoel Vitor Sabino da Costa, conhecido como Churrasco.
Dali, eles seguiram seu caminho pelo rio. A dupla deveria ter chegado a Atalaia do Norte duas horas depois, mas desapareceu. Quem soou o alerta foram os indígenas da Univaja. Segundo a associação, Bruno e Dom viajavam em uma lancha em bom estado e com combustível suficiente para a viagem.
A Univaja disse que às 14h enviou uma equipe "formada por indígenas extremamente conhecedores da região". A equipe teria percorrido inclusive os "furos" do rio Itaquaí, mas nenhum vestígio foi encontrado. Às 16h, dizem os órgãos, "outra equipe de busca saiu de Tabatinga, em uma embarcação maior, retornando ao mesmo local, mas novamente nenhum vestígio foi localizado".
Há relatos de que Bruno Pereira era alvo constante de ameaças feitas por pescadores ilegais, garimpeiros e madeireiros. Além disso, a Univaja também relatou ameaças a seus integrantes — tendo registrado boletim de ocorrência na polícia poucas semanas antes do desaparecimento de Bruno.
O que se descobriu até agora?
Buscas estão sendo feitas pelas polícias Federal, Militar e Civil, além da Força Nacional, Exército, Marinha e grupos de indígenas. Duas aeronaves, três drones, 16 embarcações e 20 viaturas estão sendo usados nas buscas.
Dois dias depois do desaparecimento, em 7 de junho, a polícia prendeu o pescador Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como "Pelado", e o nomeou como suspeito no caso — mas não forneceu detalhes sobre qualquer relação entre ele e os desaparecidos. "Pelado" foi preso com drogas e munições de uso restrito de autoridades. Há relatos de que ele estaria ameaçando indígenas que trabalham nas buscas.
A sua lancha tinha rastros de sangue — e o material foi enviado para perícia em Manaus para determinar se o sangue é humano ou de animais. A PF afirmou na segunda-feira (13/06) que o resultado do exame sairia até o fim da semana. Em uma audiência de custódia, Amarildo acusou policiais de espancá-lo.
Na sexta-feira (10/6), a Superintendência Regional da Polícia Federal no Amazonas disse ter encontrado "material orgânico aparentemente humano" na região do Rio Itaquaí próximo ao porto de Atalaia do Norte. O material também foi enviado para perícia.
As famílias de Bruno e Dom cederam material genético dos dois para ajudar na perícia.
Indígenas também alertaram para um local no curso do rio onde há sinais de que um barco do tamanho da lancha usada por Bruno e Dom poderia ter parado — com um buraco formado na mata. O local está sendo periciado pela polícia, que busca qualquer vestígio de que a embarcação tenha passado por ali.
No domingo (12/6), foram encontrados objetos pessoais de Bruno e Dom em um trecho do rio.
O que se sabe sobre a região do Vale do Javari?
Bruno Pereira e Dom Phillips estavam perto da reserva indígena do Vale do Javari — mas fora dela — quando desapareceram.
Com área equivalente à de Portugal, o território abriga uma floresta bem preservada. Nele vivem cerca de 6 mil integrantes de sete etnias, além de membros de vários grupos em isolamento voluntário.
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A região é conhecida por intensos conflitos entre diversos grupos criminosos (como quadrilhas de madeireiros e pescadores ilegais) contra indígenas. Alguns estudos sugerem que existe ligação entre essas atividades e o narcotráfico, que está presente na região desde os anos 1970.
Pesquisadores também apontam para o enfraquecimento da Funai nos últimos anos — o que aumentou ainda mais a atividade criminosa no Vale do Javari. Nos últimos anos, houve vários ataques na região atribuídos a pescadores e caçadores ilegais.
Os atos foram interpretados como represálias a tentativas de reprimir a ação dos grupos na terra indígena. Entre 2018 e 2019, uma base da Funai que controla o acesso à Terra Indígena Vale do Javari foi alvejada em oito ocasiões distintas.
Em 2019, o colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos foi morto a tiros em Tabatinga, a maior cidade da região. Meses antes, ele havia participado de uma operação que apreendeu grande quantidade de pesca e caça ilegal. Não houve prisões nem condenações pelo crime.
Qual foi a resposta das autoridades brasileiras?
Dois dias depois do desaparecimento, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro disse que a viagem de Bruno e Dom era uma "aventura não-recomendável".
"Realmente, duas pessoas apenas em um barco, em uma região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser um acidente, pode ser que tenham sido executados. Tudo pode acontecer. A gente espera e pede a Deus que sejam encontrados brevemente", disse o presidente.
A fala foi criticada pelos familiares de Bruno e Dom, que acusaram o Estado brasileiro de fracassar na segurança da região.
O governo brasileiro também foi criticado por não agir rapidamente nas buscas. No dia seguinte ao desaparecimento, o Comando Militar da Amazônia, do Exército brasileiro, emitiu nota afirmando que estava "em condições de cumprir missão humanitária de busca", mas que a ação só seria tomada "mediante acionamento por parte do Escalão Superior".
Em discurso na Cúpula das Américas, nos EUA, Bolsonaro disse que "desde o primeiro dia, quando foi dado o sinal de alerta, a Marinha entrou em campo, e no dia seguinte as Forças Armadas e a Polícia Federal". Bolsonaro afirmou que o Estado brasileiro já gastou mais de meio milhão de reais nas buscas.
Familiares também criticaram a falta de suporte da Funai e declarações feitas pelo seu presidente, Marcelo Xavier. O presidente da Funai disse que Bruno Pereira e Dom Phillips precisavam ter pedido autorização para viajar para a reserva indígena na Amazônia.
"A Funai, de forma nenhuma, emitiu nenhum tipo de autorização para ingresso nessa área indígena", disse Xavier à Voz do Brasil.
No entanto, Bruno e Dom não estavam na área indígena quando sumiram. Documentos revelados pela TV Globo mostram que semanas antes de desaparecer, Bruno solicitou autorização da Funai para ingressar na reserva do Vale do Javari, e teve seu pedido aceito — o que contradiz as declarações do presidente da Funai.
Bruno ingressou na área, onde se reuniu com indígenas, e posteriormente encontrou Dom Phillips fora da reserva. Dom não esteve na reserva e o desaparecimento de ambos ocorreu fora da área de proteção.
Qual foi a repercussão internacional do caso?
A repercussão do caso é global, tendo sido noticiada nos principais veículos de comunicação do mundo. Ao longo da última semana, atos no Brasil e no mundo cobraram uma resolução do caso. Parentes e ativistas se reuniram em frente à embaixada brasileira em Londres. Também houve atos em cidades como Rio de Janeiro e Salvador.
Na Cúpula das Américas, evento do qual Bolsonaro participou em Los Angeles na semana passada, circulou um veículo com um cartaz que perguntava "Onde estão Dom e Bruno?"
A ONG Human Rights Watch pediu maior empenho do governo brasileiro.
"Dom Phillips e Bruno Pereira desapareceram em 5 de junho. Jair Bolsonaro disse que eles estavam em 'uma aventura que não é recomendada'. A aventura deles foi cuidar dos indígenas e da Amazônia durante um governo que não se preocupou com nada disso", disse a entidade no Twitter.
A Anistia Internacional também pediu empenho das autoridades brasileiras, além de apoio internacional do Peru e da Colômbia.
"A cooperação internacional é mais vital do que nunca em situações de crise como esta", disse a Anistia, em nota.
O Escritório de Direitos Humanos da ONU expressou "preocupação com a questão mais ampla dos constantes ataques e assédios contra ativistas, ambientalistas e jornalistas no Brasil, enfatizando que as autoridades são responsáveis por protegê-las e garantir que possam exercer seus direitos".
Alguns parentes dos desaparecidos disseram que têm poucas esperanças de encontrar os dois com vida.
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