Desde 5 de junho, quando o indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips desapareceram, suas famílias aguardam com angústia e tristeza para saber o que de fato aconteceu com os dois.
Dois suspeitos de envolvimento com o caso já foram detidos pela Polícia Federal, que encontrou objetos pessoais pertencentes a Bruno — botas, calça, chinelo e um cartão de saúde — e a Dom — uma mochila e botas.
Bombeiros disseram que também foram encontrados um notebook e sandálias. Os pertences estavam amarrados em uma árvore em uma área de igapó (região alagada da Amazônia) que fica no trajeto onde Bruno e Dom desapareceram.
Também está prevista para essa semana a divulgação dos resultados de uma análise de "material orgânico aparentemente humano e as amostras de sangue" achados pelas autoridades, segundo afirmou a Polícia Federal em nota na segunda-feira (13/6).
Pereira e Philips sumiram quando se deslocavam no rio Itaquaí, entre a comunidade de São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas, perto da fronteira com o Peru.
A região fica no limite do Vale do Javari, que é conhecido por abrigar o maior número de indígenas não-contatados do mundo.
A área também é conhecida por intensos conflitos envolvendo indígenas, garimpeiros, madeireiros, narcotraficantes e pescadores ilegais.
Desde então, parentes do indigenista e do jornalista vêm relatando o drama que as famílias enfrentam à espera de notícias e o desencontro de informações entre autoridades.
A BBC News Brasil reuniu algumas delas a seguir.
'Mantemos as orações'
No dia seguinte após o desaparecimento vir à tona, a família de Pereira relatou sua angústia e a esperança de que tivesse ocorrido um acidente.
"Já são 48 horas de angústia à espera de notícias. Tivemos poucas informações sobre a localização deles, o que tem aumentado este sentimento", afirmaram, em nota divulgada no dia 7 de junho.
"Mas também temos muita esperança de que tenha sido algum acidente com o barco e que eles estejam à espera de socorro. Mantemos orações e agradecemos o apoio de familiares e amigos."
'Cada minuto conta'
A família do indigenista fez ainda naquela ocasião um apelo por "urgência e prioridade" nas buscas.
"Pedimos às autoridades rapidez, seriedade e todos os recursos possíveis para essa busca. Cada minuto conta, cada trecho de rio e de mata ainda não percorrido pode ser aquele em que eles aguardam por resgate", disseram.
"É fundamental que buscas especializadas sejam realizadas, por via aérea, fluvial e por terra com todos os recursos humanos e materiais que a situação exige. A segurança dos indígenas e equipes de busca também precisa ser garantida."
'Dom não está entre nós, mas nunca esteve tanto conosco'
A mulher de Philips, Alessandra Sampaio, afirmou à BBC News Brasil, em entrevista publicada no dia 10 de junho, que não esperava mais encontrar o marido com vida.
Porém, desejava encontrá-lo para que ela e a família do jornalista, que vive na Inglaterra, possam se despedir.
"Minha fé é espírita e não acho que Dom está entre nós, mas ao mesmo tempo, ele nunca esteve tanto conosco. Sei que de onde ele estiver, está recebendo o acolhimento que ele merece."
'Não estranhei quando mensagem não chegou'
Alessandra contou à BBC News Brasil que falou com o marido pela última vez em 2 de junho. Naquele dia, ele avisou que ficaria sem sinal de telefone e só retomaria o contato com ela três ou quatro dias depois.
"Por isso, não estranhei quando a mensagem que enviei para ele no domingo (5 de junho) não chegou."
Na manhã seguinte, ela recebeu por telefone, de um jornalista, a notícia do desaparecimento. Alessandra cobrou uma melhor coordenação no trabalho de buscas.
"Sei que são pessoas empenhadas e foram muito carinhosas comigo. Só que eu acho que existe um comando superior que eu acredito que poderia colocar um contingente ou trabalhar uma logística melhor. Isso certamente ajudaria."
'Demora acaba com as esperanças'
Alessandra afirmou no entanto, em entrevista veiculada pela TV Globo no dia 12 de junho que, ainda guardava alguma esperança de que Philips e Pereira fossem encontrados.
"Fica aquela pontinha de uma história fantasiosa, fantástica, que talvez quem sabe…"
Mas ela compartilhou que a falta de notícias concretas minava esse sentimento. "Essa demora realmente acaba com as esperanças, né?", disse.
'Não tenho mais como chorar'
Alessandra contou também que os últimos dias têm sido muito difíceis. "Já estou seca, não tenho mais como chorar. Já chorei tanto", disse.
"Às vezes, vem uma tristeza quando eu vejo uma foto, a mobilização dos alunos dele, que ele fazia um trabalho social, dava aula de inglês numa comunidade em Salvador", afirmou.
"Parece que vou acordar a qualquer momento, ele vai chegar ou que ele vai me ligar, eu fico com o celular o dia inteiro na mão."
'Estou tentando me manter firme e preservar meus filhos'
Beatriz Matos, mulher de Pereira, disse à TV Globo em 12 de junho que, para proteger os dois filhos do casal, que têm 2 e 3 anos, estava evitando ligar a televisão ou se informar pelo celular.
"Não fico vendo notícias, só acompanho pelo celular, pelos amigos, para não expô-los a nada", afirmou.
"Estou tentando me manter firme. Estou tentando preservar meus filhos, que são muito pequenos."
'Algo me diz que ele pode estar perdido'
Beatriz afirmou na mesma entrevista então que ainda acreditava que ele e Phillips poderiam estar vivos.
"Acredito que os dois podem sobreviver na floresta, sem comida, ou com os recursos que eles têm", disse.
"Então, há algo dentro de mim que diz que ele pode estar perdido, que ele pode estar escondido", disse Beatriz.
'Espero que não tenham sido torturados'
Por sua vez, Alessandra disse à Globo que, embora seu marido e Pereira estivessem habituados com a região, não tinha muita fé de que fossem encontrados ainda vivos.
"Eram homens fortes, inteligentes, que estavam acostumados com essa vivência na floresta. Mas por tudo, por toda a conjuntura, por ter sido uma emboscada, eu não acredito. Infelizmente, não acredito", afirmou.
"Eu espero que eles não tenham sido torturados, que eles não tenham sofrido. E peço muito para eles estarem bem os dois, onde quer que eles estejam".
'Ninguém do governo me procurou'
Beatriz ressaltou nesta mesma entrevista que ainda não havia sido procurada pela Funai ou por qualquer outra autoridade do governo federal.
"Nem a Funai, nem nenhum órgão. A não ser, acho, que um delegado da Polícia Federal. E do governo, do Executivo, ninguém me procurou, ninguém ofereceu apoio para mim, nenhum", afirmou.
'Declarações de Bolsonaro ofendem e doem muito'
Beatriz afirmou ainda que a declaração do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que seu marido e Philips haviam feito uma "aventura não recomendável" pela região a "ofendem e doem muito".
"São afirmações que contradizem a extrema dedicação, a seriedade, o compromisso que o Bruno tem com o trabalho dele", declarou.
"Ele estava trabalhando. E se o local de trabalho dele, meu, e de tantos outros virou um local perigoso, que a gente precisa usar a escolta armada para poder trabalhar, tem algo muito errado aí. E o erro não está conosco. O erro é de quem deixou que isso acontecesse."
'Queremos justiça'
Em meio às buscas pelos desaparecidos, a irmã e o cunhado de Philips disseram na no dia 13 de junho à BBC que, conforme o tempo passa, diminui a esperança de encontrar o jornalista e o indigenista com vida, mas que mantêm a esperança de ter algum tipo de resposta para o que aconteceu.
"À medida que os dias foram passando, eles (indígenas envolvidos nas buscas de Phillips e Pereira) passaram a se referir cada vez mais ao meu irmão e a Bruno no passado", contou Sian, irmã de Dom.
As informações repassadas ao casal por indígenas e pessoas que acompanham o caso apontam, segundo Sian, que Phillips e Pereira sofreram uma "emboscada".
"Esperamos que (as autoridades) descubram o suficiente para desvendar o crime. Porque esta é uma das coisas que queremos: justiça", afirmou o cunhado Paul Sherwood.
"Porque queremos que a Amazônia seja um lugar aonde jornalistas possam ir e reportar a verdade. E no momento há muita gente que não quer que essa verdade venha à tona. Temos que continuar pressionando. O (que era) pessoal se tornou político para mim", disse Sian.
'Complicando uma situação já angustiante'
A família de Phillips informou ter recebido uma ligação de Roberto Doring, conselheiro da Embaixada do Brasil em Londres, avisando que dois corpos haviam sido encontrados e que passariam por perícia.
Porém, a Polícia Federal negou o fato. Em nota, a família de Philips disse que o desencontro de informações está "complicando uma situação já angustiante".
"Fomos informados com segurança de que a Polícia Federal no Brasil está contrariando isso. Só podemos esperar que na plenitude do tempo entendamos o que aconteceu e as contas sejam reconciliadas", disse a família.
Beatriz cobrou esclarecimentos sobre o paradeiro do indigenista após a Polícia Federal informar que seu marido e o jornalista britânico Dom Phillips ainda não foram localizados.
"A Polícia Federal tem o compromisso de passar as informações para a família primeiro e para a superintendência de Manaus, eles confirmaram para gente que nenhum corpo foi encontrado, conforme nota oficial. É necessário que se apure de onde o embaixador tirou essa informação", afirmou Beatriz.
Este texto foi publicado originalmente na BBC News Brasil.
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