MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Desastres causados pelo excesso de chuvas provocam recorde de vítimas

O ano de 2022 lidera com o maior número de mortes em decorrência do excesso de chuvas na última década. Mais de 25% dos óbitos ocorreram nos cinco primeiros meses deste ano. Especialistas apontam ocupação das áreas de risco como principal problema

O ano de 2022 recém chegou à metade e está marcado como um dos que mais apresentou desastres naturais causados por chuvas. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), este ano é, disparadamente, o que mais teve mortes causadas por excesso de chuvas dos últimos 10 anos. Mais de 25% dos 1.756 óbitos dessa série histórica, se deram nos cinco primeiros meses de 2022.

A tragédia mais recente ocorreu na capital pernambucana, Recife, que registrou, nos últimos dias, o maior número de mortes causadas por chuvas da história da região metropolitana e do estado de Pernambuco. Até o momento, 128 mortos foram contabilizados pela Secretaria de Defesa Social do estado, além de mais de 9 mil desabrigados.

Ao longo dos últimos anos, esses eventos se tornaram cada vez mais recorrentes. Além dos desastres de Pernambuco, tragédias semelhantes ocorreram no início do ano, em Minas Gerais, na Bahia e no Rio de Janeiro.

De acordo com especialistas, o excesso de chuvas não é o principal problema, mas sim, a ocupação em áreas de risco. "A gente não pode colocar a culpa na chuva. Se há algo que é confiável é a previsão de chuvas. O que tem acontecido, devido às condições climáticas, é o aumento da força da chuva. Uma coisa que não deveria acontecer é essas pessoas morarem nas regiões de risco", diz o especialista em geotecnia e sócio da MMF Projetos, Luciano Machado. "A gente precisa de uma solução conjunta entre todas as esferas do Executivo, que passa por uma política de implementação, para que as pessoas não morem mais em uma área de risco", completou.

Para o pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Landim Dominguez, a única solução viável para acabar com tragédias do gênero é evitar, por completo, essa ocupação de áreas de risco, visto que os desastres ocorrem devido a aspectos do próprio solo. "Acontece por conta da ocupação de morros, que, caso infiltre água, estão sujeitos a deslizar. Se for um substrato duro, como rocha, não vai ter esse deslizamento", argumentou o professor.

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Aquecimento global

Além da ocupação de áreas de risco, os especialistas alertam para as mudanças climáticas, fator preponderante para a forte incidência de chuvas no mundo inteiro. Uma das consequências do aquecimento global é a mudança no ciclo hidrológico, além da redistribuição de chuvas. Para o climatologista José Marengo, o Brasil passa neste momento por uma aceleração desse ciclo, que leva à ocorrência de intempéries climáticas extremas.

"No mundo, nas últimas cinco décadas, extremos estão cada vez mais intensos e frequentes. Quando falo de extremos, falo de chuvas intensas, secas, ondas de calor, ondas de frio, furacões, tempestades e tudo isso", afirma.

O professor Dominguez também alerta para a influência das mudanças climáticas no aumento da incidência desses desastres naturais. "O aquecimento global interfere nas precipitações. Em alguns lugares, as chuvas aumentam e, em outros, diminui. Com isso, contribui para que aconteçam mais eventos como agora em Recife ou no sul da Bahia, no início do ano", explica.

Um relatório produzido pelo Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC), revela que as chuvas já são 0,3% mais frequentes e 6,5 vezes mais intensas em todo o mundo. A média global é de uma chuva forte por década. Ainda assim, caso a temperatura do planeta aumente em 4%, essa estatística pode chegar a 2,7, o que representaria quase o triplo da incidência atual.

"O sexto relatório do IPCC mostrou que, globalmente, eventos extremos de chuva que têm tempo de recorrência típico de dez anos, ou seja, acontece um a cada dez anos, está 30% mais frequente e cerca de 7% mais intenso", indica o cientista do clima, Alexandre Costa.

"Então, estatisticamente falando, é óbvio que eventos extremos agora estão bem mais prováveis do que antes e tendem a ficar mais e mais prováveis a cada décimo de grau que este planeta aquecer. É por isso que a gente precisa conter o aquecimento global a todo custo", completa.

A solução indicada para a prevenção dos desastres naturais é apontada, quase que por unanimidade, na realocação de pessoas que vivem em áreas de risco. Porém, só essa atitude não é suficiente para os especialistas, que acreditam que as cidades necessitam se adaptar às mudanças climáticas.

"Tem que ter políticas para a adaptação. Precisamos ter mais áreas verdes nas cidades para que a água possa se infiltrar, e ter a natureza como aliada", avalia o diretor de conhecimento da SOS Mata Atlântica, Luiz Fernando Guedes Pinto.

Na visão de Costa, os desastres naturais ocorrem por três fatores: "risco, exposição e vulnerabilidade". Com esses parâmetros, o cientista aponta que muitas cidades brasileiras ainda são bastante vulneráveis às intempéries climáticas e, dessa forma, defende políticas de reordenamento das cidades, a fim de garantir moradia segura a toda a população.

"É preciso ter política de mitigação e de adaptação, imediatamente. E adaptar significa reordenar as nossas cidades. Torná-las menos desiguais, mais planejadas, que garantam acesso à moradia, que encerrem a vulnerabilidade das populações, em particular das populações mais pobres, e que sejam mais resilientes à mudança climática", defende.

Prejuízos

Outro levantamento realizado pela CNM este ano revela que, desde 2013 até abril de 2022, o prejuízo causado pelos desastres naturais aos cofres públicos foi de R$ 341,3 bilhões. Somente entre janeiro e abril de 2022, os prejuízos somaram mais de R$ 72,3 bilhões. O montante ultrapassa os valores de todo o último ano, que fechou em R$ 60,3 bilhões.

A pesquisa revela ainda que o governo federal repassou R$ 15,3 bilhões para o enfrentamento dos danos, entre 2010 e 2022, o que representa apenas 42% do que foi prometido pelo Poder Executivo. Esse valor ainda fica bem abaixo de todo o prejuízo causado pelos desastres, que ultrapassam os R$ 340 bilhões. Somente 4,5% dos custos foram efetivamente pagos pelo governo.

Entre as regiões do país que mais receberam os recursos do governo no período, o Nordeste lidera o ranking, com 54% dos repasses, bem à frente do segundo colocado, o Sudeste, que obteve 20%, seguido pelas regiões Centro-Oeste (15%), Sul (7,0%) e Norte (4%).

O pesquisador Landim Dominguez explica que, com um investimento prévio por parte do poder público, o dinheiro que é utilizado para mitigar os estragos e ajudar as vítimas poderia ser melhor aproveitado e investido em outras áreas necessárias para a população. "O desastre gera uma demanda por obras, e os recursos públicos poderiam ser utilizados em outros setores, como saúde e educação", explicou.

*Estagiários sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza