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Pernambuco devastado pela tragédia do século

Destruição e número de óbitos é maior do que o da enchente que assolou Recife, em 1975. Especialistas insistem que causas para o desastre são conhecidas: mudanças climáticas, intervenção humana desregrada e precariedade na urbanização

Mais dois corpos de vítimas das chuvas foram localizados, no final da tarde de ontem, na Grande Recife, fazendo com que o número de vítimas fatais seja de 109 nesta que já é considerada a maior tragédia desse tipo em Pernambuco, neste século. Isso porque, até então, a maior devastação no estado era a enchente histórica de 1975, no Recife, que matou 107 pessoas.

Os dois corpos encontrados estavam onde as buscas têm se concentrado desde a última segunda-feira. Um dos mortos foi encontrado na Vila dos Milagres, no Barro, em Recife, e o outro descoberto na comunidade Bola de Ouro, no bairro Curado 4, em Jaboatão dos Guararapes — município vizinho à capital pernambucana.

A tragédia em Pernambuco reúne fatores comuns às recentes devastações, que deixam cidades destruídas e dezenas de mortos. Os especialistas relacionam tais acidentes às mudanças climáticas, à intervenção humana sem regras claras, a urbanização precária dos locais onde geralmente acontecem os desastres, além da falta de políticas públicas de habitação consistentes para a população de baixa renda.

Somente este ano, é a segunda tragédia de grandes proporções. No começo do ano, as chuvas devastaram várias cidades da Bahia, de Minas Gerais e do Espírito Santo, mas o auge foi a que transformou Petrópolis (RJ) em um amontoado de escombros de lama, no final de fevereiro para março. O resultado é de 233 mortos, vítimas das enchentes e dos deslizamentos.

Uma pesquisa do Observatório dos Desastres Naturais mostra que nos últimos 10 anos, as mortes causadas por excesso de chuvas e suas consequências no Brasil somaram 1.756. Apenas em 2022, o saldo parcial dos óbitos por causa das tragédias são 457. Dos 10 estados mais afetados, cinco são do Nordeste do país: Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará.

Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de Brasília (UnB) Benny Schvarsberg, a tragédia de Pernambuco é recorrente no Brasil devido ao grande número de áreas de risco que são ocupadas de forma inadequada. "Não houve um manejo com a desocupação da área e de realocação das famílias. Não havendo as providências prévias, como um plano diretor municipal, acabam acontecendo perdas humanas em que as ações não são preventivas, mas sim curativas — após o acontecido. A responsabilidade maior é do poder público, que não tomou providências para evitar esse tipo de catástrofe. E não faltaram instrumentos para tanto", destacou.

Alertas

Schvarsberg observa que mesmo que os municípios sejam alertados sobre a possibilidade de uma tragédia, o poder público não se preocupa com a desocupação das áreas de risco para realocar as famílias para áreas seguras. "No caso de Petrópolis, por exemplo, o prefeito foi alertado horas antes do acontecimento das chuvas. Não ocorreram as providências necessárias a tempo", lembrou.

Segundo o professor, a capacidade científica e tecnológica da previsão desses eventos hoje em dia é bastante clara. "Em situação de baixadas, como no caso da Bahia e de Pernambuco, os elementos comuns são as áreas ocupadas de forma inadequada, sem parâmetros e sem planejamento sobre as áreas de risco. Diria que muito provavelmente os níveis de precariedade de construção estão presentes em todas elas. Há também uma precariedade do lado do governo para fazer a remoção ou realocação das pessoas", explicou Schvarsberg.

Para o professor do Departamento de Geografia da UnB Roberto Arnaldo Trancoso Gomes, os desastres ambientais no Brasil são complexos devido à dimensão territorial do país. "Em cada desastre deve ser observada uma particularidade. Em Recife, por exemplo, há alguns anos já aconteciam deslizamentos e inundações, mas, agora, estão ocorrendo muito mais. Não houve a retirada da população. A gente tem planos de gestão de desastres naturais há mais de 10 anos, mas existem processos que têm que ser implementados: intensificação, previsão do problema, monitoramento e mitigação posteriormente do problema", observou.

*Estagiárias sob a supervisão de Fabio Grecchi