O Ministério Público Federal (MPF) está apurando a conduta do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago no atendimento de uma menina de 11 anos vítima de estupro. O hospital, localizado em Florianópolis, disse que só faria o procedimento com autorização judicial. Nesta quarta-feira (22/6), a procuradora Daniele Cardoso Escobar expediu uma recomendação para o hospital realizar o aborto legal.
"A realização de procedimentos de interrupção da gestação nas hipóteses de aborto legal [termo usado no meio médico para definir o procedimento nos casos autorizados por lei], a serem praticados por médico, independentemente da idade gestacional e peso fetal, sendo desnecessária qualquer autorização judicial ou comunicação policial", diz trecho. O MPF deu prazo de até às 12h de quinta-feira (23) para que o hospital responda à solicitação.
A negação da unidade ao procedimento previsto em lei segue uma norma técnica do Ministério da Saúde, segundo informações do The Intercept. O documento intitulado Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adoslescentes tem caráter de orientação e recomenda que o prazo para o procedimento ocorrer seja de 20 a 22 semanas de gestação.
No entanto, o mesmo documento diz que a realização do procedimento em casos de estupro não é condicionada à decisão judicial. "A lei penal brasileira também não exige alvará ou autorização judicial para a realização do abortamento em casos de gravidez decorrente de violência sexual", diz. A nota ressalta ainda que o mesmo serve para o Boletim de Ocorrência Policial e para o laudo do Exame de Corpo de Delito e Conjunção Carnal, do Instituto Médico Legal. "Não há sustentação legal para que os serviços de saúde neguem o procedimento caso a mulher não possa apresentá-los", informa um trecho.
Em nota enviada ao Correio, o hospital informou que não é possível se manifestar porque o caso corre em segredo de justiça. "Ao longo desses anos, recebemos crianças e adolescentes, provenientes de todo o Estado de Santa Catarina, para realizar interrupção legal da gestação em decorrência de estupro de vulnerável. Quando ocorre de ultrapassar o limite da idade gestacional estabelecido pelo protocolo para conduzir o procedimento, orientamos a família a recorrer judicialmente para assegurar esse direito.", diz a nota.
A menina de 11 anos foi mantida em um abrigo
A criança vítima de estupro foi mantida em um abrigo de acolhimento em Tijucas, para a afastar do autor do abuso sexual e também para impedir o procedimento de aborto legal. O caso foi divulgado pelo The Intercept e a juíza Joana Ribeiro Zimmer sugeriu que ela "suportasse “ficar mais um pouquinho com o bebê”.
A juíza saiu do caso, mas não devido a repercusão do episódio. Ela foi promovida e transferida da 1ª Vara Cível de Tijucas, a 50km de Florianópolis — onde corre o processo pela violência contra a criança —, para Brusque. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) investigará a postura da magistrada no caso.
"A interrupção da gestação no país é permitida em três casos: em decorrência de estupro, quando há risco de vida para a gestante e por anencefalia do feto."
"A interrupção da gestação no país é permitida em três casos: em decorrência de estupro, quando há risco de vida para a gestante e por anencefalia do feto."
Confira a íntegra da nota do HU-UFSC/Ebserh:
O HU-UFSC/Ebserh não repassa informações sobre procedimentos relacionados ao prontuário de pacientes atendidos no hospital, em respeito ao sigilo das informações e à privacidade do paciente. Além disso, manifestações, no momento, não são possíveis porque o caso corre em segredo de justiça. O Hospital Universitário (HU/UFSC/Ebserh) é referência para o município de Florianópolis para a interrupção legal da gestação e desde 2005 segue as Portarias e normas técnicas definidas pelo Ministério da Saúde.
Ao longo desses anos, recebemos crianças e adolescentes, provenientes de todo o Estado de Santa Catarina, para realizar interrupção legal da gestação em decorrência de estupro de vulnerável. Quando ocorre de ultrapassar o limite da idade gestacional estabelecido pelo protocolo para conduzir o procedimento, orientamos a família a recorrer judicialmente para assegurar esse direito. Realizamos inúmeros encaminhamentos ao poder judiciário que, normalmente, defere o pedido com agilidade, compreendendo a complexidade e urgência da situação.
No entanto, há situações, pontuais, cuja conduta do poder judiciário não corresponde à expectativa da equipe assistencial do HU em atender as demandas de saúde na sua integralidade. É importante destacar que o procedimento de aborto legal no HU depende desta autorização da justiça quando ultrapassa as 20 semanas e 00 dias. O MP não baseou seu pedido no parecer da equipe especializada do HU-UFSC.
Em todas as circunstâncias o HU buscou garantir a assistência em saúde e os direitos humanos à criança, ofertando assistência à saúde, e avaliação da equipe multidisciplinar em relação à melhor conduta para a situação.
Esta instituição, que é uma das únicas do Estado de Santa Catarina a oferecer um serviço de aborto legal, sempre trabalhou com intuito de assegurar o direito das mulheres.
*Estagiária sob supervisão de Pedro Grigori
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