Amazônia sem lei

Indígenas rebatem PF e dizem que morte de Dom e Bruno teve mandante

Univaja contesta a conclusão de que os irmãos Amarildo e Oseney teriam decidido matar Bruno e Dom, possivelmente com a ajuda de outras pessoas, por conta própria. Entidade acusa os dois pescadores de integrarem um esquema maior

Tainá Andrade
postado em 18/06/2022 06:00
 (crédito: EVARISTO SA / AFP)
(crédito: EVARISTO SA / AFP)

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) contestou, ontem, a nota emitida pela Polícia Federal (PF) concluindo que os assassinatos de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips teria sido obra dos irmãos Amarildo (o "Pelado") e Oseney da Costa Oliveira (o "Dos Santos") com outras pessoas, que estão sendo investigadas. De acordo com a corporação, não houve "mandante nem organização criminosa por trás do delito".

Porém, segundo a Univaja, "Pelado" e "Dos Santos" fazem parte de um "grupo criminoso organizado" que invade constantemente as terras indígenas do Vale do Javari. Por conta disso, os membros da entidade chegaram a enviar documentos ao Ministério Público Federal (MPF), à PF e à Fundação Nacional do Índio (Funai) indicando uma quadrilha que age na região e identificando as pessoas que a integram.

"Tais documentos apontam a existência de um grupo criminoso organizado do qual 'Pelado' e 'Dos Santos' fazem parte. Esse grupo de caçadores e pescadores profissionais (está) envolvido no assassinato de Pereira e Phillips. Descrevemos nomes dos invasores, membros da organização criminosa, seus métodos de atuação, como entram e como saem da terra indígena, os ilícitos que levam, os tipos de embarcações que utilizam em suas atividades ilegais", ressalta a nota da Univaja.

Os indígenas afirmaram, também, que Bruno se tornou alvo dos criminosos por realizar um trabalho de mapeamento das atividades ilegais no Vale do Javari. Assim como ele, outros integrantes da Univaja receberam ameaças de morte por meio de bilhetes anônimos.

"A nota à imprensa, emitida pela PF hoje (17/06/22), corrobora com aquilo que já destacamos: as autoridades competentes, responsáveis pela proteção territorial e de nossas vidas, têm ignorado nossas denúncias, minimizando os danos, mesmo após os assassinatos de nossos parceiros, Pereira e Phillips", ressalta a nota da Univaja.

Contradição

Os indígenas apontam que crimes com requintes de crueldade, como o cometido contra Bruno e Dom, são encomendados por alguém que participa do narcotráfico da região. "Não é o comportamento de um crime normal. Esse tipo de assassinato é a mando de alguém. É só associar as informações das mortes com o que acontece em todas os crimes violentos que ocorrem no Brasil e no mundo, feitas com requinte de crueldade. Têm ligação com organizações criminosas. Nem mesmo a PF conhece a região", acusou Yuri Niwa Wani Marubo, assessor jurídico da Univaja.

A crueldade, aliás, é destacada na nota da Univaja que contesta a PF: "O requinte de crueldade utilizado na prática do crime evidencia que Pereira e Phillips estavam no caminho de uma poderosa organização criminosa, que tentou, a todo custo, ocultar seus rastros durante a investigação. Esse contexto evidencia que não se trata apenas de dois executores, mas sim de um grupo organizado, que planejou minimamente os detalhes desse crime. Exigimos a continuidade e o aprofundamento das investigações. Exigimos que a PF considere as informações qualificadas que repassamos a eles em nossos ofícios".

O outro integrante jurídico da associação, Eliésio Marubo, lembrou um episódio no qual houve a apreensão de cerca de uma tonelada de pescado. Ele questionou o rumo do dinheiro que seria arrecadado com a venda do produto interceptado pelas autoridades e associou essa atividade com a praticada por "Pelado" e o irmão.

"Ele trabalha há mais de 20 anos com a atividade ilegal. Considerando que ele não tem uma vida luxuosa, será que não tinha um mandante? Para onde ia esse dinheiro? A quem interessava a morte de Bruno e de Dom? O Bruno realizou muitas apreensões", conjecturou.

Marubo confirmou que os indígenas tiveram acesso a algumas informações sobre o inquérito da PF, mas prefere acompanhar as investigações. "Acho que há mais pessoas, que o mundo político está muito envolvido com isso. Acho que há mandantes e que falta um pouco mais de investigação", criticou.

O diretor da Univaja ressaltou que "uma viagem para cada aldeia indígena custa em torno de R$ 250 mil e eles vão para as terras indígenas para caçar e pescar constantemente. Como fazem isso?"

Ontem, a polícia civil realizou nova busca e apreensão em Atalaia do Norte (AM), município para onde Bruno e Dom iam antes de serem emboscados e mortos. As apurações apontavam para três desdobramentos: três suspeitos que participaram diretamente na morte do indigenista e do jornalista, sendo que uma delas supostamente ajudou na ocultação dos corpos dos dois e outra é, possivelmente, o mandante. Para Univaja, a informação divulgada pelas autoridades federais é mais um indício que reafirma o descaso do governo com o que ocorre na região.

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